Charles Darwin e o capitalismo inglês

Em seu artigo "O capitalismo é selvagem? (Ou: Por que celebrar Darwin?)", Maurício Abdalla, professor de filosofia das ciências da Universidade Federal do Espírito Santo, autor de "O princípio da cooperação" (Paulus) e "Iara e a Arca da Filosofia" (Mercuryo Jovem), entre outros), traz à tona uma questão deveras intrigante: o papel da Inglaterra na elaboração dos ideais de competição da teoria darwinista. Ao discorrer sobre a construção do sistema capitalista, escreve ele: "A Inglaterra teve especial destaque na alavanca desse sistema. Não é de se admirar que as teorias relacionadas a esse tipo de atividade predatória tenham surgido exatamente naquele país." A parti daí, o professor Abdalla faz menção de alguns nomes e de suas respectivas teorias, os quais sintetizam muito bem o lema evolucionista de "sobrevivência do mais apto".

1. THOMAS HOBBES:
"No século XVII, Thomas Hobbes atribuiu a dinâmica da realidade sob o capitalismo em ascensão a uma essência predatória do ser humano e afirmou que o “homem é o lobo do homem” (homo homini lupus) e que a sociedade é uma “guerra de todos contra todos” (bellum omnium contra omnes). A sistematização teórica da cosmovisão capitalista estava com suas bases lançadas. A metafísica social da era moderna estabelecia os fundamentos a partir dos quais toda a realidade seria concebida e justificada."

2. ADAM SMITH:
"Adam Smith transportou tal metafísica para a sistematização da teoria econômica liberal. Para ele, o interesse próprio, o egoísmo de cada indivíduo, era o que fazia a sociedade funcionar. A mão invisível do mercado era um conceito como a gravitação newtoniana, que entrava em ação quando corpos individuais se colocassem no campo de ação um do outro."

3. THOMAS MALTHUS:
"Ainda na Inglaterra, agora no auge do imperialismo do século XIX, Thomas Malthus defendeu que a vida em sociedade era, essencialmente, uma luta pela sobrevivência, dada a escassez de recursos em relação ao crescimento populacional. Herbert Spencer, em consonância com Malthus, pontificou que os vencedores da luta pela sobrevivência eram aqueles mais aptos, que superavam, por suas qualidades intrínsecas, as raças, classes e indivíduos inferiores e menos competentes." E conclui indagando:

"Luta pela sobrevivência e sobrevivência dos mais aptos são conceitos advindos da teoria social liberal, elaborada no auge do enriquecimento da elite colonialista inglesa e da exploração e empobrecimento das classes e povos julgados inferiores. O que fez Darwin, a quem se atribui equivocadamente a autoria destas idéias supondo que ele as teria descoberto no estudo da natureza?"

Não há dúvidas de que o fundamento que alavancou inicialmente o darwinismo foi de natureza ideológica, o que refletia a própria cultura expansionista e imperialista da Inglaterra naquele momento. Dessa forma, ao se opor à escravidão, Darwin não o fazia por um ideal humanístico, mas, pelo que tudo indica, apenas por ser esta a posição oficial de sua pátria amada. Lembrando que o fim do tráfico no Brasil deu-se por pressão dos ingleses, os quais visavam com isso aumentar seus lucros entre os tupiniquins: "As pressões inglesas para abolir o tráfico escravo agravaram a situação de escassez de trabalhadores nas fazendas de café. Em troca da intermediação da Inglaterra junto a Portugal para que este reconhecesse a Independência, o governo brasileiro comprometeu-se a extinguir o tráfico em 1831. Entretanto, o decreto regencial proibindo o comércio negreiro não foi respeitado. Em conseqüência, o Parlamento inglês votou o Bül Aberdeen (1845), que proibia o tráfico de escravos para o Brasil e autorizava a repressão aos infratores da lei inglesa. Em razão dos riscos criados pela repressão ao tráfico, elevou-se a tal ponto o preço do escravo que sua aquisição ficou inviabilizada para muitos fa­zendeiros. Mesmo assim, o comércio negreiro continuou de forma significativa até 1850.
A luta dos ingleses contra o tráfico de escravos não tinha qualquer caráter humani­tário. A Inglaterra preocupava-se primordial­mente em defender seus interesses econômicos, pois como nação industrial buscava am­pliar o mercado consumidor para seus pro­dutos.
Não foi por outra razão que a Inglaterra aboliu a escravidão em suas colônias do Ca­ribe. Porém, naquele momento, a produção agrícola realizada pelo negro livre revelou-se mais cara do que a feita em regime de es­cravidão, tornando os produtos caribenhos pouco competitivos no mercado internacional.

Assim, ao impor a extinção do tráfico de escravos para o Brasil e defender a adoção do trabalho livre, a Inglaterra estava preocu­pada não só em garantir mercados para seus produtos industriais como também em asse­gurar a competitividade dos produtos agríco­las de suas colônias. Portanto, a decretação do Bill Aberdeen em 1845 representou, na verdade, um poderoso instrumento de defesa da acumulação capitalista inglesa" (José Dantas: "História do Brasil". Editora Moderna, 1989. São Paulo, 134, 135).

O título inicial do famoso livro de Darwin ("
Sobre a Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural ou a Preservação de Raças Favorecidas na Luta pela Vida") sintetiza muito bem a premissa capitalista de soberania do "mais forte", refletindo a supremacia econômica dos ingleses e de seus interesses em "trazer café e levar Nescafé".

É isso!

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