O pensamento racista brasileiro

IMAGEM: ALCEU MAYNARD ARAÚJO

"Houve uma época em que as controvérsias da democracia racial não tinham espaço, e as teorias que definiam as diferenças entre as raças eram mais comumente aceitas. O meio científico conseguia justificar a escala de superioridade racial através de evidências. Os conceitos eram formados ideologicamente, encobertos por conteúdo biológico de difícil questionamento. A exacerbação deste sentimento foi responsável pela formação de classes raciais com papéis distintos em nossa sociedade. Segundo Hans Kohn, é em Aristóteles que vemos as primeiras justificativas sobre diferenças entre os povos, nas quais se defendia que algumas raças estavam destinadas à escravidão, enquanto outras, ao governo (KOHN, 1975). E, para Kohn, a mesma doutrina pode ser encontrada sempre que um grupo racial dominasse outro – como o sistema de castas na Índia, citado pelo autor.

Essas teorias tiveram sua época áurea no final do século XIX, onde os estudos que comprovavam tais diferenças ganhavam grande exposição. Como foi dito no capítulo anterior, Otto Klineberg, em “As diferenças raciais”(KLINEBERG, 1966) relata que Lapouge julgava ter encontrado diferenças entre os crânios retirados de um cemitério de classes mais “elevadas” dos obtidos nos cemitérios de classes “inferiores”. A partir das diferenças entre medidas dos crânios, Lapouge distinguiu o “Homo europeus”, destinado a dominar e o “Homo alpino”, destinado a trabalhar, servir e obedecer. Gobineau, proveniente da nobreza francesa, escreveu um livro que procurava demonstrar a superioridade de sua linhagem (GOBINEAU, 1954). O autor é considerado como o ícone do racismo do século XIX, e sua teoria descreve um paradoxo entre classe e raça. Em Leite (LEITE, 1983), vemos que Gobineau pertencia a uma nobreza decadente e que as teorias de seu livro eram uma tentativa de resgatar o prestígio de sua família: “seu último livro é a descrição de sua árvore genealógica, através da qual chega ao deus Odin”(LEITE, 1983, p. 18). Para Gobineau, existiam duas raças: a ariana, raça superior, da qual a herança hereditária provém dos teutos (a quem pertencia, convenientemente, a nobreza francesa); e a galo-romana, formada pelos servos. Suas verdades eram facilmente provadas, pois quando não existiam confirmações para suas hipóteses, Gobineau afirmava que “não poderia ser de outra forma”. O êxito de suas teorias era justificado na medida em que reafirmava a supremacia da nobreza. Além disso, Gobineau aumentava seu prestígio ao encontrar razões para o desenvolvimento em outras civilizações através da “boa influência” exercida no contato com europeu colonizador. O grande fardo do homem branco: levar a luz da sabedoria à obscura ignorância dos povos menos capazes. Mas essa exposição das qualidades do povo europeu era ironicamente citada apenas para justificar os problemas enfrentados quanto ao crescimento de sua civilização. Gobineau culpava o contato com os povos inferiores como o motivo da queda dos valores europeus. Para o autor, o aparecimento da raça de arianos era um acontecimento sem precedente na ordem cósmica, mas estava fadado à decadência na medida que se expunha de modo inevitável ao contato com as raças dominadas.

A idéia de classes dominadoras e dominadas foi uma premissa que ajudou o colonizador europeu na invasão do Brasil. Através das teorias que “indubitavelmente” comprovavam a superioridade dos brancos, o europeu não chegava a sentir um conflito ideológico com seus ideais cristãos. Tendo essa premissa como base teórica, as hipóteses levantadas sobre a superioridade racial ajudavam a explicar o domínio branco sobre o resto do mundo sem causar um conflito ideológico. Segundo, se as outras raças eram biologicamente inferiores, ou seja, “incapazes” de atingir os valores mais elevados da civilização, só poderiam, portanto, sobreviver como massas trabalhadoras submetidas aos brancos. Leite ressalta a linha de pensamento seguida na época:

“Não fora ele, europeu, que intencionalmente estabelecera as diferenças entre as raças; ao contrário, estas eram determinadas pela natureza.”(LEITE, 1983, p. 19)

Além disso, Leite destaca que a teoria racial de dominação ganhou força na medida que parecia corroborar com as idéias de Darwin sobre o evolucionismo: se o homem resultara de longa evolução, na qual sobreviveram as mais capazes, as várias raças estariam em estágios diferentes de evolução e as menos capazes deveriam ser destruídas pelas mais aptas. Essa linha de pensamento contribuiu para o prestígio alcançado pelas idéias racistas no final do século XIX. Prestígio esse que perdurou até, pelo menos, metade do século XX, servindo de base durante esse período para diversos autores brasileiros.

Para Affonso Celso, o Brasil é um país de mestiços, resultado da mistura de três raças (CELSO, 1943). Essas raças formadoras seriam responsáveis pela formação do caráter nacional. Dos índios, herdamos nosso aspecto generoso e a grande coragem pessoal. Do negro, herdamos uma afloração maior dos sentimentos afetivos, resignação estóica, coragem e laboriosidade. Assim como Freyre, Celso tenta traçar um paralelo entre a realidade brasileira e a americana. Para o autor, os negros brasileiros eram menos bárbaros e tais sentimentos contribuíram para a “inexistência” de preconceito racial no Brasil. Do europeu, sobretudo o português, herdamos o fascínio pelas viagens e descobrimento, o domínio da arte e do pensamento, heroicidade, resignação, esforço, união, patriotismo e amor ao trabalho. Este é um típico exemplo da estruturação do pensamento que originou o mito das três raças. Como vimos anteriormente, esse mito serviu como base para a ideologia que cerca a construção de identidade do ser brasileiro. O que se destaca aqui são os tipos de valores que constituem a “herança” de cada raça: nada mais do que a reiteração de estereótipos ligados a cada etnia.

