Darwin e a relevância para a eugenia galtoniana

“Antes de nos dedicarmos à influência Darwiniana para a idealização da eugenia, é importante ressaltar que a ideia de raça já possuía uma trajetória anterior às teses darwinistas e galtonianas. Como sabemos a ideia de raça, começou a ser objeto de especulações pretensamente científicas a partir do século XVIII, com os estudos da chamada antropologia física que se dedicava a demarcar as diferenças entre raças baseadas simplesmente em características fenotípicas (cor da pele, dos olhos, tipo de cabelo) e ainda a critérios comportamentais enfatizando a suposta inferioridade dos negros. Vale lembrar ainda que o chamado racismo científico4 não foi exclusivo ao século XIX, mas como argumentamos antes o desejo de se “comprovar” a hierarquização e a inferioridade entre as raças humanas, e assim legitimar o racismo através do discurso científico já iniciara um século antes. Com critérios infundados e manipulados pelos “pesquisadores” que tinham como objetivo enaltecer uma “raça superior” (branca, de origem europeia, aristocrática...) e logicamente desqualificar o que se afastava dessa norma.

Independente da cientificidade e aplicabilidade da teoria darwiniana é um consenso entre os estudiosos que o darwinismo foi a principal matriz teórica da eugenia, devido ao fato do darwinismo lidar com a questão da hereditariedade e fundamentalmente com a ideia de evolução. Tema que vai ser a questão central da eugenia. O biólogo Michael Rose (2000) entende que o darwinismo foi a porta de entrada de Galton para a construção do eugenismo. Podemos encontrar esta argumentação ainda nas palavras da historiadora Nancy Stepan, que comenta a relação entre o darwinismo e a eugenia dizendo que a evolução apresentou a Galton ideias que “agrupadas de nova maneira, constituíram o cerne da eugenia (STEPAN, 2005, p. 30). Del Cont reafirma esta tese ao dizer que Galton reordenou sua carreira acadêmica “ao ler a obra A origem das espécies, do seu primo Charles Darwin, o que contribuiu para mudar significativamente a sua vida no sentido de tentar aplicar a teoria da seleção natural no estudo do ser humano e suas potencialidades físicas e intelectuais” (DEL CONT, 2008, p. 205-6). Castañeda compartilha dessas ideias, e fala sobre a forte influência do conceito de herança de Darwin para Galton, que as amplia em conveniência de seu pensamento eugênico, mostrando a dificuldade de encontrar veracidade em seus estudos, evidenciando, assim “terrenos argumentativos movediços, onde as tendências teóricas estão em constante desafio uma frente às outras” (CASTAÑEDA, 2003, p. 905).

Já Diwan (2007) lembra que o parentesco de Darwin com o principal criador da eugenia Francis Galton não foi mera coincidência, mas um fato decisivo na elaboração sistemática da eugenia ressaltando a importância de Darwin na vida do seu primo Galton. Assim Diwan (2007, p. 39-40) demonstra que:

Charles Darwin sempre deu apoio aos empreendimentos do primo à teoria evolutiva, a seleção natural a grande polêmica com os criacionistas cristãos despertaram Galton para o que se tornaria seu principal objeto de estudo: o aperfeiçoamento da raça humana. Sem dúvida nenhuma o parentesco com Darwin contribuiu para isso. A teoria evolucionista foi o pontapé que inspirou Galton a dedicar-se ao desenvolvimento de uma teoria social que tivesse como objetivo principal a evolução da raça [...] Charles Darwin ajudou a embasar as teorias de Francis Galton a partir de diversas publicações. [...] a origem das espécies deu o impulso inicial no desenvolvimento da teoria de evolução social de Galton, sem dúvida nenhuma, podemos dizer que Darwin foi um dos primeiros seguidores de Galton. Ainda que não tivesse o nome de eugenia, trazer para o mundo social as características da natureza e da vida animal a fim de aperfeiçoar a humanidade como se fossemos “cavalos”, era uma teoria bem aceita na época (grifo nosso).

