A "luta" de Nietzsche e Darwin

O que diferencia o conceito de "luta" do filósofo alemão Nietzsche daquele defendido pelo naturalista inglês Charles Darwin? Há algum aspecto em que a filosofia darwinista possa ser associada à filosofia nietzschiana?

Bem. Segundo o estudioso das obras de Nietzsche,
Wilson Antonio Frezzatti Junior, é equivocada a ligação do darwinismo à filosofia nietzschiana. Em "Equívocos a respeito de Nietzsche: o darwinismo, a eugenia e a democracia pós-moderna", ele rechaça com veemência esta pretensa associação entre ambos os filósofos:

"O darwinismo foi associado também indevidamente, a nosso ver, à filosofia nietzschiana. Acreditamos que a análise dessa questão nos trará elementos que indicarão a relação entre sua filosofia e a democracia e a eugenia. Em outras palavras, a comparação das noções nietzschianas e darwinianas de luta mostrará com mais clareza as características do conflito nietzschiano. Dessa forma, indicaremos que a filosofia de Nietzsche não pode ser confundida nem com o darwinismo, nem com a eugenia e nem com a concepção pós-moderna de democracia". [...] "A identificação do pensamento nietzschiano com a teoria da evolução de Darwin, para nós, é um equívoco. A noção de luta assume grande importância, pois, além de ter sido usada para aproximar os pensamentos de Nietzsche e Darwin, esse conceito tem servido para colocar a filosofia nietzschiana como fundamento da democracia pós-moderna ou da ideologia nazista. Mostraremos que, ao contrário da luta pela existência de Darwin, a luta nietzschiana ocorre por uma tendência a superação e não para conservação."

No que diz respeito propriamente ao conceito de "luta pela existência",
Frezzatti cita o fragmento póstumo de Nietzsche, intitulado “Anti-Darwin”, com o qual o filósofo alemão constata não o progresso da espécie humana, mas a prosperidade da mediocridade: “Vejo todos os filósofos, vejo a ciência de joelhos ante a realidade de uma luta pela vida ao contrário, tal como ensina a escola de Darwin – ou seja aqueles que comprometem a vida, o valor da vida, [...] O erro da escola de Darwin é, para mim, um verdadeiro problema: como pode ser tão cego que não percebe isso?” ((Nietzsche, fragmento póstumo 14 [123] da primavera de 1888).

Daí indaga o autor
: afinal, por que Nietzsche, em dezenas de aforismos ou fragmentos póstumos, preocupa-se em apontar os “erros” de Darwin e sua escola? A qual problema o filósofo refere-se como “verdadeiro problema”? E responde: "A luta é uma noção central tanto no pensamento de Darwin como no de Nietzsche. Se, na teoria darwinista, a seleção natural é o mecanismo da evolução, a luta é o motor da seleção. O subtítulo do famoso A origem das espécies é A preservação das raças favorecidas na luta pela vida: a seleção natural, produtora de novas espécies, é resultado da luta pela sobrevivência. Na filosofia de Nietzsche, a luta sempre teve um papel destacado, aparecendo de modo diferente conforme o período considerado. Neste artigo, nos ateremos às concepções que aparecem na produção da maturidade do filósofo, pois é nesse período que se concentra a maioria de seus textos “Anti-Darwin”.

Ainda segundo
Frezzatti, "o filósofo alemão, portanto, não nega a luta, mas recusa que ela ocorra para a conservação da vida, pois “o ser vivo quer de preferência dar livre curso a sua força – ele o ‘quer’ e o ‘necessita’ (as duas expressões têm para mim o mesmo peso!): a conservação é apenas uma conseqüência. O que os seres vivos buscam é mais potência, o que faz com que a luta seja pelo “mais”, pelo “melhor”, pelo “mais rápido” e pela “maior freqüência”. Ainda que, tanto para Nietzsche quanto para Darwin, a vida esteja baseada na luta, isso ocorre de modos diferentes. Para Darwin, a luta pela existência segue-se inevitavelmente da alta taxa de crescimento dos seres vivos, o que causa a situação de penúria identificada por Nietzsche como exceção. O naturalista inglês aplica a teoria de Thomas Robert Malthus ao reino animal e vegetal: são produzidos muito mais indivíduos do que é possível sobreviver, o que certamente produz a luta pela vida, seja de um indivíduo contra outro da mesma espécie ou de espécie diferente, ou ainda contra as condições físicas da vida. Porém, adverte Nietzsche: “Não se deve confundir a natureza com Malthus”. O impulso vital, para o filósofo alemão, não busca persistência na vida, mas aspira à extensão de sua potência, pela qual chega a sacrificar a própria conservação – a luta pela conservação, ao contrário, é uma exceção, uma restrição provisória da vontade de viver." E, mais adiante, continuando sobre o conceito de luta em Nietzsche, conclui o pesquisador nietzschiano: "A noção nietzschiana de luta não fica restrita ao mundo orgânico: ela passa a ser o que constitui a própria realidade ou a efetividade. Tudo que ocorre no mundo, ocorre por um processo de enfrentamento entre forças que tentam se intensificar. O indivíduo e o sujeito não são unidades, mas passam a ser entendidos como ficção psicológica e gramatical. O que chamamos de indivíduo é a resultante de uma luta interna entre as menores partes do organismo - células, tecidos e órgãos".

Fonte:
Wilson Aantonio Frezzatti Junior. "Equívocos a respeito de Nietzsche:o darwinismo, a eugenia e a democracia pós-moderna".

É isso!

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