Poderíamos pensar a teoria racista como uma escada: a cada degrau encontramos um tipo de raça, com todas as vicissitudes ligadas a sua cultura. Se subirmos mais um nível, encontramos outro grupo étnico, mas num estágio acima do anterior (numa clara referência a teoria evolucionista de Darwin). A explicação através de raças inferiores e superiores foi aceita por vários ensaístas brasileiros. Silvio Romero, por exemplo, acreditava que era necessário um “branqueamento” da população, para salva-lá da degeneração. Diversos são os autores, mas pode-se citar alguns ícones que contribuíram para ratificação do pensamento racista no Brasil.

Entre eles, um dos maiores expoentes é Raimundo Nina Rodrigues. Dante Moreira Leite define os estudos de Nina Rodrigues como “datados”, e suas explicações como “excessivamente etnocêntricas” (LEITE, 1983, p. 236). O que tornou as idéias de Nina Rodrigues tão bem aceitas no meio acadêmico foram o seu interesse real pela pesquisa. O autor, por exemplo, compreendia a necessidade de se fazer levantamentos sobre a língua e a religião dos africanos na Bahia. Além disso, apesar de sustentar uma teoria que hoje é considerada como “cientificamente inaceitável”, seus estudos parecem ter chegado próximos de uma concepção cultural do negro. Aparentemente, embora suas conclusões tenham seguido o mesmo princípio das idéias racistas da época, o seu contato com a religião africana nos terreiros deram-lhe uma visão quase antropológica dessas crenças, chegando até a combater algumas ações da polícia contra os encontros promovidos pelo candomblé8. Essa proximidade com a contradição fez Leite chegar a seguinte conclusão sobre Nina Rodrigues:

“A realidade é tão poderosa que, se avançasse um pouco mais por ela, talvez Nina Rodrigues chegasse a contradições semelhantes àquelas indicadas em Euclides da Cunha: uma teoria errada para da conta de uma realidade que a teoria européia negava” (LEITE, 1983, p. 236)

O primeiro livro de Nina Rodrigues tratava da posição das raças diante do Código Penal. O estudo sustentava a tese de que as raças inferiores – negros, índios e mestiços – não poderiam ter o mesmo tratamento no Código, pois essas raças teriam a mentalidade de crianças e, portanto, não poderiam ser responsabilizadas pelos seus atos, ou pelo menos, não da mesma forma como pessoas descendentes de uma raça superior. No entanto, Nina Rodrigues acreditava que as raças inferiores poderiam ser reeducadas e assim sendo, alcançariam os mesmos níveis de superioridade que era inerente aos brancos. Vemos novamente outra teoria levantada pelo autor que contraria as premissas da época, onde se acreditava que mesmo após séculos de convivência, as raças inferiores não chegariam a atingir os níveis de desenvolvimento dos brancos. Por exemplo, Nina cita uma teoria defendida por Spencer, que acreditava que o menor desenvolvimento do cérebro era a causa para a fraqueza física dessas raças. Em seguida, sugere que essa menor capacidade do “selvagem” era repassada aos mestiços, gerando outra conseqüência:

“os mestiços (...), por exigência da luta pela existência toda intelectual das civilizações
superiores, tiveram necessidade de aproveitá-la principalmente no sentido da inteligência, havemos de compreender porque os mestiços dos selvagens são capazes de inteligência desenvolvida, mas são fracos, indolentes, imprevidentes” (NINA RODRIGUES, 1938, p.185-186)

Do cruzamento do inteligente homem branco, com o primitivo “selvagem”, nascia o mestiço, um ser de inteligência razoável que não tinha liberdade de querer. A prova da imprevidência, apresentada por Nina Rodrigues, é a de que os portugueses chegavam pobres ao Brasil, mas em pouco tempo tornavam-se grandes capitalistas. Um pouco mais adiante, Nina Rodrigues cita uma opinião de José Veríssimo, a respeito dos mestiços de brancos e índios no Pará, onde o crítico sugere que a solução para as raças mestiças é “esmagá-las sob a pressão de uma enorme imigração, de uma raça vigorosa que nessa luta pela existência de que fala Darwin as aniquile, assimilando-as” (NINA RODRIGUES, p. 186, 1938).

No livro sobre os africanos no Brasil, Nina Rodrigues levanta uma teoria que foi seguida por muitos autores daquele período. Acreditava-se que existia um “problema negro” no país e de acordo com o autor, esse problema era um dos fatores de nossa inferioridade como povo. Sendo assim, conclui que “entregando o país aos mestiços, acabará privando-o, por largo prazo, pelo menos, da direção suprema da Raça Branca” (NINA RODRIGUES, p. 17, 1932). A partir destas suposições:

• O temor de uma revolta separatista entre o Sul, colonizado essencialmente por brancos, se oponha ao Norte, região “dominada” pelos mestiços;
• Ao invés do Brasil acompanhar o nível de desenvolvimento das populações canadenses e americanas, o país aproximaria-se ao modo de ser dos guerrilheiros da América Central.

