A procura por petróleo no Brasil

Imagem: Biblioteca IBGE

A procura por petróleo

“No Brasil, os rumores sobre 'petróleo' no território já eram conhecidos desde o Regime Imperial. A legislação criada sobre a mineração, através de um prosseguimento da política colonial, assegurou que toda a riqueza do subsolo fosse considerada propriedade da Coroa Imperial, em lugar da Coroa Portuguesa. (SMITH, 1978).

No período de transição do Império para a República, ocorreram profundas transformações, como a criação de novas instituições que contribuíram para o desenvolvimento e aprimoramento de técnicas em variadas áreas científicas.

“A partir do último quartel do século XIX – e pelo século XX adentro – o país experimentou uma série de iniciativas no âmbito científico-cultural, que envolveram tanto a criação de novos espaços institucionais quanto à reformulação dos preexistentes”. (FIGUEIRÔA, 1997, p. 103). Como exemplo:

[…] Comissão Geológica do Brasil (fundada em 1875), a Escola de Minas de Ouro Preto (1875), a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo (1886), a Imperial Estação Agronômica de Campinas (1887), o Museu Paraense (1871), o Instituto Bacteriológico de São Paulo (1892), o Instituto Soroterápico de Manguinhos (1899), o Instituto Butantã (1901), o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil (1907), entre outros. (FIGUEIRÔA, 1997, p. 103).

Essas instituições tiveram papel marcante para o desenvolver tanto das ciências como das geociências em específico. Incorporando técnicas de seu meio como “à busca dos hidrocarbonetos combustíveis, principalmente o carvão, no século XIX”. (SMITH, 1978, p.23).

Além disso, muitos estrangeiros realizavam estudos geológicos em diversas regiões brasileiras, vinculados a essas instituições, contribuindo para as pesquisas do território brasileiro. Esses estrangeiros e alguns pesquisadores brasileiros munidos de tratados de geologia começaram a realizar estudos e pesquisas no território brasileiro, concentrando estudos principalmente nas áreas de São Paulo, Maranhão e sul do país, à procura de qualquer indício de petróleo. Porém, a falta de infraestrutura e mesmo de conhecimento sobre a geologia do país, dificultava a procura por petróleo por todo o território.

As mudanças políticas na transição de Império para República, acarretaram transformações significativas também no desenvolvimento das pesquisas petrolíferas ligadas ao solo do território brasileiro. Nesse momento, os proprietários rurais ou grandes fazendeiros controlavam boa parte da economia do país, refletindo mudanças até mesmo nas “cláusulas reguladoras da mineração”. (SMITH, 1978, p. 24).

Os proprietários rurais ressentiam-se da concessão de direitos de pesquisa dos depósitos do subsolo pelo governo imperial, mesmo sob terras de propriedade particular, de modo que, pela nova Constituição, os donos do solo possuíam o subsolo e suas riquezas. A Constituição também passou a propriedade das minas e a regulamentação da mineração aos governos estaduais. Nesta ocasião, os fazendeiros – que não se interessavam por mineração – controlavam os governos estaduais; portanto, o efeito imediato da mudança legislativa foi uma acentuada queda na pesquisa e lavra de minerais e a indústria não se recuperou se não depois da passagem do século.
(SMITH, 1978, p. 24).

Assim, no início da República Café-com-leite, o Governo de Campos Sales (1898-1902) preocupou-se em reorganizar as finanças do país, salientando “o capricho ou inércia do proprietário rural e a confusão em torno de limites e direitos” atrelados principalmente à exploração do território. (SMITH, 1978, p. 25). Em relação ao processo de mineração e exploração do solo a Constituição impedia qualquer atividade direta em nível federal.

No Governo de Rodrigues Alves (1902-1906), conhecido por uma administração financeira bem sucedida, tem-se como exemplo a contratação “do geólogo americano Israel Charles White para fazer o levantamento dos combustíveis minerais no Sul do Brasil”, em 1903. (SMITH, 1978, p. 25). Este “investigou as possibilidades carboníferas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, sob quais a bacia sedimentar do Paraná”. (SMITH, 1978, p. 25).

No relatório publicado em 1908, White dedicou apenas duas páginas ao potencial petrolífero da região e mostrou-se francamente pessimista. Contudo declarou também que outro geólogo tentara empurrar uma amostra de óleo refinado como sendo óleo cru extraído no sul da Bahia, região que primeiro atraíra a atenção internacional. Quer estivesse White certo ou errado na análise da amostra, não seria o último a rejeitar as afirmações sobre a existência de petróleo na Bahia
. (SMITH, 1978, p. 26).

