As revoluções científicas, segundo Thomas Kuhn

"De acordo com Kuhn (2003, p. 20), alguns historiadores encontram dificuldades no exercício de suas funções, quando essas são a partir do conceito de desenvolvimento por acumulação. Kuhn afirma que a pesquisa histórica com base nesse conceito torna mais difícil a compreensão do assunto estudado e que talvez a ciência não se desenvolva pela acumulação de descobertas e invenções individuais (2003, p. 21). Assim, de acordo com Kuhn o conhecimento científico não cresce de modo cumulativo e contínuo. Ao contrário, esse crescimento é descontínuo e dá-se por saltos qualitativos, os quais não se podem justificar por critérios filosóficos do conhecimento científico. Esses saltos qualitativos, preconizados por Kuhn, ocorrem nos períodos de desenvolvimento científico, em que são questionados e postos em causa os princípios, as teorias, os conceitos básicos e as metodologias, que até então orientavam toda a investigação e toda a prática científica. Dessa forma, a importância atribuída por Kuhn aos fatores históricos na organização do trabalho científico constitui um rude golpe na imagem da ciência que se foi consolidando desde o século XVIII.

Kuhn não atribuiu o triunfo da ciência ao fato de ela seguir à risca uma metodologia de concordância ou de refutação, mas sim por ser conduzida sob a luz de um paradigma.

Kuhn (2003, p. 13) afirma que: “paradigmas são as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para comunidade de praticantes de uma ciência”.

O paradigma é tão aceito pela comunidade científica que, quando um cientista não chega aos resultados desejados, aceita-se, inicialmente, que o erro é do próprio cientista e não do paradigma. Dito de outra forma: há ciência tão somente onde o paradigma domina.

A vantagem de um paradigma é que ele concentra a pesquisa. Quando não há um paradigma, os investigadores acumulam pilhas diferentes de dados, quase ao acaso, e ficam todos ocupados demais em dar um sentido ao caos e em derrotar as teorias concorrentes para progredir de forma consistente.

Segundo Kuhn, os que trabalham dentro de um paradigma praticam aquilo que ele denomina de ciência normal. Assim ensina Kuhn (2003, p. 29), “ciência normal significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passadas”. Essas realizações são reconhecidas durante algum tempo por alguma comunidade científica específica e, posteriormente,
proporcionam os fundamentos para sua atividade.

Uma das características da ciência normal é o acriticismo, isto é, a ausência de questionamento dos princípios do paradigma, o que não ocorreria no período que ele denomina de pré-ciência. Este seria um período que antecede a ciência normal. Nesse período, a ciência desenvolve-se de forma fragmentada, e falta o consenso entre os cientistas que estão trabalhando nas pesquisas. Esse consenso é fundamental para Kuhn. Por exemplo, vários grupos de pesquisadores trabalham sério e individualmente num determinado problema. Porém, cada um dirige suas pesquisas a seu modo, não seguindo um método e, assim, não há acordo metodológico entre eles.

Para Kuhn é indiferente o fato de eles não se entenderem, o que chama a atenção é a constatação dos pesquisadores não terem um critério comum, pois, se os cientistas se reunissem, para reforçar uma pesquisa, com certeza o trabalho seria fortalecido, tornando-se mais produtivo. Já, na ciência normal, o que prevalece é a não-percepção de novos fenômenos e o desinteresse pela invenção de novas teorias.

Kuhn (2003, p. 44) afirma:

A ciência normal não tem como objetivo trazer à tona novas espécies de fenômeno; na verdade, aqueles que não se ajustam aos limites do paradigma freqüentemente nem são vistos. Os cientistas também não estão constantemente procurando inventar novas teorias, freqüentemente mostram-se intolerantes com aquelas inventadas por outros.

A ciência em estágio normal é aquela que vige uma estabilidade de certos princípios, ou seja, em um período em que não se colocam em jogo alguns preceitos, como as teorias que se es tão desenvolvendo satisfatoriamente. Por exemplo, a genética molecular, atualmente, está sendo satisfatória para a resolução de muitos problemas relacionados à hereditariedade. Ora, se a genética molecular está funcionando muito bem, não há motivo, segundo Kuhn, para pesquisadores buscarem novos preceitos, ou seja, mudar o que está sendo aceito, a não ser que
haja um substituto melhor.