Essa premissa foi essencial para a defesa da forte imigração de brancos ao Brasil, para que assim, pudesse haver um maior desenvolvimento, que não seria possível com o contingente existente de negros e mestiços. Ao citar a revolta de Palmares, Nina considera que deve-se prestar homenagens aos conseguiram destruir com aquela resistência, pois assim, teriam destruído a maior ameaça à civilização do futuro povo brasileiro. De acordo com sua linha de raciocínio, se o Quilombo dos Palmares tivesse sido vencedor, o Brasil tornaria-se um novo Haiti, incapaz do progresso e inacessível ao desenvolvimento da população.

O interessante dessa passagem são os prognósticos feitos por Nina Rodrigues de acordo com sua percepção de realidade. Para o autor, existiam dois tipos de negros no Brasil, e um deles estava fadado a extinção, por não conseguir acompanhar os níveis de desenvolvimento das raças mais avançadas. Apenas os negros provindos de culturas antigas, como a do Egito e Abissínia, poderiam ter um futuro ao lado do branco. A teoria de Nina Rodrigues considerava que esses negros possuíam uma capacidade intelectual maior por supostamente terem pertencido a culturas brancas existentes naquela região. Para o autor, os povos provindos daqueles países poderiam ser definidos como “falsos negros” ou “brancos disfarçados”.

O que se conclui ao analisar um pouco da obra de Nina Rodrigues é que ele aceitava a teoria do evolucionismo e a partir dela, numa visão pessoal, criava suas próprias teorias sobre diferenças raciais. Dante Moreira Leite ressalta que a obra de Nina Rodrigues é incompleta – talvez pelo fato do autor ter morrido aos 44 anos – e nem mesmo seus discípulos arriscaram “inferir até aonde chegaria em seus estudos” (LEITE, 1983, p. 241). Mas a herança empírica levantada por Nina Rodrigues serviu como ponto de partida para diversas pesquisas posteriores.

Um deles foi Arthur Ramos. Médico como Nina Rodrigues, formado também pela Faculdade de Medicina da Bahia, considerava-se um continuador do trabalho deste autor. Ramos não se limitou, porém, a reafirmar as teorias de Nina Rodrigues, mas a realizar pesquisas inspiradas nas feitas pelo seu mestre, apenas readaptando os métodos ao seu tempo. Segundo Leite, as três maiores publicações de Ramos sobre a questão dos negros e sua vida no Brasil são:

“O Folk-lore Negro no Brasil”
(RAMOS, 1935), “O Negro Brasileiro” (RAMOS, 1940) e “A Aculturação Negra no Brasil” (RAMOS, 1942). As teorias levantadas nestas obras combatiam a doutrina da superioridade racial dos brancos. A exemplo de Nina Rodrigues, Ramos construía suas análises após o levantamento de dados empíricos, e ao escolher esta metodologia, o autor pôde ter contato com as reais condições de vida da população negra. Construir uma apreciação crítica com base em dados concretos pode soar como uma prática comum nos dias de hoje, mas a realidade dos estudos antropológicos e sociológicos daquela época era diferente, fazendo de Ramos uma exceção. No entanto, em suas análises, o autor ficou preso a uma concepção evolucionista, mudando apenas o enfoque: o negro não era pertencente a uma raça inferior, mas sim membro de uma cultura atrasada de que, para Ramos, deveria ser lentamente libertado. Novamente vemos a tese do “fardo do homem branco”: levar cultura e civilização aos povos presos a costumes e rituais primitivos. Aqui Leite tenta mostrar a fragilidade dos argumentos levantados por Ramos:

“Em primeiro lugar, teria sentido falar em cultura primitiva num grupo que há várias gerações está em contacto com a chamada civilização? Estaremos diante apenas de sobrevivência de culturas primitivas ou diante de culturas de classes e castas? Em segundo lugar, não será preconceito considerar uma religião como primitiva, e outra como evoluída, quando fenômenos muito semelhantes aos denominados primitivos podem ser encontrados em culturas européias?” (LEITE, 1983, p. 261)

No entanto, um pouco mais adiante, Leite considera injusto avaliar a obra de Ramos através da interpretação global de suas idéias sobre cultura e civilização, que segundo Leite, estão presentes em poucas páginas que poderiam muito bem ser refeitas em poucos dias. O problema está no sentido que elas conotam e na reiteração de uma visão deformada dos processos de interação raciais existentes no país até então. Por exemplo: em “O Negro Brasileiro”, Ramos atribui aos brancos o caráter de possuidor da “verdadeira cultura” e aos negros, membros de uma “cultura primitiva”. O maior expoente para o atraso do negro era sua religião. Arthur Ramos acreditava ser necessário “curar” o inconsciente coletivo brasileiro para se superar o estágio de religião primitiva: “Com o estudo das formas atrasadas de suas religiões, consegue-se descobrir uma ponta do véu” (RAMOS, p. 406, 1940). Novamente Leite tenta comprovar a contradição deste pensamento numa comparação do culto a Iemanjá e a semelhança encontrada na lenda germânica de Loreley. Para Leite, Ramos foi capaz de superar as teorias racistas da época, mas foi inábil ao tentar explicar os conceitos de cultura. Num resumo final, se Ramos analisasse seus dados sobre uma diferente perspectiva, que não fosse influenciada pelo evolucionismo, talvez pudesse ter extraído mais de suas pesquisas.

