Integralismo X Fascismo

“A principal discussão em torno da A.I.B. é sua relação ideológica com o fascismo italiano. Afinal, Plínio Salgado, mentor intelectual do Sigma, era ou não fascista? Até que ponto o fascismo influenciou Plínio na concepção do integralismo? Plínio nunca admitiu ser fascista ou ter sido influenciado por esta ideologia (pelo menos assim propagavam os integralistas), como admitiram outros importantes integralistas, entre eles Miguel Reale e Gustavo Barroso, além daqueles que manifestaram-se através do jornal “Cidade de Olympia”.

A maioria dos estudos independentes aponta na direção de considerar o integralismo como um fascismo brasileiro, com destaque para o livro Integralismo – O Fascismo Brasileiro na Década de 30, de Hélgio Trindade, cuja segunda edição data de 1979. A antítese à teoria da relação entre as duas ideologias parte principalmente do livro O Integralismo de Plínio Salgado – Forma de Regressividade no Capitalismo Hiper-Tardio, de José Chasin.

Mesmo não sendo o objeto principal do nosso trabalho, é preciso travar uma breve discussão em torno da relação integralismo-fascismo, até porque a ideologia integralista aparece irremediavelmente identificada com a italiana nos artigos de camisas-verdes publicados no jornal “Cidade de Olympia”.

No artigo Repensar o Fascismo, Ismael Saz Campos demonstra a incessante busca de especialistas na tentativa de desvendar a verdadeira natureza do fenômeno e suas conseqüências radicalmente destrutivas. O fascismo representou o maior desafio à democracia liberal e ao sistema de valores inspirado pela Ilustração, afirma Saz Campos.

É evidente que o integralismo sofreu influências do fascismo, como admitem os próprios integralistas, principalmente as que convencionaram chamar de “exterioridades”. Símbolos, rituais, cerimônias, indumentárias eram meios de fortalecer a presença integralista nos mais distantes pontos do país. Nos anos 30, a propaganda visual era uma maneira de se fazer notar e foi também desta maneira que a Ação Integralista Brasileira conseguiu ser percebida e arregimentar seguidores em lugares como Olímpia, Marcondésia, Monte Azul Paulista, Severínia, Catiguá, no então sertão paulista. Não seria somente a eloqüência de seus intelectuais, que estiveram à frente do movimento em Olímpia como veremos adiante, capaz de cooptar simpatizantes e admiradores, uma vez que a maioria da população vivia na zona rural e, portanto, privada dos mais elementares recursos intelectuais. Exintegralistas entrevistados por este autor admitem que foram atraídos pelas “exterioridades”. João Batista Ricciardi foi um deles, atraído pela obediência, pela Educação Moral e Cívica, pelos desfiles e pelo “reluzente” uniforme.

As “exterioridades” servem para justificar a comparação ao fascismo, pensa a filha de Plínio Salgado, D. Maria Amélia Salgado Loureiro. Os críticos, segundo ela, teriam se apegado às exterioridades, o que seria uma faceta secundária. Plínio Salgado nunca teria considerado o Estado fascista como modelo a ser seguido, completa Maria Amélia.

No entanto, Alcir Lenharo afirma que a utilização das imagens (ou “exterioridades” como chamam os integralistas) como dispositivos discursivos de propaganda atendia a finalidades políticas muito claras, que os próprios teóricos do poder não escondiam. Segundo Lenharo, a intenção era espalhar essa carga emotiva e sensorial, de modo a atingir facilmente o público receptor, detonando respostas emotivas que significassem, politicamente, estados de aceitação, contentamento, satisfação, reações passivas e não críticas. Marilena Chauí observou que os integralistas buscavam incessantemente operar com imagens, primeiro porque são um espalhamento ampliado e iluminado da experiência imediata, dotadas da capacidade de unificar aquilo que nesta última aparece fragmentariamente e, segundo, unindo o disperso, a imagem, espelho dos dados imediatos, exclui a reflexão e, simultaneamente, cria a ilusão de conhecimento, graças ao seu aspecto ordenador. Ao estudar o discurso integralista, Chauí conclui que esse procedimento possui também um efeito de cunho psicológico servindo tanto para apaziguar o destinatário pondo em ordem sua experiência, quanto para alarma-lo com a desordem existente no mundo. Portanto, se as “exterioridades” serviram para justificar a comparação do integralismo ao fascismo, como pensava Maria Amélia Salgado, também serviram para propagar os dogmas integralistas: disciplina, ordem, obediência, civismo.

