Darwin e sua obsessão hereditária

Dos inúmeros assuntos abordados por Charles Darwin em suas obras, um que merece destaque diz respeito à hereditariedade. A questão acarretou um impacto tão forte na vida deste naturalista ao ponto de levá-lo a criar uma teoria própria baseada na herança dos caracteres adquiridos: a estranha Pangênese. Sobre isto, escrevem seus biógrafos Desmond e Moore (os mesmos autores de “A Causa Sagrada de Darwin”):

"Mas Darwin estava relutante em abandonar a hipótese de que um órgão bem tratado e fortalecido poderia ser herdado. Durante décadas ele tinha acumulado evidências de que o físico dos comerciantes era transmitido — que os filhos dos ferreiros nasciam com o bíceps musculoso ou que marcas paternas reapareciam nos bebês. Mais e mais ele recorria a isso, tomando a pân-gênese essencial. Na Descendência tal herança era apresentada como um poderoso fator da evolução humana.

Nada iria induzi-lo a competir com Huxley, sufocando o seu deus-bebê. Portanto ele deixou Pan essencialmente intacto, permitindo literalmente que organismos crescessem de suas gêmulas herdadas. Uma amarga experiência fê-lo pensar que os seus filhos compartilhavam das suas fraquezas. Era reconfortante pensar que dividiam as suas capacidades mentais e que as gêmulas modificadas do seu cérebro jovem e sobrecarregado de trabalho tinham transmitido suas peculiares dádivas psicológicas.

Assim, o peneiramento continuava, talvez menos violentamente mas não menos efetivamente. O trabalho de Galton sobre a hereditariedade mental convencera-o."

Fonte:
A Vida de um Evolucionista Atormentado: Darwin. Adrian Desmond & James Moore – Geração Editorial. São Paulo, 1995.

Em seu famoso livro “
A Origem das Espécies”, por exemplo, há inclusive um capítulo inteiro dedicado ao assunto: "Efeitos dos hábitos e do uso ou não uso das partes; variação por correlação; hereditariedade". Destaca Darwin:

“A mudança dos hábitos produz efeitos hereditários; poderia citar-se, por exemplo, a época da floração das plantas transportadas de um clima para outro. Nos animais, o uso ou não uso das partes tem uma influência mais considerável ainda. Assim, proporcionalmente ao resto do esqueleto, os ossos da asa pesam menos e os ossos da coxa pesam mais no canário doméstico que no canário selvagem. Ora, pode incontestavelmente atribuir-se esta alteração a que o canário doméstico voa menos e marcha mais que o canário selvagem. Podemos ainda citar, como um dos efeitos do uso das partes, o desenvolvimento considerável, transmissível por hereditariedade, das mamas das vacas e das cabras nos países em que há o hábito de ordenhar estes animais, comparativamente ao estado desses órgãos nos outros países. Todos os animais domésticos têm, em alguns países, as orelhas pendentes; atribui-se esta particularidade ao fato de estes animais, tendo menos causas de alarme, acabarem por se não servir dos músculos da orelha, e esta opinião parece bem fundada” (p. 24).

Já no seu livro menos conhecido “
A Origem do Homem e a Seleção Sexual”, a questão deixa o âmbito específico dos animais e penetra de vez no homem. São inúmeras as passagens com as quais Darwin tenta justificar sua visão eugênica de herança dos caracteres físico e mentais:

“Em outro lugar discuti com bastante profundidade o assunto da hereditariedade, pelo que agora não creio neces­sário acrescentar alguma coisa mais. Quanto à transmissão, seja dos mais irrelevantes como dos mais importantes carac­teres, no caso do homem tem sido recolhido um número de dados maior do que para qualquer outro animal inferior, em bora os dados sejam bastante copiosos também para estes últimos. Assim, no que toca as faculdades mentais, a sua trans missão se manifesta nos cães, nos cavalos e nos outros ani mais domésticos. Ademais, seguramente se transmitem gos tos e hábitos particulares, a inteligência em geral, a coragem, o bom e o mau temperamento, etc. Com o homem assistimos a fatos semelhantes ern quase toda família; e agora, graças às notáveis obras de Galton, sabemos que o génio, que com­preende uma combinação extraordinariamente complexa de faculdades elevadas, tende a ser hereditário; por outro lado é igualmente certo que
aloucura e as deficiências psíquicas se transmitem nas famílias” (p. 40).

