Kunh e a instauração de um novo paradigma

"A partir do momento em que pode ser detectado o enfraquecimento do paradigma que, juntamente com isso, a confiança nesse mesmo paradigma não é mais como antes. Daí amadurece as condições para a revolução científica. No período em que ocorre a transição do paradigma em crise para um novo, o modo cumulativo de produção de conhecimento desaparece.

Exemplo da passagem a novo paradigma é a transição da astronomia ptolomaica à copernicana. Como uma reorientação gestáltico: quando abraça novo paradigma, por exemplo, a comunidade científica manipula o mesmo número de dados que antes, porém, inserindo-se em relações diferentes de antes. Esta migração dum paradigma a outro é o que constitui uma revolução científica:

O progresso através de revoluções é a alternativa de Kuhn para o progresso cumulativo característico dos relatos indutivistas da ciência. De acordo com este continuamente à medida que observações mais numerosas e mais variadas são feitas, possibilitando a formação de novos conceitos, o refinamento de velhos conceitos e a descoberta de novas relações lícitas entre eles. (CHALMERS, Ob. Cit. p. 135)

Ocorre, nessa fase, a reconstrução da área de estudos a partir da adoção de novos princípios epistemológicos e da assunção de outros compromissos antológicos. De modo que terminada a transição os cientistas terão modificado amplamente a concepção que, até então, se tinham de sua disciplina. Modificando, assim, sua visão de natureza:

Em dissonância com a ótica dominante, a maioria das novas descobertas e teorias nas ciências não são meras adições ao estoque de conhecimento científico existente. Para assimilá-las, o cientista deve normalmente rearrumar o equipamento intelectual e manipulativo no qual anteriormente confiou, descartando alguns elementos de sua crença e prática anteriores, descobrindo novos significados e novas relações entre muito outros. Em razão de o velho dever ser reavaliado e reordenado quando se dá a assimilação do novo, descoberta e invenção nas ciências são quase sempre intrinsecamente revolucionárias. ( KUHN apud OLIVA, ......, p. 93-94)

Segundo Kuhn, os grandes progressos em ciência representam a manipulação basicamente do mesmo conjunto de dados antes considerados. Essas reviravoltas de perspectivas se assemelham a uma reversão gestáltica exemplificável pelo famoso caso coelho, ora visto como pato (cf. OLIVA, 1997, p.163-164). Por longo período só vê, só mesmo, o pato. É preciso que reavalie seus princípios e pressupostos para se habilitar a ver coelho.

É óbvio que, numa perspectiva Kuhniana, o normal da ciência só pode ser assim caracterizado por oposição a um momento revolucionário esporádico e vice-versa. Kuhn não prevê a possibilidade de se propor uma nova teoria sem que a já aceita tenha passado pela crise, capaz de minar seus princípios bases de sustentação. É pela crise que a emergência de uma nova teoria que rompe com uma tradição irá introduzir uma nova dirigida por diferentes regras:

(...) enfraquece as regras de resolução dos quebra-cabeças da ciência normal, de tal modo que acaba permitindo a emergência de um novo paradigma. Creio que existem apenas duas alternativas:ou bem as teorias científicas jamais se defrontam com um contra-exemplo, ou bem essas teorias se defrontam constantemente com contra-exemplos.
( KUHN, Op. Cit., 110-111)

O que muda não é só o paradigma, mas também a ampla redefinição de critérios epistémicos. Partindo dai, o cientista mostra um tipo de reflexão bastante parecida com a filosófica. Mostrando, ainda, a sua preocupação com a problemática dos pressupostos e fundamentos no momento em que se fazia a ciência normal.

Para explicitar melhor a origem das revoluções científicas, Kuhn utiliza-se das anomalias com as revoluções políticas. Estas se iniciam com o intuito de que as instituições existentes deixaram de aparecerem capazes de tomar frente dos problemas que afloram a ordem social. Já a revolução científica é o paradigma que é classificado como inadequado para explicar algum aspecto da natureza:

As revoluções políticas iniciam-se com um sentimento crescente, com freqüência restrita a um segmento da comunidade política, de que as instituições existentes deixaram de responder adequadamente aos problemas postos por um meio que ajudaram em parte a criar. De forma muito semelhante, as revoluções científicas iniciam-se com um sentimento crescente, também seguidamente restrito a uma pequena subdivisão da comunidade científica, de que o paradigma existente deixou de funcionar adequadamente na exploração de um aspecto da natureza, cuja exploração fora anteriormente dirigida pelo paradigma
. (Ibidem, p. 126)

