A pena de morte no Brasil

“Desde os tempos do descobrimento se tem conhecimento da aplicação da pena de morte no Brasil. Os índios já aplicavam tal pena sob o respaldo de rudimentares valores de justiça como forma de punição aos infratores.

Com a descoberta do Brasil por Portugal, a pena de morte não foi abolida, ao contrário, amoldou-se aos termos das Ordenações, em que reis possuíam poderes quase ilimitados, condenando à morte quem cometia crimes de lesa-majestade. As punições eram severas, sem a observância do devido processo legal e com a diferenciação de aplicabilidade conforme a hierarquia social dos indivíduos envolvidos. Neste primeiro momento, adotavam-se as normas das Ordenações Afonsinas, onde as prisões eram consideradas medidas cautelares (acessórias) e não sanções autônomas. Mantido tal sentido da penas a partir de 1514, com o reinado de D Manuel, com as Ordenações Manuelinas, e a partir de 1603, com as ordenações Filipinas. Todas mantendo a mesma
concepção da pena.

As punições à morte no Brasil ficavam a critério de juízes nomeados por sua majestade. A execução da pena era prevista em formas cruéis, como enforcamento e
esquartejamento, com exposição em praça pública.

Inovações foram trazidas com a criação das capitanias hereditárias, quando o rei Dom João III divide a colônia em 14 capitanias entregues a 12 donatários, com o objetivo de fazer prosperar o próprio reino, a explorar as terras e povoar toda a região. Por esse motivo, em 1535, a coroa declara, através de um Alvará Especial, o Brasil como um local couto e homizio para todos os criminosos que nelas quiserem ir morar, ainda que já condenados por sentenças até em pena de morte’’, abrindo exceção para os
crimes que envolvessem heresia, traição, sodomia e moeda falsa.

No Império, depreende-se da redação da Constituição de 1824, a defesa dos
direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros e a proibição expressa da aplicação de penas cruéis, como determinava o artigo 179, item 19:

Art. 179.
[...]
19. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis.[...]

Portanto, as penas cruéis foram censuradas pela Carta, mas, contrario sensu, a
pena de morte foi mantida. Na incursão histórica, verifica-se que a condenação à pena de morte, executada pelo enforcamento, não era considerada cruel, mas exigia-se que fosse aplicada com a observância de alguns preceitos, dentre eles: seu uso com cautela, sua não execução em véspera de dia santo, a forca deveria ser demolida após a execução, a votação deveria ser unânime e, ainda, existia a possibilidade da graça concedida pelo Imperador.

Em 1830 ainda era mantida a pena de morte com base no Código Criminal, com a previsão expressa da pena de enforcamento para alguns crimes, todavia, reduzindo de forma considerável a incidência da condenação capital e modificando o ritual público,
incluindo a substituição da exposição dos cadáveres pela entrega dos corpos às famílias.

Em 1834, com a influência humanista que marcava a época, em face da Revolução Francesa, é determinada pela Regência, a demolição da forca do Rio de Janeiro, onde as execuções eram públicas. Em 1850 é inaugurado um sistema político penitenciário através das Casas de Correção. O Estado ficou responsável pela divulgação das condenações por meio de jornais e panfletos, substituindo àquela feita
por meio da exposição dos corpos e membros em praça pública.

Os governantes e a elite da época não se conformavam com a imposta convivência com os criminosos, principalmente com as determinações posteriores, que incluíam o perdão de vários crimes, e a situação existente, com a visível criminalidade,
e a opinião pública levava a defesa da pena de morte.

Em certos casos, a condenação à morte causou pasmo à sociedade da época, como
os exemplos citados na história:

a) de João Figueira, que em 1725 foi considerado o maior pertubador de mulheres
casadas e de donzelas;
b) de Lucas de Feira, escravo fugitivo e chefe de uma "quadrilha", enforcado em 1849, e
c) do soldado Francisco José das Chagas, conhecido por "Chaguinha", executado na forca em 1821, aclamado pelo povo em face da corda ter rompido por três vezes.

