Incidentes de discriminação racial

A condição de gênero e o racismo institucional

"No trabalho de análise de notícias de jornal, o autor Hasenbalg (1979) examinou um conjunto de notícias sobre incidentes de discriminação racial, acontecidos no período de 12/09/1968 a 06/09/1977, destacando que não foi um levantamento extensivo sobre situações, mas uma fração do que acontece no quotidiano. Naquelas situações que conseguiram merecer um registro por parte da imprensa no período escolhido pelo autor, estavam vigendo a Constituição de 1967, art. 150, parágrafo 1º, e a de Lei Afonso Arinos. A partir desse banco de dados, Hasenbalg (1979) propôs uma classificação dos tipos de incidentes de discriminação racial que ganharam notoriedade pública através da imprensa:

Incidentes de discriminação racial selecionados do noticiário
RJ, RS, PE, BA, SP,MG, CE, SC, PR, AL e DF, 1968 a 1977

A análise de notícias de discriminação racial veiculadas na imprensa escrita durante o período de 1968 a 1988 é uma amostra reveladora do que sofre o negro no seu quotidiano, condicionando o seu comportamento às mais variadas situações de discriminação racial. Os dados são limitados, pois a imprensa cobre uma parcela muito pequena de fatos dessa natureza que ocorrem na realidade.

A primeira constatação é a diversidade de situações que se apresentam como espaços públicos exclusivos para brancos que, independentemente de as pessoas pertencerem à mesma classe social, são impedidas de ingressar em clubes, bares, restaurantes. As pessoas são submetidas a uma violência simbólica de consequências graves e marcantes em suas vidas. É difícil especular sobre o que acontece na vida das pessoas que passam por tais constrangimentos e humilhações. Na maioria das vezes, vem acompanhada de expressões verbais, utilizadas abundantemente, no senso comum, que não deixam dúvidas quanto aosentido da racialização que comanda a exclusão: preto aqui não entra; gente de cor aqui não tem vez; negra vagabunda; preto não vale mesmo, nada; mulher preta só pode ser doméstica ou vagabunda; se esta negra entrar aqui eu saio; e negra suja. Muitas vezes, é empregada a violência física para expulsar as pessoas, e recorre-se até ao assassinato para acabar com namoros inter-raciais.

Por sua vez, a mulher negra é uma vítima recorrente e em destaque, que tem no estereótipo de empregada doméstica uma marca que a coloca em uma situação de inferioridade ocupacional, ainda sem direitos básicos – como o de ir e vir, de consumir, de contrair matrimônio – e direitos trabalhistas, como qualquer outro trabalhador.

Associadas às práticas de racismo institucional há outras manifestações, como racismo cultural, que é um conceito utilizado por Gonzalez (1984), que se traduz pela prática das classes dominantes com representações mentais e sociais da discriminação racial que se reproduzem de diferentes maneiras, e acaba sendo naturalizado, como, por exemplo, o papel subalterno destinado às mulheres negras. É um processo de internalização da vítima de discriminação, que aceita a humilhação, a subordinação e a dependência, por falta de opção e um processo de reforço diário de sua condição. O que incomoda Gonzales é a cegueira com que as patroas são privilegiadas nessa relação com as empregadas domésticas negras, que negam o racismo e a discriminação.

A falta de perspectiva quanto à possibilidade de novas alternativas faz com que a mulher negra se volte para a prestação de serviços domésticos, o que a coloca em uma situação de sujeição e de dependência das famílias brancas. A empregada doméstica tem sofrido um processo de reforço quanto internalização da diferen a, da “inferioridade” e da subordinação. No entanto, foi quem possibilitou e ainda possibilita a emancipação econômica e cultural da patroa, como denuncia a situação de dupla jornada (Gonzalez, 1984).

Há uma neutralização da questão da discriminação racial. As representações sociais manipuladas pelo racismo cultural são internalizadas pelo discriminado, que não se apercebe de que, no seu próprio discurso, estão presentes os velhos mecanismos do ideal de branqueamento, do mito da democracia racial e de negação do racismo.

Estes dados apresentados nas pesquisas de Hasenbalg (1979) e Guimarães (1997), quando analisados à luz das violações dos Direitos Humanos, reafirmam a força do mito da democracia racial e a consciência de que ser branco apresenta um aspecto vantajoso, em um quadro assimétrico das relações raciais, em que a desigualdade racial acaba favorecendo um dos lados.

O que se percebe é que, embora se reconheça a existência da discriminação racial, é um crime perfeito que nunca deixa testemunhas, só vítimas. Se ao negro é dada toda a responsabilidade pela sua situação, a ele cabe quase que exclusivamente a responsabilidade pela saída dessa situação.”


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Fonte:
Ivair Augusto Alves dos Santos: “DIREITOS HUMANOS E AS PRÁTICAS DE RACISMO: O QUE FAREMOS COM OS BRANCOS RACISTAS?” (Tese apresentada ao Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília – UnB, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor. Orientadora: Profª. Drª. Lourdes Bandeira). da Universidade de Brasília – UnB. Brasília, de 2009.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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