Rose (2000) compartilha dessas ideias da estreita relação entre Charles Darwin e
Francis Galton argumentando que o “darwinismo” foi importante na fundação e na legitimação da eugenia, sendo que isto representa a “vergonha secreta do darwinismo”. Conforme Rose (2000, p. 113):

A vergonha secreta do darwinismo é ele haver desempenhado um papel considerável na fundação e legitimação de um movimento conhecido como “eugenia”, um fantasma venenoso de Francis Galton. A eugenia não é nada menos que a tentativa de aplicar o darwinismo á criação deliberada de seres humanos. Como tal, inspirou a esperança de ideólogos da utopia e o horror daqueles que conviveram com suas conseqüências materiais (grifo nosso).

A proximidade acadêmica e até mesmo a conjugação de ideias entre os primos é
evidente na obra de Darwin intitulada The Descendent of Man and Selection in Relation to Sex A Origem do Homem e a Seleção Sexual de 1871. Um ano depois Darwin completa esta obra publicando o estudo chamado The Expression of Emotion and Animals. (A expressão das emoções nos homens e nos animais). Darwin já algum tempo desejava dedicar-se a este instigante tema, porém com a prudência que lhe era peculiar decide postergar a ideia, pois o cientista inglês sabia das conseqüências da aplicação de suas ideias na sociedade. Entretanto outros autores, como o seu defensor Huxley, Haeckel (um dos criadores do darwinismo social e inspirador do nazismo) e primordialmente Galton não tiveram dúvidas em aplicar a teoria darwiniana ao homem logo após a publicação de A origem das espécies. Após ler as publicações desses autores Darwin escreveu um livro para melhor explicar suas ideias, que estavam sendo modificadas pelos darwinistas sociais. Apesar disso são frequentes as menções que Darwin faz a Galton ao longo do livro (A origem do homem) e, sobretudo, o apreço e a defesa que Darwin faz da eugenia. No subtítulo nomeado de “influencia da seleção natural nas nações civilizadas”, Darwin introduz o tópico dizendo que este tema tem sido discutido com habilidade por autores como Greg, Wallace, e ninguém menos que Galton, ao qual Darwin refere-se em nota de rodapé como “a sua grande obra” remetendo-se a Hereditary Genius (1870). Após esta introdução Darwin (1974, p. 161-2) diz:

Nos selvagens, as fraquezas do corpo e da mente são imediatamente eliminadas; aqueles que sobrevivem, apresentam normalmente um vigoroso estado de saúde. Nós, homens civilizados, por outro lado envidamos todos os esforços para deter o processo de eliminação; construímos asilos para loucos, aleijados, e doentes, instituímos leis para os pobres e os nossos médicos exercitam ao máximo a sua habilidade para salvar a vida de quem quer que seja no ultimo momento. Há motivo para se crer que a vacinação tenha salvo um grande numero daqueles que por sua débil constituição física, não teriam em tempo resistido a varíola. Desta maneira, os membros fracos das sociedades civilizadas propagam seu gênero (grifo nosso).

Darwin (1974, p. 162) expressa seu pensamento de uma forma clara, defendendo uma eugenia de cunho “positiva”, ao afirmar que:

[...] Devemos, portanto, suportar o efeito, indubitavelmente mau, do fato de que os fracos sobrevivem e propagam o próprio gênero, mas pelo menos se deveria deter a sua ação constante, impedindo os membros mais débeis e inferiores de se casarem livremente como os sadios. Este impedimento poderia ser indefinidamente incrementado pela possibilidade de os doentes do corpo e do cérebro evitarem o matrimônio, embora isto seja mais uma esperança do que uma certeza.

No final do livro, Darwin volta a debruçar-se sobre a problemática do casamento, defendo que os cuidados com a reprodução dos animais também deveriam ser empregados aos humanos. Pois se os casamentos levassem em consideração a “seleção natural” poderiam melhorar não somente as características físicas dos descendentes, mas ainda suas qualidades intelectuais e morais. Dessa forma Darwin (1974, p.710-1):