Se Leite conseguia ver em Nina Rodrigues e Arthur Ramos pesquisadores capazes de traçar levantamentos seguindo preceitos científicos, da mesma fama não gozava Oliveira Vianna. Para Leite, José Oliveira Vianna era um autor incapaz de acompanhar o pensamento de sua época, quanto mais se elaborar uma análise que contribuísse para o avanço das discussões propostas pelas Ciências Sociais. Mas Vianna obteve êxito em sua obra, o que para Leite era incompreensível. Uma das explicações propostas por Leite é que os livros de Vianna antecederam por pouco tempo o início dos movimentos fascistas europeus. “a obra de Oliveira Vianna satisfazia os pruridos de nobreza rural de parte da população brasileira” (LEITE, 1983, p. 241). Nelson Werneck Sodré foi outro crítico a obra de Vianna. Para Sodré, Vianna com métodos falsos, não buscava informações para proferir conclusões e acusava-o de produzir “tolices” para satisfazer a ideologia da aristocracia brasileira (SODRÉ, 1964, p. 165).

Ambos autores sustentam que a obra de Vianna não resiste a qualquer análise criteriosa, mesmo que se tente compreender o contexto no qual ela foi escrita. Ao contrário de Nina Rodrigues, Vianna não foi capaz de nem ao menos observar o negro, tentar entendê-lo como parte de um grupo social. “O que nele parece teoria é imaginação gratuita, grosseira deformação de fatos e teorias alheias” (LEITE, 1983, p. 242). Para Leite, tal negligência em apuração dos dados poderia ser resultado de um conflito interno sofrido por Vianna. Segundo Leite, alguns críticos diziam que Oliveira Vianna era mulato escuro, e que isso, levava supor que a valorização do arianismo e da aristocracia em suas obras era uma forma de identificar-se com o grupo dominante. A influência de Vianna em sua primeira obra deixa claro sua posição: logo no prefácio, Vianna cita Gobineau, Lapouge e Ammon, a quem chama de “gênios possantes” (VIANNA, 1935, prefácio).

Em sua primeira obra, logo de início Vianna entra em contradição: ao tentar justificar a necessidade da importação de europeus para a evolução do Brasil, sem se dar conta, Vianna critica a postura da elite branca do país. Mesmo que não tenha sido sua intenção, o autor fala da inevitabilidade do contato maior com o europeu para corrigir as deficiências existentes em nossa sociedade e quais qualidades ela deveria adquirir. Mas, na mesma frase, o autor tenta enaltecer as virtudes desta mesma elite, reiterando assim sua incongruência. Vejamos:

“Só assim, no contacto forçado com esses grandes povos, que estão invadindo e senhore
ando o globo, poderemos – pelo reforço previdente de nossas linhas de menor resistência – conservar intactas, no choque inevitável, a nossa personalidade e a nossa soberania” (VIANNA, 1935, p. 244)

A confusa linha de pensamento de Vianna leva-nos ao seguinte questionamento: se é necessário corrigir as deficiências de nossa sociedade, não seria errado manter sua personalidade? Mais adiante, Vianna elucida melhor seu raciocínio, atribuindo os aspectos negativos da sociedade brasileira ao fato da maior inserção do negro após a abolição do trabalho escravo:

“o nosso povo entra numa fase de desorganização profunda e geral, sem paralelo em toda
a sua história. Todas as diretrizes de nossa evolução coletiva se acham, desde esta data, completamente quebradas e desviadas” (VIANNA, 1935, p. 244)

Para Dante Moreira Leite, esta passagem ajuda a demonstrar a capacidade de Vianna de “inventar uma história” para provar suas teses. A fim de demonstrar a superioridade dos brancos e a influência negativa dos negros, Vianna desprezou documentos que contrariavam suas alegações para construir uma fábula sobre um suposto período áureo de nossa civilização que fora interrompido com a lei de 1888. Um pouco mais adiante, Leite ressalta a capacidade de Vianna em contar mentiras para forçar a afirmação de suas teorias. Vianna imagina uma vida urbana elegante e fina, que teria florescido em São Paulo e Pernambuco nos dois primeiros séculos da colonização:

“Pela elevação dos sentimentos, pela hombridade, pela altivez, pela dignidade, mesmo
pelo fausto e fortuna que ostentavam esses aristocratas, paulistas e pernambucanos, mostram-se muito superiores à nobreza da própria metrópole. Não são eles somente homens de cabedais, com hábitos de sociabilidade e luxo; são também espíritos do melhor quilate intelectual da melhor cultura. Ninguém os excede nos primores do bem falar e do bem escrever” (VIANNA, 1935, p. 245)

