A teoria microbiana das doenças

“No início do século XIX surgiram indícios de que as doenças poderiam ser causadas por parasitas microscópicos. Antes disso, os microorganismos foram observados em organismos doentes, mas inicialmente foram considerados como uma consequência da doença e não como sua causa. A partir de 1830, os estudos sobre uma praga que ocorria no bicho-da-seda, a qual Agostino Bassi (1773-1856) chamou de “muscardina” começaram a indicar que a presença do microorganismo nas lagartas doentes era a causa da doença, e não uma consequência da mesma. Agostino Bassi observou que esses insetos morriam quando infectados por esses microorganismos e que a doença era transmitida pelo contato ou por comida infectada.

Na segunda metade no século XIX, as criações de bichos-da-seda foram novamente foco de uma doença contagiosa. O naturalista Armand de Quatrefages (1810-1892) foi relator da comissão formada pela Academia de Ciências de Paris com a finalidade de estudar a doença que estava prejudicando as criações de bichos-da-seda, a qual era de grande importância econômica na França nesse período. Quatrefages apresentou entre 1858 e 1860, suas conclusões à Academia de Ciências de Paris acerca dos estudos da doença que ele chamou de “pebrina”.

Segundo Quatrefages, a pebrina era diferente da muscardina estudada anteriormente por Bassi. A pebrina se caracterizava pela presença de manchas escuras na pele dos animais, além de corpúsculos dentro do corpo desses organismos infectados. Quatrefages considerou a pebrina como uma doença que atingia, ao mesmo tempo e no mesmo lugar, um grande número de organismos. Por isso ressaltou a importância de se adotar medidas de higiene e alimentação adequada em relação aos bichos-da-seda, a fim de evitar e diminuir os casos de pebrina nesses animais.

Quatrefages não considerava os microorganismos como a causa da doença (eles seriam um dos sintomas) e baseou-se nos miasmas para explicar a transmissão e contágio dos bichos-da-seda. Por este motivo, ele destacou que os criadores deveriam adotar medidas de higiene e que se trabalhasse com culturas pequenas que se encontrassem em ambiente arejado. Essas medidas evitariam os miasmas. Além disso, Quatrefages classificou a pebrina como uma doença hereditária, pois aparentemente as lagartas doentes geravam ovos já contaminados.

Durante um curto período de tempo a situação dos sericultores da França melhorou, pois os produtores começaram a importar os bichos-da-seda e tomar os cuidados recomendados por Quatrefages, porém, logo as novas lagartas se contaminavam com a pebrina, tornavam-se doentes e produziam também ovos que geravam lagartas contaminadas. A situação para os sericultores tornou-se tão grave que, em 1865 o Senado formou uma nova comissão para estudar a doença dos bichos-da-seda. Jean-Baptiste Dumas indicou Pasteur para fazer parte da nova comissão. Pasteur aceitou a indicação de Dumas e passou a integrá-la.

Pasteur comentou com Dumas que nunca tinha tido qualquer contato com o bicho-da-seda. Mas mesmo assim, aceitou o convite para trabalhar nas pesquisas sobre a pebrina. Antes de iniciar seus trabalhos com os bichos-da-seda, na cidade de Alais, Pasteur leu os relatórios de Quatrefages.

Pasteur chegou em Alais, onde a comissão formada pelo senado realizava as pesquisas com os bichos-da-seda e começou a observar as lagartas. Segundo Vallery-Radot, a principal preocupação de Pasteur era descobrir a causa da pebrina e não desenvolver métodos para a cura das lagartas já infectadas. Pasteur realizou algumas observações dos corpúsculos encontrados nos corpos das lagartas doentes ao microscópio, porém sua pesquisa foi interrompida pelo falecimento de seu pai, o que fez com que ele deixasse Alais e fosse para Arbois, cidade onde seu pai morava. Durante esta primeira e breve parte da pesquisa, Pasteur não trouxe nenhuma contribuição para o caso da pebrina.