Após esses episódios surge um questionamento da legitimidade da aplicação da pena capital. Inicia-se, portanto, uma nova fase: a decadência da escravatura, a extinção
das sesmarias e da pena de morte.

Em 1853 surge um fato na aristocracia rural que fez D. Pedro II refletir sobre a pena de morte: a condenação de Motta Coqueiro, amigo particular do Imperador. O caso narra um crime brutal que abala Macabu, situada na província do Rio de Janeiro, e revolta toda a região: uma família de oito colonos é assassinada numa das propriedades do fazendeiro Manoel da Motta Coqueiro e sua mulher Úrsula das Virgens Cabral. O fazendeiro é acusado por uma única testemunha: a escrava Balbina, líder espiritual dos escravos. Com as urgentes providências requisitadas pelos adversários políticos do acusado, a condenação do aristocrata é concretizada, sendo ignorada a vedação de testemunho de escravos que deponham contra seu senhor. Motta Coqueiro é condenado à forca em dois julgamentos, ambos com uma latente parcialidade por parte dos julgadores, dentre outras atecnias jurídicas, com a ratificação dos tribunais e com a negativa de Graça Imperial por D. Pedro II. Tudo sob fortes ataques da imprensa que o
denominava a Fera de Macabu.

No dia 6 de março de 1855, Motta Coqueiro foi executado na forca de Macaé; antes, porém, recebe a visita de um padre. Ao confessar-se ratifica sua inocência e
aponta o verdadeiro autor da barbárie.

Passado algum tempo após o enforcamento de Motta Coqueiro, foi averiguado e confirmado o erro judiciário. O condenado era inocente. O imperador, sensibilizado e já
convencido da inadequação desta pena, resolveu aboli-la no Brasil.

Mas, fato é que a previsão legal da pena de morte subsistiu até a Proclamação da
República, porém o imperador começou a conceder sucessivas graças.

A história da pena de morte no Brasil teve sua última execução em 1876,
determinada pela Justiça Civil, do escravo Francisco, em Pilar das Alagoas, em 1876. A última execução de um homem livre ocorreu em 1861, em Brejo de Areia, na Paraíba. E com a exceção da condenação do escritor Gerardo Mello, em 1942, por crime de espionagem, não há notícias de outras condenações no Brasil.

Desta forma, pode-se dizer que o Brasil foi um dos primeiros países a extinguir a pena de morte para os homens livres, o que ocorreu na década de 60, subsistindo para os escravos até meados da década de 70 do século XIX. Até os últimos anos do império, o júri condenava à morte, mas depois de 1876 o Imperador comutava todas as sentenças,
evitando a execução.

Ainda há discussões acerca da existência de uma condenação à forca ocorrida em Caldas, no estado de Minas Gerais, no ano de 1888, de um moço de vinte e poucos anos, que matou uma pessoa que o cobrava quantia devida. Na prefeitura de Caldas há documento que dá notícia detalhada do caso. Mas não há comprovação do julgamento e
nem mesmo da execução.

Promulgada a primeira Constituição da República, em 1891, houve a abolição da
pena de morte, com a exceção para crimes de guerra, tudo previsto no art 72:

Art. 72 - A Constituição assegura aos brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
§ 21 - Fica igualmente abolida a pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra. (grifo nosso).