A realidade é que a doutrina fascista influenciou os diversos intelectuais do Sigma que abasteciam o jornal “Cidade de Olympia” com artigos integralistas. Vários aspectos deixam evidente essa influência: o anticomunismo, o antiliberalismo, a crítica à plutocracia, ao individualismo, a defesa do totalitarismo, do Estado corporativista, do partido único, o culto ao chefe, o nacionalismo e uma certa idolatria a Mussolini, Hitler e Salazar.

Plínio Salgado durante sua viagem ao Oriente e Europa em 1930, encontrou-se com Benitto Mussolini e na carta escrita em 4 de julho ao tabelião de São Bento do Sapucaí, Manoel Pinto, revelou sua admiração pelo que o fascismo fez pela Itália. Plínio revelava na oportunidade que estava estudando muito o fascismo e que não era exatamente o regime que o Brasil precisava, mas coisa semelhante. Em outro trecho da mesma carta, o futuro chefe integralista demonstrava entusiasmo pelo que viu na Itália e afirmava: “Há outras cousas interessantíssimas aqui. Volto para o Brasil disposto a organizar as forças intellectuaes esparsas, coordena-las, dando-lhes uma direcção, iniciando um apostolado.” Isso aconteceu em 1932, quando Plínio reuniu algumas forças intelectuais e fundou a S.E.P. – Sociedade de Estudos Políticos, embrião da A.I.B..

No livro O Integralismo – Síntese do Pensamento Político Doutrinário de Plínio Salgado o fascismo é considerado inaceitável por ser um regime supressor da liberdade individual e que elimina a representação política. É fundamental dizer que este livro publicado em 1981 tenta ser mais um instrumento que os integralistas usam para dissociar as duas ideologias.

Desde a fundação da A.B.I., em 1932, nota-se a preocupação de seus membros com a associação ao Fascismo, já que Plínio Salgado disseminava ser a Ação Integralista um movimento autóctone, livre da influência política européia. A adoção da camisa-verde, por exemplo, é explicada pelo princípio homeopático do “similis similibus curantur”, ou seja, os semelhantes curam-se com os semelhantes: a inoculação de vírus bom no organismo humano combateria o vírus mal, propiciando a cura do paciente infectado. A intenção era combater os movimentos nazifascistas que surgiam no sul do país.

Os integralistas afirmavam que o povo não poderia de imediato, compreender as diferenças entre as doutrinas vigentes na época, fascismo, nazismo, comunismo e integralismo, então era necessário chamar a atenção, polarizar o entusiasmo saindo às ruas com uma camisa cor das matas brasileiras e com a saudação extraída dos costumes tupis, Anauê!. A adoção de um uniforme seria o antídoto visando abrasileirar os movimentos alienígenas e impedi-los de formar quistos raciais.

Plínio Salgado procurava demonstrar que ideologicamente integralismo e fascismo se distanciavam, que o movimento brasileiro era uma criação autenticamente nacional, construída para “salvar” o Brasil dentro das suas condições históricas. Entretanto, a adoção de uma simbologia análoga à fascista como meio de combater as ideologias estrangeiras, acabou cooperando ainda mais para a associação entre integralismo e fascismo. Tanto que, se por um lado, essa simbologia ajudou a popularizar o movimento e a atrair militantes, por outro, proporcionou uma crítica mais acirrada dos anti-fascistas.

Enquanto os integralistas lutavam e ainda lutam para afastar o estigma de fascismo brasileiro, a maioria dos estudos sobre o movimento caminha na direção oposta. É o caso de Hélgio Trindade, que transformou sua tese de doutorado num dos mais importantes trabalhos sobre o tema. O clima de paixão política em que sempre estiveram envolvidos os camisas-verdes ou seus adversários explica porque um movimento típico dos anos 30 não fora ainda objeto de uma análise imparcial, argumenta Trindade. Ele afirma em seu estudo que o integralismo aproxima-se muito mais dos fascismos conservadores, o português (Salazarismo), o espanhol (Falange Espanhola) e o belga (Rexismo), em conseqüência de seu fundamento espiritualista inspirar-se na concepção tradicional da doutrina social católica, em oposição ao espiritualismo vago do fascismo italiano ou do agnosticismo nacionalsocialista alemão. Embora afirme ser o integralismo um movimento fascista brasileiro, Hélgio Trindade se surpreende pelo fato da ausência de qualquer referência explícita à influência fascista sobre a ideologia brasileira: a suprema ambição do chefe integralista seria a de construir uma doutrina política original. Além disto, seu nacionalismo chauvinista exaltado seria contraditório com a importação de qualquer dimensão da ideologia fascista.

