Determinismo e liberdade

"Outro aspecto que parece endossar a subscrição ontológica do determinismo é o clássico debate envolvendo determinismo e liberdade. Tanto os defensores (LEIBNIZ, 1715-1716/1973b) quanto os críticos (PEIRCE, 1892/1992b; POPPER, 1956/1988) de uma suposta compatibilidade entre determinismo e liberdade parecem partir de afirmações ontológicas sobre determinação do mundo.

Se determinismo ontológico pressupõe a fixação exclusiva ou única de um evento ou estado, então, a liberdade seria uma ilusão. Ora, se o mundo é determinado, e se nossas ações são parte desse mundo, então, nossas ações também são determinadas, como qualquer outro acontecimento deste mundo. Considerando ainda que essa determinação é única ou não-ambígua, não poderíamos ter feito o contrário do que fizemos: em cada circunstância não podemos agir diferentemente da maneira que agimos, ou seja, qualquer ação diferente da ação atual é fisicamente (ou metafisicamente) impossível. Nesse contexto, a visão de que engendramos livremente nossas próprias ações se deve simplesmente ao fato de sermos ignorantes de todas as causas do ato. A liberdade, aqui, não passaria de uma quimera.

Isso nos leva a concluir que a suposição de um mundo determinista é incompatível com a liberdade humana (DORATO, 2001).

Com isso, o determinismo ontológico parece criar um abismo intransponível entre determinismo e liberdade. Se admitirmos, por um lado, que o mundo é determinista e, por outro, que a liberdade é um fato, então, para não cometermos uma contradição, temos que concluir que as ações humanas não pertencem a esse mundo. Ora, dizer isso é o mesmo que defender que há dois domínios: um regido por leis deterministas, e um livre. No entanto, essa tese dualista já não pode mais ser considerada determinismo ontológico, uma vez que essa doutrina é freqüentemente apresentada em termos de “tudo no mundo é determinado”.

Uma possibilidade de tentar conciliar determinismo ontológico com liberdade seria redefinir ‘liberdade’ de maneira que não seja identificada como uma negação de leis deterministas. É possível entender, por exemplo, liberdade como ausência de obstáculos (CARLIN, 2004; DORATO, 2001; LEIBNIZ, 1715-1716/1973b). Liberdade, aqui, é o poder para fazer o que se quer. Embora nossa vontade seja causada por eventos antecedentes, somos livres quando não há obstáculos físicos (quando, por exemplo, não somos amarrados, amordaçados) ou psicológicos (quando não somos chantageados, ameaçados, hipnotizados ou dopados).

Outra estratégia para compatibilizar determinismo e liberdade é considerar o primeiro como condição necessária para a segunda. Se o mundo é determinado, e se formos conscientes dos fatores determinantes de nossas ações, poderemos também determinar mudanças no mundo. Assim, a consciência e manipulação planejada de leis seriam entendidas como condição para alcançar a liberdade, substituindo a servidão à qual a ignorância das leis nos condena. A liberdade, portanto, reside justamente aí: na possibilidade de mudar o curso das coisas, embora essa mudança também seja determinada (DORATO, 2001).

Evidentemente, os argumentos envolvidos são muito mais complexos, e requerem um detalhamento das próprias noções de determinismo e liberdade envolvidas. A despeito da complexidade do assunto, a menção da querela entre determinismo e liberdade serve apenas para mostrar que é a feição ontológica do determinismo que parece participar de boa parte dessa discussão."

É isso!


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Fonte:
CAROLINA LAURENTI: "Determinismo, Indeterminismo e Behaviorismo Radical" (Tese desenvolvida sob orientação do Prof. Dr. Mark Julian Richter Cass, apresentada junto ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de doutor em Filosofia. Área de concentração: Epistemologia e Filosofia da Mente Orientador: Prof. Dr. Mark Julian Richter Cass). São Carlos, 2009.

Nota
:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada.

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