As marcas pré-construídas em publicidades femininas

“Não posso me eximir de destacar algumas marcas identitárias e estereótipos comumente presentes nas publicidades. A sociedade está repleta de estereótipos que marcam as mulheres, destacando, muitas vezes, identidades que não acompanham as inovações trazidas pela modernidade ou não condizem com as mesmas, embora esses estereótipos reflitam e, ao mesmo tempo, influenciem o comportamento dos diversos grupos sociais. De acordo com Hall, “a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato (...). Ela permanece sempre incompleta, está sempre em ‘processo’, sempre ‘sendo formada’” (2006, p. 38).

Os anúncios publicitários que circulam na esfera midiática apresentam diversas marcas que podem ser consideradas como representações identitárias. É preciso atentar para mobilidade da identidade do “sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa” (HALL, 2006, p. 12). Ela está constantemente em transformação, sendo construída e desconstruída:

O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas (...). A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente
(HALL,2006, p. 13).

Há que se acrescentar que a identidade está sendo afetada, ou deslocada, pelo fenômeno da globalização. No caso da mulher, suas várias identidades são atravessadas umas pelas outras a todo instante – mulher, mãe, dona de casa, profissional, bonita, sensível, compreensiva, sexy, lutadora, frágil, (in)dependente. Eis algumas, entre tantas, das classificações identitárias que se aplicam sobre a mulher, levando-as, em muitos momentos, a entrar em conflito.

A própria representação cultural e social interfere nas múltiplas identidades que são assumidas, negadas ou, até mesmo, reivindicadas em diferentes situações que envolvem o nosso cotidiano. Pensando assim, é possível supor que as interações humanas, a partir do conceito de dialogismo proposto por Bakhtin (2003), estão ligadas diretamente ao dinamismo e à transformação social. E mais, que esta transformação tem reflexo nos indivíduos e na linguagem, influenciando no seu modo de vida. Todos possuímos múltiplas identidades, e as assumimos de acordo com as diversas situações que se apresentam no cotidiano.

Ainda é comum a imagem da mulher sensual, com uma lingerie sexy, que desperta desejos, não se esquecendo também daquela que busca manter a forma a qualquer custo, forte alvo da mídia, que divulga os milagrosos produtos responsáveis pela beleza escultural dos corpos femininos. Há que se destacar a fantástica profissional que desponta no mundo dos negócios. Como se pode ver, há múltiplas identidades a serem mencionadas, e todas elas poderiam estar presentes em uma única mulher.

A partir dessas questões, entendo que a identidade da mulher, representada em anúncios publicitários, aparece como um entrecruzar de discursos no processo de formação da identidade feminina. Em alguns momentos, esta imagem é colocada como objeto, chegando a ser um atrativo para o consumo de determinados serviços e produtos.

Nesse sentido, concordo com o pressuposto de que essa massificação a partir da imagem feminina não pode deixar de ser contestada. É preciso que se avaliem esses estereótipos que envolvem a imagem feminina e se perceba que, embora, em muitos casos, traga influências positivas no comportamento dos diversos grupos sociais, na maioria das vezes traz influências negativas.

Segundo Coracini, a mulher sofre com o forte discurso sexista que ainda circula na sociedade. São vistas como o sexo frágil, dependente, sensível. Na verdade, ainda hoje, apesar de toda a modernidade, a mulher enfrenta vários discursos preconceituosos que a colocam como submissa e/ou subordinada ao homem, tanto nas questões emocionais, como nas profissionais e sociais. De acordo com a autora, “como mulheres, temos sido massa de manobra daqueles que detêm o poder – econômico e/ou político” (CORACINI, 2007, p. 89).

Em seu estudo, enfatizando a mulher brasileira e analisando as mudanças de comportamento em relação aos discursos da mulher e sobre a mulher, discursos estes situados em diferentes espaços e tempos, Coracini ressalta as características que, desde um passado recente até os dias de hoje, continuam a formar estereótipos entre as mulheres. É difícil entender, a partir dos fatos demonstrados em seu texto, como, em tempos tão avançados, a sociedade e a própria mulher, sem questionamentos, ainda estão sujeitas a ideias ‘ultrapassadas’. Diante desses acontecimentos, não há como deixar de compartilhar com a posição da autora:

Construir um mundo em que a diferença seja respeitada, não apenas entre os sexos, mas também entre as raças, as culturas, os grupos sociais, os indivíduos... Mas creio estar sonhando... Sonhando, porque não é possível recriar o mundo; as vozes que nos constituem e que constituem nosso discurso não vão nunca se calar completamente: eles estarão sempre aí, embora inevitavelmente transformadas. Que seja! Mas que, ao menos, nossa voz se faça ouvir em meio a outras, que o discurso da e sobre a mulher não seja mais a reprodução de um discurso sexista que eleva as capacidades do homem em detrimento da mulher. Construir nosso próprio discurso, parece, é o desafio das novas gerações de mulheres. A questão, na minha opinião, é mudar a mulher e mudar o homem, mudar o discurso da mulher, para que o discurso sobre a mulher possa também se transformar e trazer mudanças reais para a sociedade. E isso para que possamos nos identificar com outras mulheres como mulheres e construir o mundo com os homens e não atrás deles ou ao lado deles
(CORACINI, 2007, p. 95).

É visível na sociedade contemporânea a necessidade de deslocamento da identidade feminina, de construção, ou de transformação de identidades que carece de questionamento, reflexão e até mesmo crítica. De acordo com Hall, a “‘crise de identidade’ é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social” (Hall, 2006, p. 7). A interferência dos meios de comunicação, nesta “crise de identidade”, deve ser amplamente discutida nas áreas do saber, já que a mídia pode estar diretamente relacionada com a formação da identidade dos indivíduos, principalmente, se pensarmos no poder que o meio midiático exerce sobre as relações sociais.

Pode-se afirmar, com base em Hall (2006) e Moita Lopes (2002), que as identidades estão sendo deslocadas ou fragmentadas. Assim sendo, é importante definir qual é a participação da mídia nestes acontecimentos, já que ela é propulsora de discursos na sociedade contemporânea e, obviamente, formadora de opinião. Segundo Hall:

Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem “flutuar livremente”. Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha. Foi a difusão do consumismo, seja como realidade, seja como sonho, que contribuiu pra esse efeito de “supermercado cultural
” (HALL, 2006, p. 75).

É relevante destacar que, em nossa sociedade, hoje dita de consumo, a publicidade busca transformar o indivíduo em um consumidor em potencial, vislumbrando-o com um mundo perfeito. É evidente a relação de poder e dominação midiática presente na sociedade contemporânea, impondo ‘verdades’ e provocando a formação de novas identidades.

Considerando o anúncio publicitário como um gênero discursivo, pretendo analisá-lo dentro do recorte da teoria da enunciação. Gostaria de enfatizar que todas as considerações, apresentadas neste capítulo orientaram-me na compreensão dos conceitos de publicidade e identidade, enriquecendo este estudo.”

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É isso!


Fonte:
LUCILA CARNEIRO GUADELUPE: “O QUE DIZEM AS PUBLICIDADES SOBRE A MULHER: ADEQUAÇÕES E INADEQUAÇÕES DE GÊNEROS”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras, Área de Concentração Estudos da Linguagem, Subárea Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Estrangeira/Espanhol, do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre. ORIENTADORA: PROFª DRª Marcia Paraquett). Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2009.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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