Trindade entende que a viagem realizada por Plínio a Europa, em 1930, e seu contato com o fascismo italiano o teriam influenciado na concepção ideológica da A.I.B.. Gumercindo Rocha Dorea lembra que alguns grandes pensadores brasileiros colocavam o fascismo como a solução para o Brasil e que Plínio jamais disse ser o fascismo a solução para o Brasil, podendo somente ter servido de inspiração.

O autor de Integralismo defende que a simpatia de Plínio pelo fascismo teria influenciado suas idéias e que sua opção em favor da extrema-direita colocou-o numa posição paradoxal, pois ao mesmo tempo em que manifestava uma simpatia mais declarada pelos fascismos, procurava conceber um regime original para o Brasil. Trindade revela que o anticomunismo e a simpatia pelo fascismo europeu foram os principais motivos individuais para a adesão ao integralismo.

Ângelo Trento identifica o nacionalismo chauvinista de Salgado como fator de distanciamento entre as duas ideologias, apesar de também ver identidade entre as doutrinas. Apesar da evidente identidade de matrizes, a diplomacia italiana via no nacionalismo integralista elemento de conflito entre as doutrinas. O autor de Fascismo Italiano aponta estreitas relações entre o movimento integralista e o governo fascista italiano, mesmo com a desconfiança inicial do último, que descrevia Plínio como pessoa incompetente politicamente.

Talvez Plínio Salgado tenha deixado para outros integralistas a liberdade de expressar sua simpatia pelo fascismo, casos de Miguel Reale e Gustavo Barroso e a maioria dos que escreveram para o jornal “Cidade de Olympia”, enquanto propagava sua ideologia como autóctone, isenta de qualquer influência estrangeira.

As características entre fascismo e integralismo, no campo das idéias, mais se aproximam do que se distanciam. Os principais fatores de distanciamento foram o imperialismo e o militarismo, extremamente marcantes no fascismo. Todavia, é preciso ressaltar as diferenças históricas, geográficas e econômicas entre os dois países. No Brasil da década de 30 vivendo seu “tempo de lugar”, fora do “tempo do mundo” vivido na Europa, não cabia a defesa do imperialismo e do militarismo.

Ao analisar os artigos de integralistas publicados no jornal “Cidade de Olympia”, nota-se uma indisfarçável simpatia pelo fascismo e uma valorização dos líderes Mussolini, Hitler e Salazar. Na verdade, os integralistas que escreviam para o periódico mais pareciam compor uma espécie de fascio di combattimento, tamanha a exaltação aos princípios fascistas e a visão de que o integralismo como um mimetismo fascista representaria a salvação da pátria.

No artigo intitulado Nós e os Fascistas, publicado em 1936 na Revista Panorama, Miguel Reale definiu as relações existentes entre o integralismo brasileiro e o fascismo europeu: “Nada de extraordinário, por conseguinte, que sejamos brasileiros, nacionalísticamente brasileiros, e, ao mesmo tempo, apresentemos valores que se encontram também em movimentos fascistas europeus, como o de Mussolini, de Hitler e de Salazar”.

O integralismo pode ter sido um simulacro do fascismo, uma reprodução propositadamente imperfeita de uma ideologia que se encontrava no auge do debate político da época e que, naquele momento histórico, na esteira do embate com o comunismo, da crise do capitalismo e da democracia e da crítica violenta ao liberalismo, poderia servir aos interesses e à ambição de Plínio em chegar ao poder no Brasil, descontente que estava com os rumos tomados pela Revolução de 30. Mas, por outro lado, uma reprodução adaptada às condições política, econômica, social e geográfica do Brasil e respeitando seu tempo do lugar em relação ao tempo do mundo vivenciado na Europa.

José Chasin representa a antítese à idéia de mimetismo e prefere condenar Plínio e o Integralismo não por aquilo que seus inimigos entenderam ou puderam entender que fossem. O autor de O Integralismo de Plínio Salgado – Forma de Regressividade no Capitalismo Hiper-Tardio busca entender o movimento pliniano a partir da análise do discurso ideológico de Salgado como escritor, deputado perrepista e jornalista e acusa outros autores de primarem em desconhecer por completo os argumentos de Plínio afirmando a originalidade de seu pensamento.