"Recentemente o Dr. Beddoe mostrou que morar nas cidades bem como algu mas ocupações exercem uma influência negativa sobre a al tura dos habitantes da Bretanha; daí se deduz que tal efeitq em certa medida é hereditário, como acontece também nos Estados Unidos. Além disso o Dr. Beddoe é de opinião que sempre que "uma raça atinge o seu máximo desenvolvimento físico, aumenta também de energia e de vigor moral” (p. 44).

“Rengger atribui as pernas magras e os braços ro bustos dos indígenas paraguaios ao fato de que gerações e mais gerações passaram quase toda a sua existência em ca noas, sem movimentar as extremidades inferiores. Outros es critores chegaram a conclusões semelhantes para casos análogos. Segundo Cranz, que viveu muitos anos com os esquimós, "os nativos crêem que a sagacidade e a destreza dos pescadores são hereditárias (a pesca constitui a sua prin­cipal arte e virtude); nisto certamente vai algo de verdadeiro, porquanto o filho de um célebre pescador se distingue, embora tenha perdido o pai em pequeno". Neste caso a ati tude mental parece ser hereditária bem como a estrutura fí sica. Está fora de dúvida que as mãos dos trabalhadores ingleses por ocasião do nascimento são maiores do que aquelas dos nobres. Pela relação que existe, ao menos em alguns casos, entre o desenvolvimento das extremidades e aquele das maxilas é possível que nas classes que não trabalham muito com as mãos e com os pés, as dimensões das maxilas sejam reduzidas por esta razão. É certo que as mesmas têm dimensões menores nos homens evoluídos e civilizados do que naqueles que se dedicam a trabalhos pesados ou nos selva gens. Mas entre os selvagens, conforme notou Herbert Spencer, o maior uso das maxilas no mastigar alimentos duros e crus agiria de modo direto sobre os músculos da mastigação e sobre os ossos a que estão unidos. Nas crianças, já muito antes do nascimento, a pele sobre a planta dos pés é mais macia do que em qualquer outra parte do corpo; e
é difícil pôr em dúvida que isto seja devido a efei tos hereditários de pressão durante uma longa série de gerações".

Todo mundo sabe que os relojoeiros e os escultores são atacados de miopia, enquanto que os homens que vivem mui­to ao ar livre e os selvagens em particular via de regra são présbitas. Miopia e presbiopia seguramente têm a ten dência de serem hereditárias. A inferioridade em que os europeus se encontram com relação aos selvagens no que diz respeito à vista e aos outros sentidos
é sem dúvida efeito acumulado e transmitido de um uso inferior no decurso de muitas gerações; com efeito Rengger narra que reiteradas vezes observou europeus que se haviam mudado e que passaram toda a vida entre os indígenas selvagens, sem con­tudo igualá-los na agudez dos sentidos. O mesmo naturalista observa que as cavidades do crânio, para receber os órgãos dos sentidos, são mais amplas nos aborígenes americanos do que nos europeus; isto provavelmente vem indicar uma cor respondente diferença na dimensão dos próprios órgãos. Blumenbach deteve-se também na cavidade nasal do crânio dos aborígenes americanos e ligou este fato com a sua notável capacidade de olfato. Os mongóis das planícies da Ásia setentrional, segundo Palias, possuem sentidos verdadeiramen te perfeitos e Prichard acredita que a considerável largura do seu crânio à altura dos zígomos deve derivar dos seus órgãos sensoriais altamente desenvolvidos” (p. 46-48).