Com isso, “as primeiras referências importantes no debate geológico relativo a existência de petróleo no país foram os estudos relativos aos depósitos de rochas betuminosas da costa do Nordeste, de Alagoas à Bahia”, e algumas das conclusões de White. (DIAS; QUAGLINO, 1993, p. 11).

Durante o Governo Afonso Pena (1906–1909), é que se cria o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil (SGMB) em 1907, contratando o geólogo Orville Derby tanto para fazer parte de sua criação como para chefiá-lo.

Pouco tempo depois, porém, com a ascensão de Miguel Camon a ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas do governo Afonso Pena, Derby foi incumbido em 1906 da criação do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil (SGMB). Segundo informou Derby numa carta ao topógrafo Hoarce Wil iams, que com ele trabalhara na CGG e que também com ele se demitira, o “Dr. Miguel me chamou aqui para uma consulta a respeito da organização de um serviço geológico que ele deseja implementar no início do ano que vem [1907]. Eu devo aceitar, provavelmente, e estou preparando um plano geral de operações
”. (FIGUEIRÔA, 1997, p. 217).

A criação e o trabalho contínuo do SGMB consolidaram a busca e interesse pela exploração do petróleo no país, criando até mesmo departamentos direcionados a pesquisa petrolífera, tendo como função remediar as deficiências da iniciativa privada. (DIAS; QUAGLINO, 1993).

A partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) despertou-se um enorme interesse mundial pelo petróleo. Nesse processo, um dos fatos marcantes foi a substituição do carvão pelo petróleo, como a utilização de seus derivados.

Em 1919, cogitou-se a ideia de contratar empresas estrangeiras para a realização de sondagens, junto às já realizadas pelo SGMB, devido às dificuldades de encontrar petróleo. (DIAS; QUAGLINO, 1993). Mas, o Governo de Epitácio Pessoa (1919-1922) não adotou a ideia, deixando claro que “os minerais em geral, e o petróleo em particular, seriam pesquisados exclusivamente por brasileiros ou não seriam pesquisados”. (SMITH, 1978, p. 27).

O então diretor do SGMB, Euzébio Paulo de Oliveira, em seu Boletim N°1, de 1919, “fixou duas metas para a pesquisa de petróleo brasileiro: 1) seleção dos locais de sondagem por geólogos nacionais, e 2) perfurações por brasileiros”. (SMITH, 1978, p. 28).

Outra decisão e aplicação durante a diretoria de Oliveira foram de que a pesquisa do petróleo pelo governo seria dirigida por pessoas formadas na área de Geologia, e não por engenheiros. Além disso, não foi permitido que os pesquisadores entrassem em contato com o conhecimento e técnicas de estrangeiros, sendo necessário que profissionais da área de Geologia e engenheiros trabalhassem juntos, para o desenvolvimento de técnicas como a de perfuração, por exemplo. (DIAS; QUAGLINO, 1993).

Na década de 20, a busca por petróleo no país “sofreu três grandes deficiências: capital, pessoal treinado e incentivos legislativos”. (SMITH, 1978, p. 30). Em 1927, se tem exclusivamente a montagem e o “início do funcionamento dos “Serviços de Exploração do Subsolo”, em São Paulo, recém-criados pela Lei n.° 2.219 de 9/12/27”. (FIGUEIRÔA, 1997, p. 205). Organizando a princípio dois serviços, sendo um deles destinado “a exploração da bacia sedimentar do Paraná, incrementando o trabalho que a Comissão Geográfica e Geológica vinha realizando há alguns anos”. (FIGUEIRÔA, 1997, p. 205).

Na altura de 1930 já eram visíveis diversas características da pesquisa brasileira do petróleo. Primeiro, as iniciativas particulares haviam sem exceção demonstrado desconhecimento, seja da geologia do petróleo como das necessidades de capital. Segundo, o Governo Federal e alguns governos estaduais iam pouco a pouco aumentando de interesse, se bem que os esforços ainda fossem mínimos. Terceiro, e o mais importante, a atitude dos governos quanto à exploração do petróleo caracterizava-se por persistente xenofobia a desconfiança de estrangeiros. Essa atitude proporcionava terreno fértil para o nacionalismo, como cedo se veria.
(SMITH, 1978, p. 34 e 35).

Em 1930, Getúlio Vargas assume seu primeiro mandato como presidente do Brasil, onde permaneceria até 1945. Sua política implicava na organização de um Estado Nacional, acima dos interesses dos grupos regionais. Seu governo iniciou-se no auge da crise mundial, após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, e também a chamada política do Café-com-Leite.

No âmbito de amenizar o impacto da crise no Brasil, Vargas pôs em prática sua política nacionalista, que consistia num conjunto de práticas e posições políticas que se destinavam a defender a soberania política e econômica do país através da intervenção econômica do Estado. Vargas conseguiu estabelecer um Estado de compromisso, atendendo às principais reivindicações dos grupos de pressão, mas com extrema habilidade, mantendo os principais privilégios das elites.