A incongruência desta passagem, segundo Leite, tem como prova o depoimento dos historiadores sobre o que se conhece do início da colonização destas regiões. São Paulo era durante os primeiros séculos, “uma pequena vila, com aproximadamente mil e quinhentos habitantes e cento e cinqüenta casas, muito pobres e de pouco valor” (MACHADO, 1943, p. 129). Segundo Alcântara Machado, objetos importados naquela época eram caríssimos, podendo-se compararo valor de um vestido a uma pequena fazenda – o que demonstra a falta de conhecimento de Vianna ao citar o luxo que viviam os habitantes daquele período. Sobre a idéia distorcida de sociabilidade mencionada por Vianna, Leite ressalta que durante este período, por exemplo, se alguma pessoa importante viesse de Portugal visitar São Paulo, a Câmara Municipal tratava de requisitar a cama de um morador, e se esse recusasse, era expulso de casa por força militar. Quanto a cultura, Leite lembra que o máximo exigido, e isso por algumas poucas famílias, era que os meninos aprendessem a ler e as meninas a costurar. Nada de bibliotecas nem livrarias: “em apenas quinze inventários encontra descrição de livros e estes não ultrapassam, no total, cinqüenta e cinco, a maioria de histórias de santos ou livros didáticos” (LEITE, 1983, p. 245). Ou seja, “do bem escrever”, não se encontra documentos ou outra evidência que comprove o que Vianna havia citado. Do “bem falar”, Leite ironiza, dizendo que isso só seria real se Vianna estivesse se referindo a boa fluência dos índios no tupi. Naquela época, segundo Leite, apenas na cidade de São Paulo viviam sessenta mil índios, contra quatro mil brancos e mestiços. Para Leite isso prova que Vianna desprezava a documentação utilizada por historiadores da época para poder inventar “sua”
história.

Mas a obra de Vianna não se preocupava apenas em enaltecer as “virtudes” da população branca. Seu pensamento era similar ao de Nina Rodrigues quando citava a questão da mestiçagem. Os dois partilham do ponto de vista que negros e mulatos eram a razão dos fracos níveis de desenvolvimentos existentes no Brasil. Para Vianna, devido ao fato da ausência de mulheres brancas durante a colonização, a mestiçagem ocorrida no país foi prejudicial, pois apesar do mestiço ter herdado parte da inteligência e caráter do ariano, conservou também as qualidades da raça inferior. Esse acontecimento resultou, segundo Vianna, num impedimento de ascensão econômica e cultural do Brasil.

Outro ponto de vista compartilhado por Vianna e Nina Rodrigues é a aplicação da teoria do evolucionismo na questão racial. Para Vianna, se duas raças desiguais eram colocadas juntas, as menos capazes seriam absorvidas e dominadas pelas mais desenvolvidas, gerando assim, duas classes: os senhores e os servidores. Segundo o autor, o negro nunca poderia absorver a cultura dos brancos; poderia, quando muito, ter a capacidade apenas de imitar. A semelhança com as conclusões de Nina Rodrigues continuam: quando um negro tornava-se exceção e, por algum motivo, se destacava, a este fato era atribuído sua descendência não pura, ou seja, parte de seu sangue fora herdado pelo contato com o branco.

Como era praxe para cientistas da época – principalmente aqueles que eram discípulos do evolucionismo – Vianna também sucumbiu a tentação de criar uma escala de desenvolvimento racial. Para o autor, os índios eram considerados como seres “fora” da civilização, que viviam como selvagens, e portanto, num período mais próximo aos primórdios vividos pelos antepassados europeus. Já os negros, estavam num degrau acima, mas mesmo que pudessem ser considerados possuidores de uma cultura, esta ainda estava muito atrasada na comparação com a dos europeus. E no topo obviamente encontram-se os brancos, que faziam parte do que havia de mais avançado dentro da evolução humana.

Mas ao fazer tais afirmações, Vianna comete erros metodológicos que beiram o amadorismo. Segundo Leite, Vianna não organiza seu pensamento de forma clara e acaba, por diversas vezes, entrando em contradição. Além disso, o autor mais citado em seus livros é ele mesmo, comprovando a fraqueza de seus argumentos.

“a confirmação de uma afirmação está em outra, do mesmo livro, ou de livro que promete
publicar, embora nenhum caso se dê um documento comprobatório.” (LEITE, 1983, p. 245)

Os livros de Vianna parecem ter apenas dois sentidos: enaltecer constantemente o ego da elite e reforçar estereótipos de negros e mestiços. Mas é difícil manter-se coerente quando a tarefa é buscar elogios contínuos as diferentes épocas e situações vividas pela dominação européia. Um exemplo é sua visão sobre D. Pedro II: para Vianna, durante o meio século de seu reinado, D. Pedro II exerceu a “mais nobre das ditaduras”. Para o autor, um dos feitos do imperador foi aplicar uma retificação moral sem precedentes na história, na ordem privada e pública. Mas, ao afirmar isso, Vianna esquece de todas as qualidades morais enaltecida por ele sobre a aristocracia da época durante as 400 páginas anteriores. Então, que sentido teria um governo forte baseado na ditadura moral? Para Leite, Vianna sé estava externando um pensamento que a cada dia ganhava mais força no início do século XX: a idéia de que o Brasil precisava de um governo autoritário, para “pôr ordem na casa”, era influenciada pelo movimento fascista que também sofria expansão na Europa.

