"No artigo Logic of discovery or psycology of research?, de Kuhn, ele compara as suas concepções de ciência com as de Popper e aponta as semelhanças e diferenças que percebe entre os dois pontos de vista. Segundo Kuhn, a semelhança entre os dois critérios de demarcação é apenas nos resultados, pois os processos são muito diferentes, já que trabalham com aspectos distintos do objeto em questão. Assim como Popper, que elaborou o seu critério com base nos casos do marxismo e da psicanálise, Kuhn concorda que ambos são pseudociências, mas afirma que "chegou a essa conclusão por um caminho muito mais seguro e mais direto que o dele". Kuhn considera o seu critério de solução de quebra-cabeças menos equívoco e mais fundamental que o de Popper.
Partindo do princípio de que Popper faz oito referências à astrologia só no seu Conjecturas e refutações, Kuhn também optou por tomá-la como exemplo neste artigo, dada a recorrência do caso da astrologia como exemplo de pseudociência. Segundo Popper, as interpretações dos astrólogos são muito vagas e explicam qualquer coisa, inclusive os falsificadores potenciais125 da teoria astrológica. Para fugir da falsificação, os astrólogos impossibilitaram a testabilidade da astrologia. Só para ilustrar essa mesma linha de pensamento, alguns argumentos de Stephen Hawking:
"A astrologia alega que os eventos na Terra estão relacionados aos movimentos dos planetas no céu. Esta é uma hipótese cientificamente experimentável, ou seria, se os astrólogos se arriscassem e fizessem previsões precisas que pudessem ser testadas."
Kuhn concorda com isso que ele chama de "generalizações" sobre a testabilidade da astrologia e a postura dos astrólogos, mas não acha possível basearse nelas para identificar um critério de demarcação. Seu argumento baseia-se na própria história da astrologia, que registra diversas previsões que falharam. Dessa maneira, para Kuhn, "a astrologia não pode ser excluída das ciências devido à forma com que suas previsões foram elaboradas". Além disso, ele também não aceita a exclusão da astrologia com base nas explicações que os astrólogos oferecem para as falhas. Segundo Kuhn, "não há nada de não científico nas explicações dos astrólogos sobre as falhas". Lembra, inclusive, que argumentos similares são usados hoje em dia para explicar falhas na medicina ou na meteorologia. Entretanto, ele afirma que a astrologia não é uma ciência, mas uma "arte prática", assim como a engenharia e a medicina de um século e meio atrás e a psicanálise hoje em dia.
"Eu acho que a semelhança com uma medicina mais antiga e a psicanálise contemporânea é particularmente próxima. Em cada um desses campos, a teoria compartilhada era adequada apenas para estabelecer a plausibilidade da disciplina e fornecer um fundamento para as várias regras que controlam a prática."
Essas regras práticas, apesar de úteis, não foram suficientes para evitar as falhas recorrentes. Mas ainda assim não faria sentido abandonar essas disciplinas plausíveis, necessárias e relativamente bem-sucedidas porque ainda não se elaborou uma teoria melhor. É justamente nessa ausência de uma teoria melhor, que impede a pesquisa, que Kuhn identifica o problema da pseudocientificidade da astrologia: "embora houvesse regras para aplicar, eles não tinham quebra-cabeças para resolver e, portanto, nenhuma ciência para praticar".
Ao comparar as atividades de astrônomos e astrólogos, Kuhn afirma que, ao contrário dos astrônomos, com suas atividades de medição, cálculo, correção de erro, etc., atividades tipicamente de solução de quebra-cabeças, os astrólogos não teriam tais desafios. Eles explicam a ocorrência de falhas, mas tais falhas não suscitam os quebra-cabeças que caracterizam a pesquisa científica. Dessa maneira, "a astrologia não pôde tornar-se uma ciência, ainda que as estrelas, de fato, controlassem o destino humano".
Ao afirmar que os astrólogos fizeram predições testáveis e reconheceram que essas predições às vezes falharam, Kuhn finaliza sua crítica ao critério de demarcação de Popper, apesar de concordar com a exclusão da astrologia do conjunto das ciências. Para ele, Popper teria se concentrado demais nas revoluções ocasionais da ciência, o que o teria impedido de perceber o real motivo dessa exclusão: "testes não são requisitos para as revoluções por meio das quais a ciência avança, mas isso não é verdade para os quebra-cabeças".
Uma distinção interessante é apresentada por John Watkins. Ele sugere que os astrólogos são, de alguma maneira, cientistas normais, na mais perfeita acepção kuhniana. Eles resolvem quebra-cabeças no nível dos horóscopos individuais, despreocupados com os fundamentos da sua teoria geral, ou paradigma.
Em sua crítica à ciência normal de Kuhn, Watkins refere-se às analogias que o próprio Kuhn faz entre ciência normal e teologia: "Kuhn vê a comunidade científica como análoga a uma comunidade religiosa, e vê a ciência como a religião do cientista". Para corroborar seu argumento, Watkins lembra que, em A estrutura das revoluções científicas, Kuhn fala em iniciação, conversão e fé, e identifica semelhanças entre ciência e teologia."
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É isso!
Fonte:
Cristina de Amorim Machado: “Considerações acerca da cientificidade da astrologia à luz das idéias de Popper, Kuhn e Feyerabend”. (Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Filosofia. Orientador: Antonio Augusto Passos Videira). Rio de Janeiro, 2004.
Nota:
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