O quadro no qual Vargas vai tentar implementar seu projeto de desenvolvimento e sua política exterior é também marcado pelas peculiaridades da estrutura social e política. O crescimento das classes médias urbanas, do operariado e da burguesia industrial, alteravam igualmente o perfil da política brasileira. A entrada em cena desses novos atores configurava a emergência de uma sociedade de massas, onde a participação político-eleitoral não podia mais confinar-se aos currais coronelistas do meio rural. Era preciso articular canais de participação (e manipulação) dos novos contingentes urbanos.
(VIZENTINI, 2004, p. 3).

Neste governo a política do petróleo assumiu uma nova posição junto aos serviços relacionados às riquezas do território. A exploração do petróleo era considerada próspera para a propagação e fortalecimento do nacionalismo e também era essencial para o crescimento econômico que o país necessitava no momento.

A escassez de conhecimento técnico significava que pouco ou nada se sabia a respeito da geologia do petróleo no Brasil até bem recentemente, e que, no ínterim, a fé em que o Brasil fosse rico em petróleo prevaleceu na mente popular. Nacionalismo e petróleo estiveram inseparavelmente ligados na década de 1930, enquanto o Brasil se industrializava e buscava recursos energéticos; e, basicamente pela falta de informações a respeito da geologia do petróleo, o nacionalismo em torno do assunto assumiu uma condição mística, que os brasileiros acreditavam que o seu subsolo fosse rico em petróleo e que as companhias internacionais em nada se deteriam para obtê-lo. O resultado de todos esses fatores foi o controle estatal do petróleo antes de ele ser descoberto no Brasil, e uma companhia estatal monopolizadora antes de criada uma indústria petrolífera digna do nome
. (SMITH, 1978, p. 17 e 18).

O Estado Nacional realmente fez valer sua força e seu poder sobre a economia do país, principalmente em relação à política do petróleo e algumas modificações que ocorreram na reestruturação dos órgãos pertinentes do Ministério da Agricultura, em 1933. Também houve a definição da política estatal no setor das riquezas minerais, com o Código de Minas, em 1934; e finalmente a criação do Conselho Nacional do Petróleo (CNP), em 1938. (COHN, 1968).

O Estado Novo seria muito mais dinâmico, como também muito mais autoritário do que o regime do qual derivara. Em 1938, pouco depois do golpe de novembro que o levou ao poder, o novo Governo Vargas promulgou vários decretos que salientaram o nacionalismo da Constituição de 1937. Três desses decretos tratavam diretamente do petróleo, e refletiam tanto o desejo de Horta Barbosa de que o governo controlasse a indústria quanto o de Paiva e Amaral de que o esforço governamental em prol do petróleo fosse revivido e dirigido. O Decreto-Lei 366 declarou todos os campos petrolíferos ainda a serem descobertos no território nacional como de propriedade do Governo Federal. O Decreto-Lei 395 declarou o suprimento nacional de petróleo de utilidade pública, nacionalizou a indústria de refinação e criou o Conselho Nacional de Petróleo (CNP), para controlar a indústria. O Decreto-Lei 538 estruturou o CNP, fixou suas prerrogativas e estabeleceu (sic) a política a ser seguida. Suas finalidades eram estimular uma indústria nacional de refinação capaz de suprir as necessidades do país e de levar avante a procura sistemática do petróleo, que, se encontrado, seria utilizado também sob controle nacional. O CNP controlaria a pesquisa, mas não era impedido de contratar essa atividade.
(SMITH, 1978, p. 50 e 51).

Então, criado o Conselho Nacional de Petróleo (CNP), em 1938, o Brasil caminhava também para adoção de uma política nacionalista que mais tarde culminaria com a futura instalação do monopólio estatal. A responsabilidade do CNP consistia em avaliar os pedidos de pesquisa e lavra, além de fiscalizar as atividades de importação, exportação, transporte, distribuição e comércio de petróleo. (CONSELHO NACIONAL..,2009).” [...]

---

Fonte:
DRIELLI PEYERL: "A TRAJETÓRIA DO PALEONTÓLOGO FREDERICO WALDEMAR LANGE (1911-1988) E A HISTÓRIA DAS GEOCIÊNCIAS". (Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre na Universidade Estadual de Ponta Grossa, Programa de Pós-Graduação em Geografia, curso de Mestrado em Gestão do Território. Orientador: Prof. Dr. Elvio Pinto Bosetti Coorientador: Prof. Dr. Edson Armando Silva). Ponta Grossa, 2010.

Nota
:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!