Portanto, seguindo o curso da história, de 1890 a 1937, não houve aplicação da pena de morte. Com a ditadura institucionalizada por Getúlio Vargas, a Constituição de
1937 trouxe autorização para aplicação da pena de morte nos casos enumerados:

Art. 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no
País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
3) não haverá penas corpóreas perpétuas. As penas estabelecidas ou agravadas na lei nova não se aplicam aos fatos anteriores. Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, a lei poderá prescrever a pena de morte para os seguintes crimes: a) tentar submeter o território da Nação ou parte dele à soberania de Estado estrangeiro; b) tentar com auxílio ou subsídio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, contra a unidade da Nação, procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania; c) tentar, por meio de movimento armado o desmembramento do território nacional, desde que, para reprimi-lo, torne-se necessário proceder a operações de guerra; d) tentar, com o auxílio ou subsídio do Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, a mudança da ordem política ou social estabelecida na Constituição; e) tentar submeter por meios violentos a ordem política e social, com o fim de apoderar-se do Estado para o estabelecimento da ditadura de uma classe social; f) o homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade. (Grifo nosso).

Mas, não se teve notícia de sentença de condenação à pena de morte sob este
fundamento no período acobertado por tal Estatuto, com a exceção do caso citado, do escritor Gerardo Mello Morão, cearense, em 1942, que teve sua pena posteriormente comutada em 30 anos de reclusão, entretanto cumpriu menos de 6 meses. Sofrendo com as conseqüências do trauma de seu apenamento, o escritor somente veio a falecer, de morte natural, em 2007. Surge depois, em 1946, uma Constituição que mescla princípios liberais e sociais democráticos e prevê expressamente a abolição da pena de morte:

Art 141 [...]
§ 31 - Não haverá pena de morte, de banimento, de confisco nem de caráter perpétuo. São ressalvadas quanto à pena de morte, as disposições da legislação militar em tempo de guerra com país estrangeiro. A lei disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidades autárquicas.

Com o golpe militar que depõe o então Presidente João Goulart, em 1964, e a nova Constituição, de 1967, o texto maior faz nova previsão da pena de morte para respaldar os ideais da época, que buscavam o cerceamento dos direitos e garantias.
Ditava o artigo 150:

Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
§ 11 - Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, nem de confisco. Quanto à pena de morte, fica ressalvada a legislação militar aplicável em caso de guerra externa. A lei disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de função pública.
[...]

Surge, em decorrência da época ditatorial, o Ato Institucional n. 5 e,
sucessivamente, o Ato Institucional n. 14, nos quais se faz previsões mais abrangentes à pena de morte: cabível, além de caso de "Guerra Externa", também para "Guerras Psicológica Adversa e Revolucionária Subversiva" - guerras que poderiam atingir a preservação da Segurança Nacional, abalando o bem-estar do povo e o desenvolvimento do país. Neste período alguns militares da esquerda foram condenados, mas não houve nenhuma execução legal.

Em 1978, a Emenda Constitucional n. 11, restringe novamente a aplicação da pena de morte, revitalizando o texto anterior do art 150, no qual se previa a aplicação da pena de morte para excepcionais casos de guerra externa, conforme legislação penal própria, no caso o Código Penal Militar que faz previsão de 35 artigos, dispondo sobre a
pena de morte.

A Constituição de 1988 trouxe a pena de morte prevista de forma excepcional. Em seu art 5
o, que se inicia com ditames ao direito à vida e constam os direitos e garantias individuais, há previsão da pena de morte: “Art. 5º [...] XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX.” (grifo nosso). Neste ponto importante cabe destacar que o Brasil é o único país de língua portuguesa que faz previsão, em sua Constituição, de alguma forma de pena de morte.

O legislador constitucional teve o esmero de estabelecer, no artigo 60 da Carta Política, vedação a emendas tendentes a abolir cláusulas pétreas, nos quais os direitos e
garantias de vida e liberdades são consagradas:

Art. 60
[... ]
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir.
I - a forma federativa do Estado.
II - o voto direto, secreto, universal e periódico.
III - a separação de poderes.
IV - os direitos e garantias individuais.

Doravante, apesar da genérica vedação constitucional, que suporta aplicação da
famigerada pena em caso específico, e de artigos que dispõem sobre a preservação da dignidade humana, o Brasil não é considerado um país abolicionista, pois comporta (uma) previsão constitucional para aplicação da pena de morte.