O homem analisa escrupulosamente o caráter e a ascendência dos seus cavalos, do seu gado, e dos seus cães antes de acasalá-los; mas, quando chega a época das núpcias, raramente ou nunca toma semelhante cuidado. Ele é levado por motivos quase análogos àqueles dos animais inferiores, quando são entregues á sua livre escolha, embora seja tão superior a eles que pode avaliar altamente as qualidades mentais e as virtudes. Por outro lado, sente forte atração pela simples riqueza ou pela posição. Todavia, mercê da seleção, ele poderia de algum modo agir não só sobre a estrutura física e a conformação óssea da sua prole, mas sobre as suas qualidades intelectuais e morais. Ambos os sexos deveriam abster-se do matrimônio se acentuadamente fracos no corpo e na mente; mas estas esperanças são utópicas e nunca serão concretizadas nem mesmo parcialmente, enquanto as leis da hereditariedade não forem amplamente conhecidas. Todo aquele que prestar alguma ajuda para colimar este fim estará fazendo obra boa. Quando os princípios da procriação e da hereditariedade forem melhor conhecidos, não ouviremos mais membros ignorantes da nossa legislação rejeitar com desprezo um plano que tente a verificar se o matrimônio entre consangüíneos é ou não prejudicial ao homem (grifo nosso).

Na citação do cientista percebemos que o ideal seria que os noivos não pensassem apenas na riqueza na hora de escolher seus pares, deveriam se deter na descendência de seus cônjuges. Entretanto essa fala contraria sua própria decisão pessoal, pois como sabemos Darwin casou-se com sua prima Emma, não por razões puramente sentimentais, mas devido ao fato de que a família da moça era extremamente rica.

As famílias de Darwin, da sua mulher os Wedgwoods, a de Galton casavam entre si, com o objetivo de manter a “linhagem” e principalmente de manter as suas posses entre as mesmas famílias. Continuando sua análise, Darwin cita novamente Galton para dizer algo que ele iria confessar a uns amigos anos mais tarde antes de morrer, ou seja, que estava decepcionado com o futuro da humanidade, pois as classes “inferiores” se reproduzem com muito mais frequência que as classes “superiores”. Nesta passagem final de A origem do homem, Darwin (1974, p. 711) vai atacar não somente os débeis ou fracos como havia dito antes, mas também a pobreza (incauto) que deveriam poupar a humanidade de seus descendentes evitando ter filhos como podemos perceber:

O progresso do bem estar do gênero humano é um problema mais complexo: todos aqueles que não podem evitar a pobreza para os próprios filhos, deveriam evitar o matrimonio; na verdade, a pobreza não só representa um grande mal, mas tende ao próprio incremento, levando à desconsideração do matrimônio. Por outro lado, Galton observou que, se o prudente evita o matrimônio enquanto que o incauto se casa, os membros inferiores tendem a suplantar os membros melhores da sociedade (grifo nosso).

Schwarcz (1993) entende que o darwinismo influenciou a ciência eugênica no momento das aplicações do darwinismo na sociedade. Argumentando que a eugenia se transformou na prática mais avançada do darwinismo social que para Schwarcz (1993, p. 58) é:

Um determinismo de cunho racial que via de forma pessimista a miscigenação, já que acreditava que “não se transmitem caracteres adquiridos”, nem mesmo por meio de um processo evolutivo social. Ou seja, as raças constituíram fenômenos finais, resultados imutáveis, sendo todo cruzamento, por principio entendido como erro. As decorrências lógicas desse tipo de postulado eram duas: enaltecer a existência de “tipos puros” - e, portanto não sujeitos a processos de miscigenação-e compreender a mestiçagem como sinônimo de degeneração não só racial como social.

A historiadora brasileira, Pietra Diwan, vai permear sua análise sobre o darwinismo social, dando ênfase ao contexto cultural e primordialmente o contexto social inglês em meados do século XIX, que presenciava uma profunda crise política econômica. Diwan (2007, p. 33) diz que:

A ameaça popular advinda com a Comuna de Paris em 1848,assim como a emergência das teorias de esquerda,espalharam-se pela Europa e transformaram a pobreza, sinônimo de perigo e inferioridade. Essa situação política e ideológica, somada ao problema sanitário gerado pelo vertiginoso crescimento das cidades tornou a Inglaterra um lugar degenerado, na visão dos biólogos da época. Sem infraestrutura, a insalubridade e as doenças epidêmicas (varíola, tuberculose tifo, escarlatina etc.) despertaram o interesse dos higienistas inspirados pelas descobertas de Pasteur. [...] Era preciso evitar a degeneração e controlar a multidão A multidão se caracteriza pela idéia de massa de coletivo disforme e compacto no interior da qual o individual não existe. Fenômeno próprio da modernidade da qual absorve as singularidades e estratifica o social, pensar neste movimento homogeneizante do inicio do século XIX é pensar em uma nova maneira de olhar. A multidão é vista e sentida como um todo homogêneo. E por não ser possível identificar exatamente sua composição, o medo da multidão cresce e cria estratégias de combate para sanar esse mesmo medo [...].

