Padre Cícero: "o messias de Juazeiro"

O messias de Juazeiro/advogado dos pobres

“Padre Cícero Romão Batista nasceu em Crato, cidade do Ceará, em 23 de março de 1844. Dando continuidade aos seus estudos para o sacerdócio, entrou, em 1865, para o seminário da Prainha em Fortaleza, do qual foi afastado em 1868, já subdiácono e professor de teologia. Readmitido, foi ordenado presbítero em 1870, aos 26 anos de idade. Esta ordenação não contou com o voto do reitor, padre Augusto Chevalier, que considerava o aluno propenso a visões fantasiosas. Em 14 de abril de 1872, fixou-se como pároco em Juazeiro, povoação que tinha, na época, umas seis casas de telha e trinta choupanas, aproximadamente, e uma capelinha.

Alcançou, ao longo de seu sacerdócio, alcunhas como as de varão piedoso, dedicado pai dos pobres, conselheiro e protetor dos desvalidos. Denominações que o envolviam em uma atmosfera de santidade. Desprendimento e abnegação aumentavam o respeito que a população lhe dedicava. A fama de homem extraordinário aumentava, ainda que existissem outras opiniões ao seu respeito (QUEIROZ, 1965, p. 232).

Padre Cícero interveio ativamente quando a cidade de Juazeiro, entre 1877 e 1879, foi acometida por flagelos e por epidemias. Nas ocasiões em que a estiagem assolou a região, seu comportamento foi o mesmo: instalou retirantes em terras que eram suas e nas quais os retirantes podiam cultivar de graça; aconselhava sobre novas culturas, como a mandioca, a maniçoba; distribuía víveres; incitava a construção de obras públicas nas quais os retirantes pudessem ganhar a vida, etc. Realizava estas atividades não só com recursos que possuía, mas também, pedindo ao governo. Padre Cícero se apresentava aos governantes como porta-voz dos flagelados, como protetor dos humildes, como advogado dos pobres. Reforçava sua imagem de beato usando cabelos e barbas longos, batina descorada pelo uso, sandálias e, ainda, o bastão de peregrino.

As autoridades o consideravam “um elemento de ordem no sertão”. Sem ele não conseguiriam que a região permanecesse pacífica. Qualquer reação desencadeada pela Igreja não levaria a descrença aos ingênuos tabaréus. Mesmo que Padre Cícero fosse proibido pela Igreja de pregar, de ouvir confissões, de se entregar à direção das almas, de rezar a missa, os adeptos continuariam afluindo para se colocarem em definitivo aos pés dele. Somente para pedir a bênção.

A cidade de Juazeiro continuava crescendo. Padre Cícero obedeceu a todas as ordens da Igreja, apenas não admitiu que o tirassem de perto do “seu povo”. A partir dos milagres viveu praticamente independente de ordens. Se a Igreja não exigiu que cumprisse a ordem de abandonar Juazeiro foi porque ela sabia que os romeiros não deixariam a ordem ser cumprida sem luta. O Bispo do Ceará permitiu que o padrinho permanecesse em sua cidade. Padre Cícero mantinha-se obediente, proclamava sua adesão à Igreja, o que inviabilizava uma acusação de cismático.

Ainda que existissem dissabores, o prestígio do Padre Cícero não fazia senão crescer. Rodeado de adoração, cristalizavam-se ao redor de sua figura, lendas e milagres. Relatos sobre estas lendas e sobre estes milagres correram pelo sertão e muitos passaram a buscar a presença de Padre Cícero. Os cantadores espalhavam, através de seus romances, os prodígios mais extraordinários. Padre Cícero já não era mais o Padrinho, ele já era considerado o próprio Deus. Assim pensava o povo que o adorava.

Apesar da adoração, existem opiniões contrárias que definem o Padre como coronel e como protetor de bandidos. Um líder messiânico, como Padre Cícero de Juazeiro do Norte, Ceará (1870-1934), uma região que produziu muitos jagunços, tornou-se célebre sobre os camponeses pobres e sobre os jagunços e cangaceiros. Foi ele quem tentou armar Lampião para lançá-lo contra a Coluna Prestes. Ao contrário, porém, de outros lideres messiânicos e de outros rebeldes, a rebeldia do Padre Cícero circunscreveu-se ao interior da Igreja, suspenso de ordens. Fora dela, juntou jagunços e coronéis, tornandose ele próprio um poderoso coronel sertanejo que chegou até depor o governador do Ceará (MARTINS, 1981, p. 61).