Analisando o discurso pliniano, Chasin percebe que o chefe da AIB, quase trinta anos depois do movimento, concluiu que: A maior parte dos que se enfileiraram no movimento integralista deixaram-se dominar pelas exterioridades, escapando à influência das idéias-fontes, portadoras das energias criadoras e independentes de representações adequadas a determinado momento histórico. Assim, torna-se evidente que as exterioridades criadas por Plínio, seja para combater os movimentos nazi-fascistas no Brasil, seja para disseminar o seu movimento, acabaram sendo elementos fundamentais na cooptação de militantes, talvez muito mais do que as idéias, nem sempre compreendidas a fundo pelas massas. Enquanto os intelectuais debatiam no campo das idéias, como em Olímpia onde as expunham pelo jornal, a maioria dos seguidores do Sigma era atraída pelo uniforme, pelas passeatas, pelos ritos e símbolos e pelo anticomunismo. Defensor de que os intelectuais deveriam estar no poder e crítico do sufrágio universal, pois acreditava que o voto universal favorecia a vitória dos que dispunham de mais dinheiro, Plínio talvez não tenha se preocupado com esse fato ou somente o tenha percebido tarde demais.

Chasin observa que são do período em que Salgado escrevia artigos para o jornal A Razão, as manifestações mais simpáticas ao fascismo. Porém, elas se efetuam dentro de um quadro pliniano de referência doutrinária, isto é, a leitura e a apreciação do fascismo se dá no itinerário dos parâmetros ideológicos do integralismo, ficando à margem e inobservados os do próprio fascismo. O que o autor procura mostrar é que para o integralismo, o fascismo é mais uma forma de ressaltar que a crise e a recusa ao liberalismo são fenômenos internacionais. O fascismo aparece predominantemente como pano de fundo do teatro mundial e funciona na argumentação pliniana do período como reforço para suas próprias posições, como a desmentir antecipadamente que seu próprio pensamento seja um mero exotismo, como a indicar que seu ideário faça parte do que há de “novo” no mundo.

Plínio compreendia que a humanidade estava ajoelhada diante de três altares: o altar da Máquina (capitalismo e comunismo), o altar da Nação (nacionalismo, social-nacionalismo, fascismo, integralismo, etc.) e finalmente, o altar de Deus. Sendo assim, o chefe nacional colocava fascismo e integralismo lado a lado como doutrinas, não idênticas, mas que buscavam alternativas à crise internacional e ao liberalismo.

Uma visão posterior do integralismo sobre o fascismo pode ser encontrada no livro O Integralismo – Síntese do Pensamento Político Doutrinário de Plínio Salgado, publicado em 1981:

O Integralismo considera o fascismo um regime de circunstância, aparecido na Itália no momento em que o Comunismo avançava assustadoramente, ameaçando a integridade daquela Nação. Não tinha uma doutrina fixa, como o Nazismo. Sua preocupação era o combate ao comunismo. Uma vez no poder organizou o Estado baseado no corporativismo católico, absorvendo o partido cristão de D. Stulzo, no nacionalismo pregado pelo partido desse nome e tradições históricas do povo italiano e seus ancestrais romanos. Tentou debalde dar ao movimento um conteúdo filosófico, por esforço de alguns intelectuais como Giovanni Gentile, mas o sentido político do regime foi pragmático, mais preocupado com as realizações administrativas.

Ainda de acordo com o livro, o comunismo denomina fascista a quantos lutam contra sua ideologia por ter sido o primeiro movimento pequeno burguês que se ergueu contra ele. E conclui que a Enciclopédia Soviética define o fascismo como “qualquer ação contrária à revolução do proletariado”. Para o Sigma “moderno”, nazismo e fascismo não são idéias oriundas do século XX. Tanto um como o outro são remanescentes das idéias do século XIX, inadequadas ao nosso tempo. Portanto, o Integralismo, uma doutrina do século XX, pelo seu sentido de síntese e critério de co-relações dos fenômenos econômico-sociais, jamais poderia aceitar o tipo de Estado fascista ou nazista. Além disso, se o Integralismo considera o Estado uma criatura da Nação, não pode aceitar qualquer doutrina que superponha o Estado à Nação, o menor não pode absorver o maior. Estas são conclusões extraídas pelo movimento após a derrota do fascismo na Segunda Guerra Mundial e a extinção oficial da A.I.B. pelo Estado Novo.

Como observou Renzo de Felice, parece cada vez mais evidente que, se os vários fascismos tiveram vários aspectos em comum, sentiram a necessidade de se apoiar uns aos outros e acabaram por ter a mesma sorte, nasceram, contudo, de situações e exigências muito diferentes, e cada um deles teve e manteve tais particularidades que se torna difícil, do ponto de vista histórico, falar de um fenômeno efetivamente unitário.”


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Fonte:
IVAIR AUGUSTO RIBEIRO: "O INTEGRALISMO NO SERTÃO DE SÃO PAULO: UM “FASCIO DE INTELECTUAIS”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Franca, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História. Área de Concentração: História e Cultura – Cultura Política Orientador: Prof. Dr. Fernando Kolleritz). Franca, 2004.

Nota
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A imagem (fonte: Revista ANAUE, edição de 1937) inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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