Quando Vianna deparava-se com um argumento que não condizia com suas idéias, ele o ignorava. Um exemplo disso é a visão que Vianna tinha de São Paulo durante o início da colonização. O autor acreditava que naquela época vivia-se um período de esplendor, e mesmo sem apresentar nenhuma evidência científica para basear qualquer afirmação, seja um documento histórico ou uma pesquisa empírica, Vianna defendia ser esta a verdade. A tal ponto de chamar de mentirosos historiadores como Pedro Taques, que diante da análise de diversos documentos do início da colonização, pode verificar que a maioria da população de São Paulo era pobre, até mesmo para os padrões da época. Mas Vianna decide não aceitar esses dados e segue com sua teoria sobre desaceleração do desenvolvimento econômico e cultural, fato esse não somente atribuído à mestiçagem, mas também somado aos episódios acontecidos em 1888. O mais intrigante de todos estes fatos é que, apesar das críticas que Vianna já sofria em seu tempo em virtude da fraqueza de seus argumentos e idéias, seus livros tiveram várias edições publicadas e foram citados em diversos momentos como se fossem fruto de uma pesquisa idônea. Para Leite, Vianna não passou de um homem infeliz que sofria com seu próprio estigma:

“sua obra mostra para o sociólogo e o psicólogo a crueldade do domínio de um grupo, por
outro: o grupo dominado acaba por se ver com os olhos do grupo dominante, a desprezar e a odiar, em si mesmo, os sinais do que os outros consideram sua inferioridade” (LEITE, 1983, p. 253)

O evolucionismo também serviu como base para Alfredo Ellis, em suas análises sobre diferentes grupos raciais. Segundo o autor, no início da colonização, os portugueses que vieram para o Brasil não pertenciam à aristocracia, mas nem por isso deixavam de ser elementos eugenicamente bons. Já os negros pertenciam a uma raça biologicamente inferior, e uma prova disto estava no alto grau de mortalidade verificado nestas populações. Por isto Ellis não acreditava que o negro representasse qualquer tipo de ameaça ao branco, pois o considerava membro de uma raça fraca e involuída. Pela teoria de evolução, quando dois grupos de seres vivos disputam o mesmo espaço, sobrevive aquele mais adaptado, ou mais evoluído. Neste sentido, Ellis traça um paralelo entre este conceito e a realidade étnico-racial encontrada no Brasil: na convivência com o branco, as populações negras estavam fadadas a extinção. Uma das teorias do autor, entre outras, era a seguinte: “as bruscas mudanças de temperatura são prejudiciais à respiração desses grupos, cuja maior espessura dérmica sobrecarrega a respiração dos pulmões”(ELLIS JR., 1934, p. 115).

Essas conclusões sofriam forte influência do cientificismo do século XIX. Foi nesta época que se popularizaram os estudos do homem através de preceitos e métodos que procuravam medir a capacidade intelectual de cada raça por diversos aspectos biológicos. O interessante de se observar é o prestígio alcançado por este tipo de ciência, da qual mesmo atualmente, encontra pessoas dispostas a invocar em seus argumentos as conclusões feitas neste período. O motivo deste sucesso não é a força de suas “descobertas”, mas a base de uma metodologia científica usada para embasar suas análises, com “provas” de difícil questionamento. A ciência, ou o “cientificamente comprovado”, eram frequentemente palavras que garantiam a verdade do que se era afirmado. Neste panorama, o evolucionismo de Darwin tem um lugar muito saliente, sobretudo porque permite colocar o homem como um ser biológico, que pode ser separado por raças, assim como os animais. O cientificismo procurava explicar os processos das diferentes formas de ser através de influências externas e internas do meio e da descendência genética. Como exemplos desta “moda” temos as conclusões feitas por Lapouge ao medir tamanho de crânios entre um cemitério da elite e outra popular; as teorias de Buckle que procuravam explicar como o clima influenciava no desenvolvimento de um povo – no caso do Brasil, a culpa seria do vento alísio, que provocava chuvas constantes, uma natureza exuberante, que fazia do homem um ser a par deste ambiente, de modo que, para sobreviver, ele se integrava ao ambiente tornando-se assim um selvagem.

Um dos grandes expoentes no Brasil a usar esta literatura para explicar os processos sociais aqui ocorridos foi Sílvio Romero. A pretensão científica do autor contribuiu para muitos juízos falsos sobre as relações étnico-raciais brasileiras.

Dante Moreira Leite fala que Sílvio Romero era uma vítima da pobreza do ambiente próprio para o melhor desenvolvimento do raciocínio. Leite afirma que Romero demonstra um esforço intelectual para tentar entender as questões sociais do Brasil, mas sua metodologia era ingênua e mal aplicada, não permitindo assim um melhor desenvolvimento de suas análises e caindo para o perigoso campo da generalização. Leite conta que as conclusões de Romero eram feitas após leituras ocasionais de autores estrangeiros, que tinham uma visão preconceituosa da realidade vivida aqui. Para se ter uma idéia desta influência, faço um recorte de um trecho de depoimentos pessoais de Romero publicados por Leite:

“De um modo geral, e apesar das diferenças acaso existentes entre eles, esses autores
(Spencer, Darwin, Haeckel, Büchner, Vogt, Moleschott e Huxley) eram evolucionistas, isto é, aceitavam uma evolução linear da história humana, cujo ponto final seria a sociedade européia do século XIX. Pelo menos a partir de Darwin, pensa-se que essa evolução resulta da luta pela vida, onde os mais fortes vencem os mais fracos, transmitindo aos seus descendentes essa maior adaptabilidade ao ambiente. Disso decorre que a história humana pode ser explicada através de critérios físicos ou biológicos: o meio e a raça. (...) Na primeira parte deste ensaio já se indicou que essa teoria não só explicava o predomínio da raça branca – que alguns autores denominavam ariana – mas também justificaria as suas futuras conquistas, como raça mais capaz e adaptada. Se o Brasil era evidentemente composto por raças então consideradas inferiores, seria necessário considerar que o país estaria irremediavelmente condenado a ser dominado por raças superiores.” (ROMERO, 1971, p. 75)

