Lakatos e a metodologia dos programas de pesquisa

"A partir da leitura de Popper, Lakatos propõe que existem três tipos de falseacionismo:
A) o falseacionismo dogmático ou naturalista;
B) o falseacionismo metodológico conservador ou ingênuo;
C) o falseacionismo sofisticado ou metodológico.

Para o falseacionismo dogmático, embora haja uma base empírica infalível, todas as teorias são falíveis e meramente conjeturais: é que essa base empírica não pode ser transmitida às teorias, e a ciência não pode provar qualquer teoria, apenas refutá-la. Essa refutação tem caráter de certeza lógica completa, quer dizer, existe uma base empírica de fatos absolutamente firme “a partir da qual a falsidade provada pode ser transferida, pela lógica dedutiva, à teoria que está sendo testada” (LAKATOS, 1979, p. 118). Assim, a ciência cresce mediante o repetido derrubamento das teorias com a ajuda de fatos concretos, com o homem propondo hipóteses explicativas e a natureza dispondo sobre sua verdade ou falsidade (descoberta da harmonização ou não com o fato observado). Supõe-se, para isso: que haja uma fronteira psicológica natural entre proposições teóricas (especulativas) de um lado e proposições factuais (observacionais) de outro; que, se a suposição for factual, ela é verdadeira; que há um critério de demarcação pelo qual uma teoria será científica se tiver uma base empírica. (LAKATOS, 1979, p.115-8).

Lakatos entende o falseacionismo dogmático como insustentável, pois: não há sensações não impregnadas de expectativas, não havendo, assim, fronteira natural entre proposições observacionais e teóricas; proposições somente derivam de outras proposições, não de fatos, não se podendo provar afirmações com experiências, e, assim, não existe demarcação entre teorias fracas e base empírica forte, sendo todas as proposições científicas teórica e incuravelmente falíveis; o critério de demarcação é inviável e leva ao mais completo ceticismo, já que nenhum número finito de observações pode refutar conclusivamente uma teoria, quer lógica quer empiricamente, e, se este fosse o critério então todas as teorias da história da ciência seriam metafísicas e irracionais.

Já o falseacionismo metodológico consiste na compreensão de que, ao utilizar-se de técnicas experimentais, o cientista tem envolvidas teorias falíveis, à luz das quais ele interpreta os fatos. Apesar dessa falibilidade, ele as aplica no contexto dado, “não como teorias que estão sendo testadas, mas como conhecimento não problemático de fundo que nós aceitamos (tentativamente)
como não problemático enquanto testamos a teoria” (LAKATOS, 1979, p. 129). Estas teorias são convencionalmente aceitas, institucionalizadas e endossadas pela comunidade científica; é como se esta fornecesse uma “lista” de falseadores aceitos. Assim, o falseacionista metodológico separa a rejeição da refutação que o falseacionista dogmático havia fundido e propõe um novo critério demarcacionista: científicas são as teorias – proposições não observacionais – que proíbem certos estados de coisas observáveis e, com isso, podem ser falseadas ou rejeitadas. Assim, mantém-se a base empírica, mas, de forma mais liberal que o critério dogmático, contempla-se a crítica e muito mais teorias podem ser qualificadas de científicas. Lakatos resume:

O falseacionista metodológico oferece uma solução interessante ao problema de combinar a crítica vigorosa com o falibilismo. Não só oferece uma base filosófica para o falseamento depois que o
falibilismo puxou o tapete debaixo dos pés do falseacionista dogmático, mas também amplia de modo considerável a extensão dessa crítica. Colocando o falseamento nu m cenário novo, salva o atraente código de honra do falseacionista dogmático: que a honestidade científica consiste em especificar, de antemão, uma experiência de tal ordem que, se o resultado contradisser a teoria, esta terá de ser abandonada. (LAKATOS, 1979, p. 136).

Acontece que, frente à história da ciência, isso soa como ingenuidade: alguns falseamentos célebres foram irracionais ou diferentes das condições acima expostas. Diante dessa situação, há duas possibilidades segundo Lakatos, quais sejam, a explicação em termos de paradigmas e psicologia social, como faz Kuhn, ou reduzir o elemento convencional do falseacionismo, sofisticando-o por meio de um novo fundamento (não mais o modo tollendo tollens como critério de refutação de um programa, mas o programa é avaliado por sua capacidade heurística) e salvando a metodologia e a idéia de progresso. Esse último é, pois, o caminho adotado por Lakatos, o do falseacionismo metodológico sofisticado. Se, para o falseacionista ingênuo qualquer teoria experimentavelmente falseável é científica, para o sofisticado esta cientificidade somente ocorre se houver um excesso de conteúdo empírico corroborativo em relação à sua rival, com a descoberta de fatos novos e série de teorias (programas) com maior força heurística.

Contrariando o falseacionismo ingênuo, nenhuma experiência, nenhum relato experimental, nenhum enunciado de observação ou hipótese falseadora de baixo nível bem corroborada pode levar sozinha ao falseamento. Não há falseamento antes da emergência de uma teoria melhor.
(LAKATOS, 1979, p. 146).

Acontece que, com isso, o conceito de teoria é substituído pelo de série de teorias. “É uma sucessão de teorias e não uma teoria determinada que se avalia como científica ou pseudocientífica” (LAKATOS, 1979, p. 161), e os elementos dessa série são ligados por uma continuidade que os amarra em um programa de pesquisa. Essa continuidade é fundamental na história da ciência, e somente através de uma metodologia dos programas de pesquisa é que se pode falar satisfatoriamente em lógica da descoberta de fatos novos.

Assim, para concluir esta análise de Lakatos, pode-se afirmar que ele move-se na atmosfera do falseacionismo de Popper, a quem, ora qualifica de ingênuo já que se baseia na crença de uma base empírica infalível e de uma refutação conclusiva, ora de sofisticado, por lhe atribuir o reconhecimento da impossibilidade de uma refutação conclusiva. Ainda, para Lakatos, Popper é
também insatisfatório porque entende o desenvolvimento da ciência como uma série de duelos sucessivos entre teorias e fatos, quando, na verdade, tal competição se dá entre séries de teorias.

Dessa forma, Lakatos concebeu um falseacionismo metodológico sofisticado, caracterizado pela idéia de programas de pesquisa. Ele propõe que a ciência é, foi e deveria ser uma competição entre programas de pesquisa rivais. Um programa de pesquisa é uma sucessão de teorias que se desenvolve a partir de um núcleo central, que, por decisão metodológica, mantém-se infalseável. Um programa será progressivo se for pelo menos capaz de propor problemas novos. Se for capaz de predizer com sucesso fatos novos, essa será inequívoca mostra de que conduz ao progresso."

---
É isso!

Fonte:
Carlos Gustavo Wolff Neto: “INCOMENSURABILIDADE SEM PARADIGMAS: A REVOLUÇÃO EPISTEMOLÓGICA DE THOMAS KUHN”. ( Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos – como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Filosofia. Área de concentração:Filosofia da ciência Orientadora: Professora Doutora Anna Carolina Krebs Pereira Regner). UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS. São Leopoldo, 2007.


Nota
:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.

Um comentário:

  1. Muito bom o texto! Ajudou bastante.
    No final você poderia falar também da categoria de programa degenerativo, para deixar o artigo mais completo.

    ResponderExcluir

Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!