Afirma, o próprio Kuhn, que as revoluções políticas querem contrariar a funcionalidade imposta às instituições predominantes. Por razões dos dissentimentos entre facções em luta, as partes envolvidas neste momento revolucionário devem recorrer às técnicas de persuasão de massa. No caso da revolução científica, a existência de uma matriz disciplinar deixa de se fazer presente e, com isso, as chances em haver arbitragem com base em estritas razões ou justificações se tornam impossíveis. É, de fato, uma luta cujo desfecho determinará o modo de ver – a visão de mundo – vencedor. Uma vez que a forma de ver esta, estritamente, vinculada a um modo de viver a mudança de paradigma é, em suma, uma nova forma de vida (cf. OLIVA, Ob. Cit., p. 95)

É sumamente importante expor que no momento em que a tradição epistemológica se esforça para demonstrar que as ciências sociais conquistam seu caráter científico acaso se empenharem na imitação de métodos realizados pelos naturais, Kuhn se ocupa no sentido de elucidar a racionalidade científica em geral. Poderia, a esta altura, dar impressão de que é do objetivo de Kuhn querer corrigir os erros do velho naturalismo. A possibilidade de mostrar o percurso científico numa determinada ciência se torna algo muito problemático. Tal tarefa se torna mais difícil ainda o domínio não possui uma cientificidade estabelecida pelo próprio consenso que a rege.

No sistema Kuhniano, o velho naturalismo não só é invertido como também entra em choque com a tradição quando retira dos requisitos lógico-empiricos o papel determinante de avaliadores da veracidade das teorizações. Tanto o naturalismo quanto a epistemologia são atacadas por categorias pertencentes a esfera do político-sociológico, com o objetivo de solucionar a diacronia dos processos históricos de produção de conhecimento científico. A força dos contra-exemplos é tomada à argumentação persuasiva, a universalidade intersubjetiva torna-se audadosa das maneiras funcionais de (re) produção de consenso nas comunidades científicas:

Na escolha de um paradigma – como nas revoluções políticas – não existe critério superior ao consentimento da comunidade relevante. Para descobrir como as revoluções científicas são produzidas, teremos, portanto, que examinar não apenas o impacto da natureza e da lógica, mas igualmente as técnicas de argumentação persuasiva que são eficazes no interior dos grupos muito especiais que constituem a comunidade dos cientistas.
(KUHN, Ob. Cit., p. 128)

Por esta razão que se conclui que a utilização de técnicas de argumentação persuasiva aos requisitos lógicos de coerência se mostra de pouca serventia. Faz parte da afirmação Kuhniana de que os argumentos não são individualmente decididos. Não havendo, assim, argumentos puramente lógicos com a capacidade de nomear a superioridade dum paradigma sobre outro(s).

Por ventura, se a tradição epistemológica, esboçada por Kuhn, estiver com a razão, então a metaciência de Kuhn poderá ser classificado como digna descrição da ciência. Não uma reconstrução da racionalidade científica que elucida na enunciação de algum critério de decisão epistémica. Afinal, é o intuito de Kuhn elucidar que seu relato constitui uma teoria da ciência, pelo fato de oferecer uma explicação da função de seus vários componentes (cf. CHALMERS, Ob, Cit., p. 134). Tanto a ciência normal quanto às revoluções são funções necessárias, uma vez que a própria ciência deverá incluir tais características que servem para desempenhar as mesmas funções. Quais são estas funções, segundo o próprio Kuhn?

O momento em que esta vigorando um paradigma na ciência normal é dado ao cientista o privilégio de desenvolver os detalhes esotéricos contidos em uma teoria. Sendo eles, os cientistas, capazes de desenvolverem trabalhos teóricos e experimentais rigorosos, bastante precisos para levar a relação existente entre o paradigma e a natureza a um grau mais alto. É pela confiança no sucesso do paradigma que os cientistas se tornam capazes de tentar resolver os enigmas apresentados no interior de um paradigma. Desta forma se faz necessário que no percurso da ciência normal os cientistas não se empenham em serem críticos, que sejam não-críticos. Do contrário, nenhum trabalho poderia ser realizado em profundidade:

Isso já sugere o que o nosso exame de rejeição de um paradigma revelará de uma maneira mais clara e completa: uma teoria científica, após ter atingido o status de paradigma, somente é considerada inválida quando existe uma alternativa disponível para substituí-la.
(Ibidem, p. 108)

Admitindo que os cientistas perpetuassem permanecer na fase da ciência normal, é o mesmo que dizer que uma determinada ciência ficaria presa em um único paradigma. Havendo, assim, o não progresso dela mesma. Tal ocorrência seria, nos dizeres de Kuhn, um erro. Afinal:

Kuhn insiste que seu relato constitui uma teoria da ciência porque inclui uma explicação da função de seus vários componentes. Segundo Kuhn, a ciência normal e as revoluções servem funções necessárias, de modo que a ciência deve implicar estas características ou algumas outras que serviriam para desempenhar as mesmas funções.
(CHALMERS, Ip. Cit., 135)

Podendo até ocorrer de um paradigma apresentar-se como inadequado no que tange com sua relação à natureza. Quando isso ocorre, a mudança de paradigma ganha destaque e se torna importante para o progresso na ciência.