Seguindo esta linha de pensamento, Sílvio Romero conclui porque considera o brasileiro um retrato do português. Se a tendência da convivência de raças que estejam em diferentes períodos de evolução é de a mais forte dominar a mais fraca, obviamente a cultura imposta será a do português. Abaixo as considerações de Romero com relação a cada um dos “tipos” de pessoas da sociedade brasileira:

• Índio – tipo quase perdido, que se vai esvaecendo cada vez mais, que praticamente em nada contribui para o desenvolvimento do Brasil.
• Africano – rebelde aos processos intelectuais, tem alterado nossa fisionomia como povo sem agregar nenhum valor a sociedade.
• Latinos – bestamente atrasada e infecunda, composta de mestiços estupidamente indolentes, talhados para escravos.

Leite lembra que estas análises foram escritas na fase pessimista de Sílvio Romero, portanto de forte influência do pensamento estrangeiro: “por um processo que, aparentemente, não esclareceu, Sílvio Romero chegaria mais tarde a uma posição diferente” (LEITE, 1983, p. 200). Leite afirma que anos mais tarde, o próprio Sílvio Romero reconhecerá ter passado por três fases: a do otimismo da infância, o pessimismo radical e intratável e a crítica imparcial, que teria chegado através do estudo da vida brasileira.

Mas mesmo na fase da “crítica imparcial”, Sílvio Romero atribui conseqüências típicas do cientificismo para explicar suas teorias. Para o autor, o clima e a mestiçagem com raças inferiores são fatores para a formação de uma sub-raça – a brasileira – que era distinta da européia. Como outros autores da época, Romero chega a dar impressão de acreditar numa política de possível “branqueamento”
da população como solução para as degenerações acima citadas.

Podemos encontrar similaridade no pensamento de outro famoso autor desta época: Euclides da Cunha. Para o autor, a mistura das raças é na maioria das vezes, prejudicial ao desenvolvimento da nação. Como a maioria dos autores que usam o evolucionismo para explicar as diferenças entre as raças, Euclides também entra em contradição. O autor montou um esquema do desenvolvimento do regionalismo brasileiro no século XIX, descrevendo, sobretudo a vida do sertanejo nordestino.

Em “Os Sertões”, Euclides da Cunha procura narrar os fatos muito mais como uma reportagem jornalística do que um estudo científico. O autor expressa livremente sua opinião sobre fatos políticos e eventos históricos, através de um estilo literário de narração. Sem dúvida é uma obra de grande sucesso, tornando seu conteúdo ideológico bastante interessante de ser analisado. Euclides também é adepto da teoria das três raças e sua influência no comportamento do brasileiro. O autor enaltece o sertanejo, chamando-o de “rocha viva de nossa raça” (CUNHA, 1966, p. 579). Para Euclides, o jagunço sertanejo encontrou tantas adversidades na sua formação que constituiu um povo forte. Porém, a contradição está exatamente no fato de Euclides não observar o jagunço nordestino como um mestiço.

Para Euclides o mestiço era um intruso, pois não lutou para adquirir a terra, não conquistou seu lugar, mas sim foi apenas fruto de uma relação da raça superior com outras inferiores. O próprio autor tem consciência desta contradição, e procura amenizá-la através da seguinte teoria:

“enquanto no litoral o mestiço está submetido a uma civilização superior, que não pode
acompanhar ou absorver, os homens do sertão, longe da civilização, não precisam adaptar-se a um estágio social superior e podem preparar-se para um dia recebê-la. Em outras palavras, a raça cruzada já constitui uma raça autônoma e, em vez de ser obrigada, como a do litoral, a adaptar-se a uma civilização, poderá evolver, diferenciando-se, acomodando-se a novos e mais altos destinos, porque é a sólida base do desenvolvimento moral ulterior. (...) O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.”(CUNHA, 1966, p. 584)

Ao afirmar isto, Euclides também aplica o evolucionismo de Darwin, ao acreditar que cada “raça” está num diferente estágio de desenvolvimento e quando elas entram em contato, há uma absorção e dominação da mais forte sobre a mais fraca. Ao se isolar, o sertanejo nordestino não sofre esse contato que poderia ser prejudical à sua formação, que na opinião de Euclides da Cunha, é o que ocorreu com o mestiço do litoral.

Se Euclides da Cunha, Sílvio Romero, Nina Rodrigues, Oliveira Vianna e Alfredo Ellis Júnior partilhavam dos conceitos de raça inferior, Azevedo Amaral tinha uma análise mais próxima a Arthur Ramos, quando atribuía o fator de desenvolvimento à cultura. Amaral julgava que os brancos continham valores em sua cultura mais elevados do que a de índios e negros: “o branco terá de firmar sua supremacia espiritual, aproveitando-se apenas dos valores africanos e ameríndios, quando muito como elementos decorativos de seu triunfo” (AMARAL, 1934, p. 262). Amaral, ao final de seu livro, lança um dilema: seria possível ao brasileiro ser “uma raça biologicamente mestiçada” (AMARAL, 1934, p. 264), mas conservar os traços essenciais da mentalidade do branco?

