“Após conhecer as conclusões de seu primo Charles Darwin, expostas em A origem das espécies, o naturalista inglês Francis Galton realizou estudos cujas influências vieram a estender-se século XX adentro. Dando origem a uma nova e controvertida área do saber, a eugenia, Galton afirmou seu intento de trabalhar pela melhoria física, mental e moral da raça humana, ou seja, pela regeneração racial do homem.
Em suas origens, o desenvolvimento da eugenia significou a transposição para a sociedade das hipóteses de Charles Darwin a respeito da evolução biológica. Tanto quanto Darwin, Galton acreditava na tendência à perfeição entre todas as raças humanas. Ou seja, esperava que todos os povos fossem capazes de alcançar os níveis de civilização verificados entre os povos “mais avançados”, por ele indicados como sendo os da Europa Ocidental. Galton, assim como tantos outros pensadores europeus do período, percebiam-na como o mais perfeito, senão o único, modelo de civilização.
Contudo, supunha que seria absolutamente inadmissível que o homem simplesmente se limitasse a esperar que a seleção natural ou a educação realizassem tal obra grandiosa. Pensando assim, argumentava que caberia aos cientistas desenvolverem mecanismos que acelerassem o melhoramento racial humano, de forma similar à seleção artificial dos animais domesticados.
Esses mecanismos se resumiriam na eugenia, um conjunto de leis e métodos estatísticos que favoreceriam a reprodução dos melhores indivíduos – uma seleta elite eugênica -, impedindo ainda a reprodução dos representantes das raças inferiores, ou menos aptos. Tais indivíduos superiores, os quais se acreditava dotados de superiores qualidades, seriam os únicos aptos a construírem sociedades verdadeiramente civilizadas e a realizarem os mais altos objetivos imagináveis para o gênero humano.
Com essas medidas, Galton esperava reverter os efeitos de um equívoco que dizia verificar-se nas sociedades civilizadas. Segundo suas conclusões, ao diminuir o rigor das leis naturais de seleção, a civilização estaria permitindo a sobrevivência também dos seres humanos menos aptos, os quais teriam perecido em outras épocas.
Ora, enquanto pesquisas como as de Darwin e Mendel visavam dar explicações sobre a hereditariedade das demais espécies animais e vegetais, Galton já pensava nessa problemática relativamente ao homem. E, segundo proposições suas, no caso humano a hereditariedade se encarregaria de levar adiante, por intermédio da descendência, não apenas as características físicas, facilmente perceptíveis, tais como a cor dos cabelos, da pele, dos olhos, mas também as qualidades mentais, intelectuais, morais, emocionais, criativas.
Por conta disso, Edwin Black resume:
A eugenia era um método protocientífico em busca de dados que o justificassem como ciência. Galton havia descrito o homem eugenicamente bem nascido como uma tendência científica, e procurou desesperadamente quantificar o processo biológico. Afinal, se pudesse ter avançado da mera descoberta de um mecanismo científico, controlador do caráter humano, para efetivamente predizer a qualidade dos que ainda não nasceram, seu conhecimento se tornaria quase divino. Em teoria, o senhor de qualquer programa eugenista obrigatório poderia brincar de Deus – decidindo quem deveria, ou não nascer. (BLACK, 2003, p. 60)
Com o prosseguimento de suas reflexões, Galton chegou a concluir que fora um erro supor possível intrometer-se a tal ponto nos interesses pessoais e íntimos das pessoas. Ao iniciar-se o século XX, deu-se conta que sociedades democráticas jamais poderiam conciliar medidas restritivas aos casamentos. “A natureza humana”, acentuou Galton (Apud BLACK, 2003, p. 78), “jamais toleraria a interferência na liberdade da escolha matrimonial”.
Contudo, uma vez lançadas, suas idéias não mais lhe pertenciam. Os usos diversificados a que se prestaram escaparam totalmente ao seu controle, indo muito além daquilo que ele inicialmente propôs ou sequer teria imaginado possível.
O tempo passou, as idéias de Galton e de seus seguidores se expandiram, chegando inclusive ao Brasil e originando assim representações e práticas as mais diversificadas.
Os exemplos que se seguiram de adoção de propostas de natureza eugênica conduziram, nos casos mais extremos, a políticas de extermínio daqueles percebidos como representantes inferiores da espécie humana. Desta forma, em breve e esclarecedor ensaio sobre os estudos empreendidos pelos geneticistas nazistas, Bernardo Beiguelman (1990) deixou bastante claro que, sob o amparo daquela ciência, práticas e políticas discriminatórias, excludentes e criminosas podem encontrar oportunidade de se difundir livremente, e por longo tempo, pela sociedade.
A partir de exemplos da utilização de seres humanos em experimentos realizados por médicos a serviço do Terceiro Reich alemão, atrocidades cometidas em nome do aperfeiçoamento racial foram por ele denunciadas. O autor fez assim pertinentes alertas sobre questões atinentes à eugenia, à genética e à ética.”
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É isso!
Fonte:
MARCO ANTONIO STANCIK: “DE MÉDICO A HOMEM DE CIÊNCIA: A EUGENIA NA TRAJETÓRIA DE ALEIXO DE VASCONCELLOS NO INÍCIO DO SÉCULO XX”. (Tese apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em História, Curso de Pós-Graduação em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná e selecionada para concorrer ao Prêmio Jorge Zahar em Ciências Sociais – edição 2007. Orientadores: Dr. Renato Lopes Leite e Dr. André de F. Pereira Neto). Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2006.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Os princípios eugênicos segundo Francis Galton
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