Vale, entretanto, questionar se a passagem de um paradigma a outro implica no progresso, propriamente dito? Aparentemente é uma questão complexa. Por outro lado, no desenvolvimento de algum período da ciência normal o progresso se apresenta como evidente e seguro, ao passo que nos momentos da revolução o percurso é caracterizado pelas discussões sobre as doutrinas fundamentais entram em conflito com a natureza, surgem dúvidas a respeito da possibilidade de perpétua continuação do progresso. Ou seja, no questionamento será adotado ou não um paradigma que se defrontam entre si:

Parte dessa aparência resulta pura e simplesmente da nova perspectiva de enfoque adotada pela escrutínio científico. Uma fonte de mudanças ainda mais importante é a natureza divergente das numerosas soluções parciais que a atenção concentrada tornou disponível. Os primeiros ataques contra o problema não resolvido seguem bem de perto as regras do paradigma, mas, com a contínua resistência, a solução, os ataques envolverão mais e mais algumas articulações menores do paradigma.
(KUHN. Ip. Cit., p. 114)

O progresso pelas revoluções é a alternativa que Kuhn opta para o progresso cumulativo característico dos relatos da ciência. Visto que a transição de um paradigma em crise para um novo se torna complexo, na medida de não equivalerem-se a um processo cumulativo. E sim para reformulações de todos os dogmas intrínsecos à “lógica” do paradigma em crise. É, exatamente, uma reconstrução por completo da área de estudo partindo de novos critérios, afim de lidar com os novos fatos e regras estipulando melhores formas de acesso à itens experiências:

A transição de um paradigma em crise para um nodo, do qual pode surgir uma nova tradição de ciência normal, esta longe de ser um processo cumulativo obtido através de uma articulação do velho paradigma. É antes uma reconstrução de área de estudos a partir de novos princípios, reconstrução que altera algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como muitos de seus métodos e aplicações. Durante o período de transição haverá uma grande coincidência entre os problemas que podem ser resolvidos pelo antigo paradigma e os que podem ser resolvidos pelo novo
. (KUHN, Op. Cit., p. 116)

Do contrário, se houvesse progresso nas ciências cumulativamente, poder-se-ia notar que a cada estado o que fora lógica ou factualmente acrescentado. É óbvia que na instauração de um novo paradigma é demandado uma nova definição de toda a ciência revolucionária. Pelo fato de que ela, o novo paradigma, esteja envolvido em rupturas, descontinuidade em toda a tradição anterior. As intrínsecas diferenças existentes entre paradigmas não se limitam em acréscimos e sim em diferenciações em qualificar os fenômenos de determinada área de estudo. É justamente as que residem o fato em que o processo de passagem de um paradigma para outro ser complicado.

Não existe uma fórmula dotada de ensinar ou mostrar como é feita a implantação de um paradigma e, tampouco, como é consolidada sua hegemonia:

Não há dúvida de que se a ciência progredisse pelo desvendamento crescente de um mesmo conjunto de fenômenos, pela simples descoberta de “mais coisas” ou pela neutralização de erros e ilusões – em suma, consoante um evolucionismo linear caracterizado por conquistas de um mesmo gênero – a competição entre programas de pesquisas seria facilmente arbitrável. Seria mais fácil perseguir um só significado para empírico e ver como inevitavelmente ruinosa a influência da filosofia tácita que se insinua nos processos particulares de pesquisa.
( OLIVA, Op. Cit., p. 123)

Em suma, assim como ocorre na evolução biológica, também na evolução da ciência pode-se encontrar um processo em que é desenvolvida constantemente. A partir, é claro, de estágios primitivos, porém não tendenciosos a nenhuma meta. Isto é a vantagem do número de estratégias tentadas serem multiplicado. Sendo os riscos distribuídos pelas comunidades científicas e aumentados às chances de algum sucesso em longo prazo. “De que outra forma”, pergunta Kuhn, “ poderia o grupo como um todo distribuir as suas apostas?” (LAKATOS e MUSGRAVE
apud CLALMERS, op. cit., p. 135).

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É isso!


Fonte
:
THIAGO MARQUES LOPES: “O PROGRESSO CIENTÍFICO E A NOÇÃO DE PARADIGMA NA CONCEPÇÃO DE THOMAS KUHN”. (Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, como requisito parcial para a conclusão do Curso de Graduação em Filosofia. Orientador: Prof. Mrs. Rodrigo Rodrigues Alvim da Silva). Juiz de Fora, 2008.

Nota
:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida.

Um comentário:

  1. Seu blog é o máximo!!!!Tem me ajudado muito no meu curso de filosofia...hehehehe

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