Então, durante o período da ciência normal, os cientistas fazem suas pesquisas orientados pelos paradigmas aceitos. Parte de seu trabalho resume-se em levantar novos problemas e tentar solucioná-los de modo semelhante àquele encontrado no paradigma ao qual a sociedade adere. Como os problemas estão sendo resolvidos dentro de um paradigma, os cientistas acabam não se
interessando por desenvolver outro.

Pode-se dizer que o paradigma é limitado e, com isso, limita concentrar a pesquisa. A desvantagem do paradigma é que, por ele ter a tendência de ser rígido, fechado, novos avanços científicos tornam-se cada vez mais secretos e acessíveis apenas a quem os consegue praticar. Sendo assim, as pesquisas, potencialmente frutíferas, emperram, pois não caminham embasadas em premissas aceitas. Visto dessa forma, o paradigma é um tipo de obstrução, porquanto, se de
um lado possibilita descobertas, levando à compreensão de outras coisas, de outro cerceia e ignora completamente outras.

Latour (1998, p.14), por exemplo, utiliza a expressão “caixa preta” para definir os problemas encontrados nas pesquisas científicas. Segundo o autor, não há necessidade de saber o que está contido numa “caixa preta” e sim o que nela entra e o que dela sai.

Atualmente, qualquer máquina ou livro contém o modelo pronto da estrutura do DNA. Assim, o modelo da dupla hélice de Watson e Crick pode ser considerado a “caixa preta” para um pesquisador que queira desenvolver qualquer trabalho com os ácidos nucléicos.

Ele não irá importar-se, seja qual for a posição na qual os fosfatos estarão mais bem localizados, visto que é a partir do modelo definido e aceito do DNA que ele desenvolverá suas pesquisas, situação que foi muito diferente para Watson e Crick, pois, na época, esses pesquisadores encontraram inúmeras dificuldades para chegar à conclusão de que a estrutura do DNA é uma dupla hélice. Lembramos ainda que naquela época outros grupos de pesquisadores estavam tentando desvendar esse mistério.

Alguns pesquisadores como os do grupo de Rosalind Franklin afirmavam que havia uma hélice de três fitas. Quando o químico Pauling revelou uma estrutura do DNA que infr ingia todas as leis conhecidas da Química, Watson e Crick receberam ordens de desistir desse trabalho, por ser considerado infrutuoso e que era para retornarem aos estudos mais sérios. Como podemos perceber, são muitas as dificuldades para se chegar a uma conclusão aceita por uma comunidade
científica.

Aos nossos olhos, é fácil abrir qualquer livro e deparar com o modelo da dupla hélice pronta. Porém, em 1953, Watson e Crick tiveram muitas dificuldades para definir a estrutura do DNA. A partir dos dizeres de Latour, podemos concluir que a desvantagem do paradigma está associada ao desenvolvimento da pesquisa, já que, por ser considerado fechado, rígido, o paradigma dificulta a abertura de novos caminhos para a realização de novas descobertas. Assim, os cientistas tornam-se tolhidos, pois a adesão ao paradigma vigente é tão forte que as pesquisas giram somente em torno do paradigma aceito, a não ser que ele não esteja dando conta de resolver todos os problemas existentes nas comunidades científicas.

Diante do exposto, Kuhn (2003, p. 45) assevera:

As áreas investigadas pela ciência normal são certamente minúsculas; ela restringe drasticamente a visão do cientista. Mas essas restrições, nascidas da confiança no paradigma, revelaram-se essenciais para o desenvolvimento da ciência. Ao concentrar a atenção numa faixa de problemas relativamente esotéricos, o paradigma força os cientistas a investigar alguma parcela da natureza com uma profundidade e de uma maneira tão detalhada que de outro modo seria inimaginável.

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É isso!

Fonte
:
CECÍLIA HELENA VECHIATTO DOS SANTOS: "HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE BIOLOGIA DO ENSINO MÉDIO: ANÁLISE DO CONTEÚDO SOBRE A ORIGEM DA VIDA". (Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática, da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Marcos Rodrigues da Silva. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA. Londrina, 2006.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.

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