Voltando para Alais, ainda em 1865, Pasteur retomou a sua pesquisa. Vallery-Radot descreveu o retorno de Pasteur ao estudo da pebrina como sendo motivado pela sua compaixão para com os sericultores:

Chegando a Alais, Pasteur retomou suas observações com o ardor científico mesclado à febre generosa produzida pelo desejo de minorar as desgraças alheias. E Pasteur detinha tristemente seu pensamento sobre as dores da população.

Na obra A vida de Pasteur, Vallery-Radot descreveu Pasteur como um grande benfeitor, que trabalhava sempre com o intuito de ajudar aqueles que eram prejudicados em situações como as doenças. No caso da pesquisa sobre os bichos-da-seda, a motivação de Pasteur seria os sericultores, que eram prejudicados pela perda das lagartas. Tais afirmações de Vallery-Radot podem ser consideradas duvidosas, já que segundo os estudos feitos até agora, não foram encontradas menções a tais motivações nem na correspondência e nem na obra de Pasteur.

Ao retomar seus estudos sobre a pebrina, Pasteur observou que as lagartas doentes aparentemente produziam ovos doentes. Durante essa fase da pesquisa, ele levantou a seguinte hipótese:

Toda borboleta que tenha corpúsculos deve dar lugar a uma semente doente. Se uma borboleta está pouco carregada de corpúsculos, sua semente fornecerá bichos que não os apresentarão ou que só excepcionalmente os apresentarão no fim de sua vida. Se a borboleta está supercarregada de corpúsculos, desde a primeira idade do bicho, poderá o mal se acusar pelos corpúsculos ou por estes sintomas que permitem prever o mau êxito de uma ninhada.


Tal hipótese já havia sido levantada anteriormente por Quatrefages, antes mesmo de Pasteur começar suas pesquisas sobre a pebrina. Novamente Pasteur teve sua pesquisa interrompida, pois sua filha mais nova, de dois anos de idade, Camille Pasteur, estava muito doente. Pasteur se afastou da pesquisa durante algum tempo, pois sua filha falecera, mas ainda no final de 1865, Pasteur iniciou, junto a Claude Bernard, pesquisas sobre a cólera.

Pasteur retornou a Alais somente em janeiro de 1867, retomando sua pesquisa sobre a pebrina. Pasteur observou que lagartas doentes podiam transmitir seus corpúsculos para lagartas sadias, tornando-as corpusculosas e, por consequência, também doentes.

Durante o período de 1865 a 1867, Pasteur dedicou-se paralelamente ao estudo da pebrina, da produção do vinagre, do vinho e da cólera. Segundo consta na obra A vida de Pasteur, diversas vezes Pasteur deixou de lado seus estudos sobre a pebrina por causa dessas pesquisas paralelas, para cuidar de assuntos políticos e também problemas pessoais. Este tipo de atitude de Pasteur contradiz o que Vallery-Radot tanto destacou em sua obra: a preocupação de Pasteur com os sericultores e sua vontade de melhorar as condições de trabalho dessas pessoas. Isto se aplica especialmente ao caso das pesquisas paralelas e questões políticas.

Os resultados obtidos por Pasteur sobre a pebrina, foram até então pouco conclusivos e muito semelhantes aos de Quatrefages. Ainda em Alais, Pasteur apresentou a “solução” para a doença dos bichos-da-seda. Ele sugeriu que os criadores separassem os ovos assim que fossem colocados pelas lagartas, para que eles não fossem contaminados. A sugestão de Pasteur também é semelhante a de Quatrefages, que já havia alertado para o contágio entre as lagartas e os ovos. Além disso, Pasteur não atingiu o objetivo, proposto por ele mesmo, de encontrar a natureza dos corpúsculos e de descobrir a causa da doença."


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Fonte:
Sabrina Páscoli Rodrigues: "Galtier, Pasteur e Roux: estudos sobre a raiva – 1879/1885”. (Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em História da Ciência, sob a orientação da Profª. Drª. Lilian Al-Chueyr Pereira Martins). São Paulo, 2010.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada.

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