Dante Moreira Leite vê nas teorias de Affonso Arinos de Mello Franco teorias muito similares as de Azevedo Amaral. Segundo Leite, o ponto de partida do autor é a teoria de Spengler, de onde retira a distinção entre cultura e civilização. A cultura pode ser divida em dois pólos: primitiva e superior. Aqui vemos claramente uma semelhança com as teorias de Ramos e Amaral. E essa similaridade segue: para Franco, o processo de dominação entre raças é algo inerente à natureza, e a civilização é o produto máximo desta evolução. No entanto, Affonso Arinos de Mello Franco contraria Spengler ao dizer que o “Brasil foi teatro histórico de um grande choque entre duas culturas e uma civilização” (FRANCO, 1936, p. 114), pois para Spengler só era possível haver desenvolvimento a partir de uma única cultura. O que Franco afirmava é que no Brasil o branco destruiu as civilizações negras e índias, mas não sua cultura. O autor acreditava que essa foi a única forma que negros e índios encontraram para se opor ao domínio branco. Affonso Arinos de Mello Franco também era um dos intelectuais que partilhava da idéia das três raças. Para o autor, as tendências de comportamento do brasileiro provêm de três influências distintas, de modo que cada elemento constitutivo das culturas inferiores foram assimilados pela civilização colonial branca, transformando para sempre o caráter nacional.

O resultado disso, para Franco, era de que o Brasil nunca alcançaria uma organização civilizada. Pela “má” influência vinda das culturas inferiores, seria impossível atingirmos uma ascensão suficiente para acompanhar outras nações mais desenvolvidas. Para Leite, isto é uma pregação nitidamente fascista:

“a massa popular precisa ser contida pela elite branca, e ser contida pela força, pois as
características primitivas do povo impedem que atinja a civilização. Aqui, a solução fascista – prenunciada no aristocratismo de Oliveira Vianna – é claramente proposta, até com certa ingenuidade” (LEITE, 1983, p. 270)

Mas não somente teorias racistas foram produzidas pelo Brasil durante este período. Um autor, que hoje é denominado como um “rebelde esquecido”, construiu análises consideradas bastante avançadas para sua época. Talvez por isso, durante muitos anos, suas teorias tenham passado despercebidas. A razão fundamental para a amnésia literária sofrida por Manuel Bomfim pode estar ligado ao fato de suas idéias não serem compatíveis com o discurso intelectual disseminado daquele momento. Dante Moreira Leite define Manoel Bomfim como um “nacionalista num período de pessimismo” (LEITE, 1983, p. 276). Enquanto a maioria dos pensadores do início do século XX procuravam explicações para a “inferioridade” do povo brasileiro, Manoel Bomfim procurou aplicar a realidade através de uma perspectiva socialista.

Numa época em que Gobineau era considerado um “gênio possante” e se discutia a “arianização”
do Brasil, Bomfim explicita a seguinte opinião sobre o assunto:

“o francês Gobineau, mesquinha mentalidade de diplomata, que se promoveu a conde,
considerou-se promovido também em sangue, e proclamou, sobre as raças desiguais, a absoluta superioridade dos germanos (...) pois que um aristocrata francês é de sangue germano (...)” (BOMFIM, 1935, p. 340)

Mas é em “A América Latina: Males de Origem” (1905) que Bomfim melhor descreve sua impressão sobre o caráter nacional. Num primeiro momento, o autor observa como a orla de políticos e jornalistas europeus, embora normalmente tenham opiniões distintas, acabam sempre por concordar com a teoria da América Latina ser uma região atrasada, povoada por mestiços indolentes e degenerados. Para Bomfim, os europeus têm uma visão muito reduzida da realidade, o que não os permite olhar os problemas da região de outra maneira a não ser por uma ótica preconceituosa e carregada de ideais de domínio. Bomfim acredita que há uma falta de foco científico na análise da realidade brasileira, e sobram idealismos. Dessa maneira, segundo o autor, não é possível conhecer as origens dos problemas enfrentados por esta região, a fim de modificar para melhor as condições de vida dos povos habitantes da mesma.

Bomfim declara que muito dos problemas enfrentados no Brasil era similares aos que Portugal e Espanha também padeciam. Entre eles, a inércia de desenvolvimento cultural e a constante luta pelo poder através de disputas guerrilheiras. Bomfim é um dos primeiros a pensar nos problemas acarretados pela maneira como o Brasil foi colonizado. O autor explica que o sentimento que trouxe o português não foi o de ampliação de uma rota comercial que ampliasse o número de países que pudessem manter uma relação mercantil com Portugal, mas sim, o objetivo de conquista, subjugação e exploração. Nunca houve no Brasil, durante o período colonial, uma iniciativa que visasse o bem coletivo. Para Bomfim, uma das conseqüências deste modo de governar era o parasitismo, ou seja, a completa falta de desenvolvimento, onde a única preocupação era a extração maciça dos bens naturais. O parasitismo leva ao conservadorismo, que gera o sentimento de inércia, pois procura-se manter a situação de privilégio durante o maior tempo possível."


---
Fonte:
RONEI T
EODORO DA SILVA: "O Dilema da Cota: Uma reflexão sobre as políticas de igualdade racial na universidade brasileira". (Dissertação com vista à obtenção de Mestre em Ciências Sociais. Orientador: Prof. Dr. Édison Luis Gastaldo) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, 2008.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!