Fonte:
Charles Darwin. “A Origem do Homem e a Seleção Sexual”. Tradução: Attílio Cancian e Eduardo Nunes Fonseca. Hemus Livraria Editora LTDA. São Paulo, 1974.


Já no seu também desconhecido livro “
A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais”, a hereditariedade norteia toda a obra. E um detalhe interessante refere-se ao fato de que, quando faz referência da herança relacionada a características mentais, é comum Darwin fazer menção de seu primo Francis Galton, o criador da Eugenia. Referindo-se, por exemplo, à hereditariedade dos gestos e cacoetes, ele faz menção numa nota de rodapé de um caso contado por Galton relacionado à herança de um sentimento de prazer transmitido de pai para filha. Diz:

“A hereditariedade de gestos habituais
é para nós tão importante que aproveito a permissão do sr. F. Galton para reproduzir com suas próprias palavras este notável caso:

"O presente relato de um hábito encontrado em três indivíduos de gera ções consecutivas tem especial interesse por ocorrer somente durante o sono, não podendo, portanto, ocorrer por imitação, mas sim naturalmente. Os dados são plenamente confiáveis, pois levantei-os em abundância e profundidade a partir de fontes independentes. A esposa de um cavalheiro com uma importan te posição descobriu que ele tinha o curioso cacoete de, quando dormindo pro fundamente, levantar o braço direito lentamente sobre o rosto até a testa, e en tão num espasmo deixá-lo cair com força sobre o nariz. O cacoete não se repetia todas as noites, mas às vezes, e independentemente de qualquer causa determinada. Algumas vezes era repetido por uma hora ou mais. O nariz desse cavalheiro era proeminente e com frequência ficava machucado pêlos golpes que recebia. Certa vez um ferimento mais grave foi produzido, que demorou para cicatrizar pela recorrência, noite após noite, dos golpes que o haviam pro vocado. Sua esposa teve de retirar o botão do punho de sua camisola, pois ele provocava fortes arranhões, e tentou-se uma maneira de amarrar seu braço.

"Muitos anos depois, seu filho casou-se com uma senhora que nada sabia desse incidente familiar. Ela, no entanto, observou a mesma peculiaridade em seu marido; mas seu nariz, por não ser particularmente proeminente, não so fria com os golpes. O cacoete não acontece quando está meio dormindo, co mo, por exemplo, quando cochila em sua poltrona, mas assim que ele dorme profundamente, os golpes podem começar. Acontece, como com seu pai, de maneira intermitente; às vezes cessando por muitas noites, outras repetindo-se durante uma parte de todas as noites. O gesto é feito, comon acontecia com seu pai, com o braço direito.

"Um de seus filhos, uma menina, herdou o mesmo cacoete. Ela o executa igualmente com o braço direito, mas de forma um pouco diferente; pois, depois de levantar o braço, não deixa o punho cair sobre seu nariz, mas mas a palma da mão meio fechada cai atingindo o nariz com razoável rapidez. Também é muito intermitente nessa criança, cessando por meses, mas por vezes repetindo-se sem parar" (p. 314).

Fonte:
Charles Darwin. “A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais”. Companhia das Letras. São Paulo, 2009.

Realmente impressiona toda esta obsessão de Darwin pela questão da hereditariedade. Lembrando que, na época, o assunto estava diretamente relacionado à questão de melhoria da "raça" humana.

Um dos argumentos utilizados pelos bajuladores de Darwin para justificar esta crença do naturalista, refere-se ao fato de que as leis da genética ainda eram desconhecidas na época. Sim, isso lá é verdade! Todavia, esses intelectuais servis esquecem-se que, mesmo após as idéias de Mendel terem sido aceitas pela comunidade científica, ainda assim a Eugenia de Galton e de Darwin continuou sob outras formas e cores. Infelizmente...

É isso!

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