É justamente aí que os darwinistas sociais e eugenistas vão agir, no controle desta multidão que os amedrontava, pois não se poderia admitir que esta população, que era entendida na sua maioria como vagabundos, indolentes e possíveis criminosos proliferassem sem um devido controle. Essa proliferação acarretava diversos prejuízos para a Inglaterra, até econômicos. O governo inglês programou algumas medidas para solucionar este quadro desanimador, criando as chamadas “casa de trabalho” onde os desempregados poderiam reencontrar ocupação até conseguirem outro emprego. Entretanto este tipo de assistencialismo era muito mal visto principalmente pelos eugenistas, que discutiam essas ações argumentando que o assistencialismo era uma forma de ajuda, para sustentar “vagabundos”, que representavam um “fardo social” para a Inglaterra. A solução dos eugenistas foi radical: eliminar ou impedir de procriar todos aqueles que contribuem para a degeneração da raça inglesa.

O assistencialismo era entendido pelos eugenistas ingleses com sendo algo antinatural, pois, uma vez que a ideia de “seleção natural” norteava a eugenia. Então como deixar viver ou até mesmo ajudar aqueles indivíduos mais fracos, que não conseguiam sobreviver? Devia-se logicamente seguir as leis da natureza e deixar padecer, morrer os “mais fracos”, que ainda poderiam “sujar” a descendência da nobre “raça” inglesa. O idealizador da eugenia, Francis Galton, nasceu nesse contexto histórico e social, onde a pobreza já era associada à degeneração da “raça”, e um perigo ameaçador. Conhecer a trajetória galtoniana, bem como analisar, ainda que brevemente, as “condições de possibilidades” para a criação da ciência da boa linhagem, faz-se necessário para visualizar com uma compreensão melhor a eugenia enquanto produção científica.

Como disserta Diwan (2007), Galton nasceu num ambiente ligado à cientificidade,
pois era neto de renomados intelectuais e também primo de Darwin. Iniciou muito cedo sua carreira acadêmica incentivado pelo pai que também era cientista. Entre as profissões do cientista britânico destacam-se: matemático, médico, meteorologista, geógrafo, explorador renomado, e mais tarde estatístico5. Porém todas essas qualificações não foram suficientes para satisfazê-lo. Somente após o lançamento do livro A Origem das Espécies Galton viria a se “inspirar” e idealizar a eugenia. Após este fato Galton recebe o apoio de Darwin em suas investigações, os mesmos mantêm uma parceria acadêmica, que só viria a ser rompida quando Darwin em seu livro The variations of animals and plants under domestication (1868), esboça detalhadamente uma teoria de transmissão de caracteres conhecida como teoria da “pangênese”.

Galton concorda com alguns princípios desta teoria proposta por seu primo, mas
discorda veementemente sobre a questão da influência do meio ambiente. Darwin propunha que as “gêmulas”, que estariam presentes em todos os organismos, seriam responsáveis pelo mecanismo de transmissão hereditária, transferidas de pai para filho e alteradas pelo meio ambiente. Esta alteração foi o ponto principal da discordância entre os primos, pois para a eugenia ter validade científica, o meio ambiente não poderia influenciar o indivíduo, fato este que desqualificaria a eugenia, que pretendia comprovar a melhoria da raça através da seleção de caracteres mais importantes.

Já sem o apoio de Darwin, Galton dedica-se à sua própria publicação sendo que o
primeiro trabalho escrito e publicado pelo cientista que esboça os preceitos da teoria eugênica é chamado de Hereditary Talent and Character de 1865. Este estudo traz a hipótese de que o talento é hereditário e passa de geração em geração. Em 1869 é publicado Hereditary Genius, que reforça as ideias da obra anterior, neste livro Galton procurou “defender a tese de que não somente os aspectos físicos, mas também o talento e a capacidade intelectual poderiam ser calculados, administrados e estimados, por meio de casamentos criteriosos durante gerações consecutivas” (DEL CONT, 2008, p.204).