A situação tolerada pelo Estado brasileiro, exterminar vidas pela aplicação da pena de morte em casos de guerra, vem disciplinada no Código Penal Militar e no Código de Processo Penal Militar, nos quais se descrevem como procedimento inicial a condenação transitada em julgado do prisioneiro, comunicação ao Presidente da República com brevidade de sete dias antecedentes à execução, quando pode ser concedida a clemência, excetuando algumas situações em que pode ser executada imediatamente, e a forma da condenação da morte por fuzilamento. E ainda determinam que o preso deva estar decentemente vestido e a voz de fogo será substituída por gestos. A previsão constitucional para a pena de morte em casos de guerra não explicita sua delimitação, que pode ocorrer de forma geral, desde que se justifique que se trata de
“Caso de Guerra”.

A despeito do entendimento majoritário quanto à vedação da institucionalização da pena de morte por crimes comuns, disciplinados em leis infraconstitucionais, há alguns Projetos de Lei sendo apresentados por representantes do povo no Congresso Nacional, sempre com divergências da opinião pública (PL 1538/73, PL 4230/77, PL 5536/85, PL 999/95, PL 559/2003 - Câmara dos Deputados Federais). Além de vários trabalhos e campanhas para a institucionalização da pena de morte, cumpre destacar o ideal narrado por Amaral Neto, que defende a institucionalização da pena de morte no
Brasil sob condição de ser aprovada em um plebiscito.

A preocupação deve, ainda, repousar no descaso da existência de previsão da pena de morte no Brasil, sob conceito indeterminado "em casos de guerra", pois quais seriam os casos de guerra? E, ainda, deve-se ater à possibilidade de um momento fractal (termo utilizado por Canotilho), com o surgimento de uma nova Constituição prescrevendo a
pena de morte.

É pacífico que o Poder Constituinte Originário goza das características da ilimitabilidade, da inicialidade e da insubordinação, decorrente de seu poder de
estabelecer novos princípios e regras de um ordenamento jurídico, mas a institucionalização da pena de morte não deve prescindir de prévio estudo jurídico-sociológico que comprove a necessidade da aplicação da medida. Tudo além da preocupação com uma Revisão Constitucional.

Como ensina o Professor César Barros Leal, existe a diferença entre possibilidade e certeza, como forma de instalar uma segurança social vinculada a uma política repressora, na qual há uma postura dogmática com relação à pena e seus respectivos fins, num projeto de uma política criminal, o que ele denomina “expectativa fraudulosa
de tranqüilidade e segurança jurídica”, e alerta:

Mergulhada no espiral da violência e manipulada pelos meios de comunicação social e pelos movimentos de lei e ordem (law and order), a sociedade, temorizada, em pânico, sem saber o que fazer, é induzida a não
pensar nas raízes do problema, na possibilidade de enfrentá-lo em suas origens e simplesmente demandar mais repressão, novos tipos penais, mais prisão (e nesse caso pouco importa se existe ou não uma sentença formal condenatória, mesmo porque a presunção de inocência é um conceito vulnerado a toda hora pelos órgãos policiais e pela mídia, sob o aplauso generalizado dos que vêem em ações espetaculosas ou em manchetes
descomprometidas com a busca da verdade o aceno de uma resposta efetiva) e com isso assegura a permanência de um círculo vicioso, propugnando, em lugar de medidas de cunho preventivo (de curto, médio e longo prazo), a vingança, o castigo, especialmente o aprisionamento, na ingênua ilusão de que, dessa forma, se possa refrear a ascensão da criminalidade."

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Fonte:
MÔNICA BARBOSA MARTINS MELLO: "A PENA DE MORTE À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS E DO DIREITO CONSTITUCIONAL". (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Constitucional, sob a orientação de conteúdo do Professor Doutor Rosendo Freitas e Amorim). Fortaleza - Ceará, 2008.

Nota
:
A imagem (Revista de Pernambuco, abril de 1925) inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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