O século XIX e a naturalização das diferenças

Por: Eni de Mesquita Samara: *

"Sobretudo a partir de 1859, com a publicação de A origem das espécies, de Charles Darwin, colocava-se um ponto final na disputa entre monogenistas e poligenistas, além de se estabelecerem as bases para a afirmação de uma espécie de paradigma de época, com o estabelecimento do conceito de evolução. A novidade não estava tanto na tese anunciada, como no modo de explicação e na terminologia accessível utilizada pelo naturalista inglês. Dessa maneira, rapidamente, expressões como “sobrevivência do mais apto”, “ adaptação”, “luta pela sobrevivência” escapavam do terreno preciso da biologia e ganhavam espaço nas demais ciências.

No que se refere às humanidades, a penetração desse tipo de discurso
foi não só ligeira como vigorosa. Herbert Spencer, em Princípios de sociologia (1876), definia que o que valia para a vida servia para o homem e suas produções. O passo seguinte era determinar que, assim como a natureza, a sociedade era regida por leis rígidas e o progresso humano era único, linear e inquebrantável.

Paralelamente, tomava força a escola “evolucionista social”, que marcava, nesse contexto, os primórdios e o nascimento de uma disciplina chamada Antropologia. Representada por teóricos como Morgan (1877), Frazer e Tylor essa escola concebia o desenvolvimento humano a partir de etapas fixas e pré-determinadas e vinculava de maneira mecânica elementos culturais, tecnológicos e sociais. Dessa forma, tendo a tecnologia como índice fundamental de análise e comparação, para os evolucionistas, a humanidade aparecia representada tal qual uma imensa pirâmide – dividida em estágios distintos, que iam da selvageria para a barbárie e desta para a civilização –, na qual a Europa aparecia destacada no topo e povos como os Botocudos na base, a representar a infância de nossa civilização. Apresentando uma forma de saber comparativa, os evolucionistas sociais pareciam dialogar com seu contexto, enquanto imperialistas, como Cecil Rhodes, afirmavam que pretendiam tudo dominar – de países a planetas –, a utopia desses etnólogos sociais era tudo classificar.

Como dizíamos, a partir da afirmação de uma visão evolucionista tão majoritária, até no campo da religião e da filosofia as influências são evidentes. Esta é a época do positivismo francês de Auguste Comte, o qual pretendia uma subordinação da filosofia à ciência da imutabilidade. Com efeito, a partir dos três métodos de filosofar – teológico, metafísico e positivo – assumia-se que a humanidade evoluia de formas pré-determinadas de pensar, revelando-se, assim, uma clara correlação com as teorias hegemônicas da época.

No entanto, se por um lado é possível visualizar a afirmação do evolucionismo como um paradigma de época, de outro é necessário reiterar que essas escolas reafirmavam a noção iluminista da humanidade una e inquebrantável. Muito diferente eram, no entanto, as teorias que, seguindo as pistas de detração – deixadas por C. de Pauw e pelo conde Buffon –, passaram a utilizar a idéia da diferença entre os homens, dessa feita com a respeitabilidade de uma ciência positiva e determinista.

Longe de estar esgotada, a corrente poligenista tomava, nesse contexto, uma nova força. Autores como Gobineau e Le Bon19 recuperavam as máximas de Darwin, porém destacando que a antiguidade na formação das raças era tal que possibilitava estudá-las como uma realidade ontológica. Partindo da afirmação do caráter essencial das raças – o qual as fariam diferir assim como as espécies –, uma série de teóricos, mais conhecidos como “darwinistas sociais”, passam a qualificar a diferença e a transformá-la em objeto de estudo, em objeto de ciência" (p. 16-18).

* Fonte:
“RACISMO & RACISTAS: TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO RACISTA NO BRASIL”. Por: Eni de Mesquita Samara.
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS, 2001.

É isso!

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