Segundo Della Cava, o Padre Cícero não é nem santo, nem herói, seria, apenas, um simples e humilde devoto, como tantos outros sacerdotes do sertão do século XIX. O autor considera que ele se transformou em uma figura mais controvertida da história do Brasil pelas circunstâncias. Defensor involuntário de um “milagre”, Padre Cícero foi denunciado pela Igreja como impostor. Os temerosos coronéis, chefes políticos, o viam como perigoso agitador, pois, ele era aclamado como santo injustiçado pelas massas famélicas de sertanejos. Para estes últimos, Padre Cícero seria capaz de livrar os pobres e os enfermos de suas aflições.

Este era um dos papéis mais relevantes na vida política do Ceará, ser político era como ser um bem feitor um filantropo canalizando os descontentamentos das populações, a um complexo jogo de fatores, coube a esse obscuro sacerdote desempenhar entre populações miseráveis e contendo-os, numa região onde já dominavam a tendência milenarista e onde era comum a prática religiosa marcada pela fé ingênua e exaltada e, por outro lado, comandando, em virtude das forças sociais e políticas que despertou, um movimento religioso e popular de grande amplitude (DELLA CAVA, 1976, p. 28-30).

Juazeiro logo se transformou em uma potência política. A partir de 1907, graças ao prestígio de padre Cícero, Juazeiro foi elevada à categoria de município. Data da mesma época, o tão falado convênio entre os chefes políticos do Ceará, para pôr termo às lutas, às rivalidades políticas, que ensangüentavam os sertões. Tal reunião, convocada por Padre Cícero, sagrou-o chefe inconteste das hostes políticas do interior do Estado e o sinal dessa supremacia foi sua eleição, nesse mesmo ano, para vice-governador do Ceará.

Já dominado o Ceará, projetou-se no cenário da política nacional, apoiando a eleição de Floro Bartolomeu para deputado federal. Padre Cícero tinha, assim, na capital da República, o seu porta-voz. Mais tarde, foi demonstrada a extensão do poderio de ambos: eles dominavam o Estado, apoiados pelo governo federal. Juazeiro se transformou em capital política. Os romeiros de Padre Cícero decidiam as disputas eleitorais e o poder do Padrinho ofuscava totalmente o poder dos coronéis locais.

Outra prova da influência do líder carismático: suas ordens não eram contestadas. O considerado messias assumiu o controle total da cidade, exercia diretamente o controle e a supervisão de tudo, admoestando pessoalmente os culpados e infligindo, ele mesmo, os castigos, ora dando bolos de palmatória, até em homens casados, ora desferindo contra as costas do culpado o bastão no qual se apoiava. Aquele que recebia uma repreensão ou um castigo do Mestre ficava mais satisfeito do que se tivesse recebido uma bolsa cheia de moedas. Era um dia de festa para o castigado (QUEIROZ, 1965, p. 240).

Seu comando sobre a vida privada dos adeptos de sua Igreja era total e irrestrito. Nada faziam sem pedir licença, não se ausentavam, não aceitavam trabalho algum sem consultá-lo, não casavam sem ouvir-lhe a opinião. Os próprios divertimentos eram por ele regulados. Padre Cícero controlava a vida dos adeptos que habitavam a cidade e, ainda, de todos aqueles que o procuravam para lhe pedir conselhos referentes aos atos mais rotineiros da vida. Todos seguiam fielmente as palavras de Padre Cícero”.


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Fonte:
NORMA MOREIRA DE MORAIS: "REPENSANDO OS MESSIANISMOS DE CANUDOS E JUAZEIRO". (Dissertação apresentada ao Mestrado em Ciências da Religião da Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Ciências da Religião, sob orientação do Prof. Dr. Joel Antônio Ferreira). Goiânia-GO, 2006.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra

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