De acordo com Diwan (2007) em 1874, Galton escreveu o livro English Men of
Science: their Nature and Nurture. Esta obra foi escrita a partir de uma “pesquisa” (enquete) realizada com cientistas da Inglaterra no qual Galton questiona a todos se o talento é hereditário ou não. Após análise dos dados (ou a manipulação destes) o cientista concluiu ser o talento hereditário.

Como nos mostra Del Cont (2008) esta pesquisa foi realizada como uma resposta ao seu crítico Alphonse de Candolle. O mesmo defendia a tese de que a educação e as boas influências do meio social seriam as condições ótimas para o bom desenvolvimento dos indivíduos. Esta tese logicamente desqualificava as teorias galtonianas, pois o meio ambiente não poderia influenciar a carga hereditária. Galton se vale do contexto social da Inglaterra (analisado anteriormente) para justificar o controle da qualidade da reprodução dos indivíduos, argumentando que isto permitiria “não somente elevar o nível da qualidade da raça humana, mas também constituiria uma ferramenta de reforma das condições sociais degenerescentes” (DEL CONT, 2008, p.207). Portanto fica claro que a eugenia não pretendia apenas atacar os considerados não eugênicos, mas também a classe pobre e “degenerada” inglesa que era composta por prostitutas, criminosos, loucos, alcoólatras, pobres, entre outros.

No ano seguinte, Galton publicou o livro A Theory of Hereditary (1875), que se ampara nas formulações de Weismann sobre plasma germinal. O cientista inglês recolhe medidas antropométricas, essas medições tinham por objetivo resolver um dos problemas mais importantes para a doutrina eugênica que era recrutar os mais fortes e eliminar ou controlar os mais fracos (DIWAN, 2007).

De posse dos dados coletados ao longo de quase vinte anos, com o intuito de comprovar que o talento é uma herança que passa dos pais para os filhos, o cientista inglês passou a se preocupar em demonstrar que a demência humana e ainda fatores sociais como a criminalidade e a marginalidade eram resultantes da hereditariedade. Para isso resolveu escrever o livro Inquires into Human faculty and its Development (1883), no qual agrupa inúmeras análises sociológicas e materiais antropológicos e principalmente expõe pela primeira vez o termo eugenia, que Galton (1883), citado por Diwan (2007, p. 41-2 grifo nosso) assim a define:

Mencionar vários tópicos mais ou menos conectados com aqueles do cultivo da raça ou pelo menos chamá-los com as questões eugênicas. Isto é com os problemas relacionados com o que se chama em grego “eugenes” quer dizer de boa linhagem dotado hereditariamente de nobres qualidades, esta e as palavras relacionadas, eugenia etc. são aplicáveis aos homens às plantas e os brutos. Desejamos ardentemente uma palavra breve que expresse a ciência do melhoramento da linhagem que não esta de nenhuma maneira restrita a união procriativa, senão especialmente no caso dos homens, a tomar conhecimento de todas as influências que tendem em qualquer grau por mais remoto que seja dar ás raças ou linhagens sangüíneas mais convenientes uma melhor possibilidade de prevalecer rapidamente sobre os menos convenientes, que de outra forma não haja acontecido.

Silva (2005), ao analisar o surgimento da eugenia, vai argumentar que essa ciência, recém nomeada por Galton, tinha por objetivo ser o modelo principal que no fim do século XIX e início do século XX objetivaram categorizar os seres humanos, e consequentemente desqualificar todos aqueles que se afastavam da normatização eugênica. Para o autor a nova ciência agora com o nome de eugenia pretendia ainda: “aprimorar a espécie e com isso elevar a civilização [...], e foi também o grande leitmotiv do contexto de constituição das anormalidades e com isso dos processos de exclusão” (SILVA, 2005, p. 74).

