Os Hospitais: da antiga Grécia ao mundo Medieval

"Vejamos inicialmente como o hospital se organizava no mundo greco-romano. Antunes (1991), analisando este contexto, afirma que diversos templos foram erguidos em homenagem ao deus da medicina, identificado na Grécia com o nome de Asclépio e em Roma como Esculápio. Esses templos eram freqüentados não só por doentes como também por peregrinos, que buscavam a terapêutica do rito do sono sagrado. Este rito consistia na idéia de que ao adormecer os freqüentadores do templo receberiam, através de entidades, curas milagrosas ou indicações de procedimentos para a recuperação da saúde. Não havia, até aquele momento, o domínio do que hoje se convencionou chamar de ciência, nem mesmo a médica.

Além disso, a prática médica da Grécia Antiga era itinerante. Havia poucos médicos, e estes, em geral, ofereciam seus serviços de porta em porta (Rosen, 1994).

O auge do culto a Asclepius foi no século III a.C. Nessa época, os tratamentos curativos, medicamentosos e cirúrgicos eram feitos por sacerdotes, entendidos como mediadores da ação divina. Apesar das distinções assinaladas acima, Antunes (1991) identifica algumas semelhanças entre as instituições de saúde da Grécia Antiga e os hospitais contemporâneos. Ambos reservam o monopólio de tratamento a uma classe de profissionais, incentivam a postura passiva dos doentes e impõe o hábito do registro formal dos procedimentos terapeuticamente bem sucedidos, como os medicamentosos.

Os médicos gregos passaram a migrar para Roma e, aos poucos, foram ganhando prestígio. No Império Romano, entre I a.C. e I d.C., surgiram organizações especificamente médicas, devido a motivos de ordem econômica e militar. Esses hospitais cristãos, chamados Valetudinaria, substituíram os templos gregos dedicados a Asclepius. De acordo com Antunes (1991), os Valetudinaria tinham a função de abrigar e tratar os doentes com o intuito de reaproveitá-los para guerras. A maioria da população, no entanto, continuava tratando seus doentes em casa. Para Rosen (1994), esses hospitais romanos deram origem aos hospitais medievais voltados para pobres e indigentes.

As características do hospital no mundo greco-romano podem ser resumidas através dos referenciais de análise inicialmente propostos. Primeiramente, como pôde ser observado, a função dos hospitais no mundo greco-romano tinha um papel amplo, englobando tanto ações terapêuticas para a recuperação da saúde como o simples repouso de viajantes. A clientela abarcava tanto pessoas doentes quanto sadias. O lugar do médico era pouco significativo, pois a cura não estava essencialmente ligada à sua atuação. O entendimento da cura, visto como a ação divina intermediada pelos
sacerdotes, influenciava, por sua vez, a organização do trabalho hospitalar. Nesta, o sacerdote tinha uma posição de destaque, sendo creditado ao médico um papel secundário. E, finalmente, a técnica estava ligada mais a procedimentos religiosos do que médicos.

Analisaremos, a seguir, as transformações hospitalares ocorridas no período medieval (século V a XV).

Devido a forte influência do cristianismo nessa época, acreditava-se que a ajuda oferecida às pessoas menos favorecidas era sinônimo de caridade e salvação das almas dos cuidadores. Nesse contexto, o hospital medieval foi se constituindo como uma instituição essencialmente eclesiástica, cuja função era dar assistência social, e não necessariamente médica. Seus freqüentadores eram não só doentes como também indigentes, loucos, inválidos, prostitutas e até mesmo viajantes que estavam de passagem pela cidade (Foucault, 1979).

Nesses hospitais, toda a equipe de cuidados residia na instituição, inclusive os médicos. Embora os médicos estivessem sempre presentes, a administração hospitalar era feita por padres. Dessa maneira, a influência religiosa nos cuidados dos enfermos era reforçada.

Além dos hospitais religiosos, outras instituições foram construídas com um caráter distinto, sendo organizadas de acordo com seu tipo de clientela. Neste caso, podem ser incluídas a Xenodochia (casas que abrigavam estrangeiros e peregrinos), a Gerocome (que cuidavam de pessoas com idade avançada) e a Orphanotrophia (lugares destinados especificamente para órfãos), entre outros (Rosen, 1963).

Com o crescimento das cidades e fortalecimento progressivo da burguesia, foi ocorrendo uma gradual diminuição dos poderes da Igreja sobre o hospital. Muitas casas de saúde passaram a ser fundadas por bem-feitores, como reis, lordes nobres e autoridades municipais (Rosen, 1963). No final da Idade Média, os hospitais passaram a ser dirigidos pela administração pública. Isso significou uma diminuição de responsabilidade administrativa do pessoal religioso mas não sua completa extinção.

De acordo com Foucault (1979), a Idade Média marcou o início da associação entre a profissão médica e o hospital, embora ainda fossem independentes. O hospital passou a admitir cada vez mais médicos, mas ainda não era sinônimo de medicina.

Segundo Foucault (1979), o início dessa estreita ligação aconteceu somente no século XVIII, conforme será visto mais adiante.

“O hospital que funcionava na Europa desde a Idade Média não era, de modo algum, um meio de cura, não era concebido para curar. Houve, de fato, na história dos cuidados no Ocidente, duas série não superpostas; encontravam-se às vezes, mas eram fundamentalmente distintas: as séries médica e hospitalar. O hospital como instituição importante e mesmo essencial para a vida urbana do Ocidente, desde a Idade Média, não é uma instituição médica, e a medicina é, nesta época, uma prática não hospitalar”. (Foucault, 1979, p. 101)

A tarefa do médico, na época, era observar o doente e os primeiros sinais da doença e prever quando a crise apareceria (Foucault, 2001). O hospital, nesse sentido, em nada contribuía para a prática médica, pois não havia nenhum tipo de sistematização dos dados e procedimentos, ou mesmo uma clientela definida.

Assim, pode-se concluir que a função do hospital medieval europeu era prestar assistência, principalmente espiritual, aos pobres e separar os indivíduos tidos como perigosos (loucos, prostitutas e doentes) da população considerada sadia. O médico não era figura central da instituição, uma vez que a própria prática médica não permitia o desenvolvimento de um saber hospitalar. A organização do trabalho, assim como no mundo greco-romano, incluía a ação sacerdotal, influenciando a ação do médico. A técnica utilizada no hospital consistia, principalmente, no isolamento do doente ou na simples espera de sua morte. E, finalmente, no que se refere à clientela, esta englobava uma enorme categoria de pessoas consideradas desviantes, ou seja, todas aquelas que de alguma maneira fugiam da ordem física e moral do período. Analisaremos, a seguir, as transformações que ocorreram nos hospitais entre os séculos XVI e XIX."

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É isso!

Fonte:
FERNANDA MARTINS PEREIRA: “A Inserção do Psicólogo no Hospital Geral: A construção de uma nova especialidade”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História das Ciências da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em História das Ciências. Área de Concentração: História das Ciências da Saúde. Orientador: Prof. Dr. André de Faria Pereira Neto). CASA DE OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Rio de Janeiro 2003.

Nota
:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.

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