Como nos mostra Diwan (2007), após o lançamento de Inquires into Human faculty and its Development (1883), Galton dedica o final de sua vida para divulgação da eugenia. A primeira ação na empreitada de propagandista da ciência eugênica foi a publicar Hereditary Improvement (1873). No qual o cientista britânico declarou-se contra os casamentos movidos por “gostos pessoais”, e ainda que o valor racial é mais importante do que a educação e o meio ambiente. Nesse livro, Francis Galton argumenta a necessidade de que os considerados “débeis” poupem a sociedade de seus descendentes adotando o celibato. Apesar de toda esta empreitada galtoniana em favor da divulgação da eugenia, só a partir do início do século XX que a eugenia começou a ganhar mais espaço nos meios intelectuais e acadêmicos da Europa. Principalmente na Alemanha e Estados Unidos. Essa aceitação da eugenia no começo do século XX deve-se em parte a redescoberta das leis de Mendel que foi realizada em 1900 (o mesmo já tinha concluído este estudo em 1865) desta forma a eugenia: “ganhava efetivamente
autoridade científica, pois, a partir da genética moderna, inaugurada por Mendel, a hereditariedade tornou-se conhecida e seus mecanismos passiveis de manipulação” (SILVA, 2009, p. 44).

De acordo com Diwan (2007) Outro fator que favoreceu a aceitação da eugenia no
século XX foi o fato de que Galton contou com a participação de renomados intelectuais, que ampliavam e colaboram com as suas pesquisas. Um deles foi o físico e estatístico Karl Pearson que era um dos seus discípulos. Obteve ainda a colaboração do zoólogo Walter Franck Weldom. Juntos fundaram os estudos biométricos com a publicação do livro de autoria de Galton Natural Inheritance (1889).

Em 1901 junto com seu seguidor K.Pearson, o mentor da eugenia criou a revista
Biometrika, que tinha como objetivo publicar artigos de eugenia que eram rejeitados por outros periódicos. Ainda no ano de 1901, com o objetivo de divulgar as ideias eugênicas na Inglaterra, Galton participa de uma conferência anual que homenageava o biólogo inglês Julian Huxley. O cientista inglês continua a trabalhar pela divulgação da eugenia, e no ano de 1904, fundou o escritório de registros eugênicos, (ECO) num espaço cedido pela Universidade de Londres. O escritório tinha por objetivo estudar a descendência das famílias nobres da Inglaterra. Em 1907, o cientista britânico solicitou ao seu amigo Karl Pearson, que fundisse o laboratório de biometria, com o escritório de registros eugênicos. O resultado foi o surgimento do laboratório Galton para Eugenia Nacional, sendo criada a expressão “eugenia nacional”.

Ainda em 1907, surge outro escritório com o nome de Sociedade de Educação Eugenista. Sendo presidida por Montagu Crackanthorpe. A primeira reunião aconteceu em 1908, reunindo diversos cientistas, entre eles Leonard Darwin, filho de Charles Darwin, que futuramente seria o presidente da instituição até 1930 (DIWAN, 2007). O primeiro Congresso Internacional de Eugenia foi promovido pela Sociedade de Educação Eugenista em 1912, em Londres, um ano após a morte de Francis Galton. Neste período a eugenia já contava com adeptos pelo mundo inteiro, e principalmente tinha reconhecimento científico.

Como nos lembra Bizzo (1995) os produtos científicos do “pai da eugenia” não podem ser desprezados, como a biometria, amplamente utilizada na educação física6; o método de identificação por meio de digitais, (carteira de identidade); a antropometria e os avanços na estatística. E principalmente os estudos dos testes de Q.I que são utilizados até hoje nos meios educacionais. A “herança” deixada por Galton ecoa em nosso meio, sem que ao menos conheçamos sua história, e ainda sem nos darmos conta de que estes métodos tinham por objetivo classificar, mensurar, normatizar o homem, para encontrar o ideal de “raça” a ser atingida. Este ideal de uma “raça superior”, ou até mesmo de um Super-Homem foi perseguido incansavelmente por países como Estados Unidos e Alemanha...”


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Fonte:
Tarciso Alex Camargo: “A REVISTA EDUCAÇÃO PHYSICA E A EUGENIA NO BRASIL - 1932-1945”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado, Área de Concentração em Educação, Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr. Mozart Linhares da Silva). Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Santa Cruz do Sul, 2010.

Nota:
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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