Anti-semitismo: da guerra Franco-Prussiana à ascenção de Hitler


EUROPA OCIDENTAL
“Em 1873, um grande colapso do mercado de ações, devido à especulação desmedida que se seguiu à Guerra Franco-Prussiana, teve um grande impacto sobre a Alemanha. Os agitadores populistas e os acionistas empobrecidos punham a culpa do colapso nos judeus. Era um amargo reconhecimento do espantoso progresso conseguido pelos judeus nas finanças e no comércio nos 25 anos decorridos desde a emancipação total, o fato de essa acusação ter sido feita e parecer mesmo plausível. O poder da casa dos Rothschild nos mercados de câmbio europeus e em grandes empréstimos para governos era fato há muito reconhecido. Outros banqueiros judeus se destacaram no financiamento da construção de ferrovias, do comércio atacadista e de indústrias novas. Na Rússia, a expansão da indústria têxtil e do fumo, a exportação de madeira e de cereais, as ferrovias e a navegação, tudo dependia do capital dos judeus.

Além da influência como banqueiros, os judeus infiltraram-se, em grande número, no comércio varejista, nas profissões médica e legal,
nas editoras e no jornalismo. Com o aburguesamento da população judia, ocorreram mudanças importantes em sua composição demográfica. As famílias se deslocavam das áreas rurais para as localidades urbanas em expansão. De antigos territórios poloneses, mudavam-se para Leipzig, Colônia, Frankfurt e Berlim; da Alsácia para Paris; da Morávia e da Galícia para Viena; da Rússia Branca para cidades da Ucrânia. Seja como membros assimilados, embora facilmente reconhecíveis, da classe média ou como um agrupamento diferente d,o proletariado urbapo, os judeus da Europa Central e Ocidental ganharam uma posição importante tão repentinamente, tão visivelmente, que os concorrentes invejosos, os burocratas arrogantes, junkers feudalistas que tinham desprezo pela nova aristocracia do dinheiro, e intelectuais apreensivos poderiam apontar um bode expiatório para seu descontentamento e o da sociedade em geral.

O anti-semitismo — o termo foi criado por Wilhelm Marr, um jornalista mal conceituado, filho batizado de um ator judeu, em um panfleto intitulado “A Vitória do Judaísmo sobre o Germanismo”, que foi impresso doze vezes entre 1873 e 1879 — tornou-se uma arma da controvérsia política, econômica e científica. Bismarck, o chanceler imperial, deu apoio tácito à propaganda anti-semita enquanto combatia a oposição liberal-progressista e a imprensa. Seu defensor declarado era Adolf Stücker, capelão da corte do Kaiser, que fundou, em 1878, o Partido Social Cristão. No púlpito e nos comícios, investia contra a “ameaça” judaica aos princípios cristãos, a influência corruptora do “controle” judeu da imprensa e a conspiração sinistra do “capitalismo internacional”. Ele exercia uma atração sobre os elementos da pequena burguesia que se ressentiam da concorrência econômica dos judeus e, com seu voto, foi eleito para o Reichstag em 1881. Naquele mesmo ano, os anti-semitas reuniram mais de 250 mil assinaturas para um abaixo-assinado pedindo ao governo que proibisse daí em diante a imigração judaica, atos de violência foram praticados contra indivíduos judeus e suas propriedades e se tratou da organização de um primeiro congresso ‘internacional”de anti-semitas, a realizar-se em Dresden, em setembro de 1882; na realidade, os trezentos delegados que compareceram provinham de apenas dois países, a Alemanha e a Austria-Hungria, com alguns russos como convidados.

O ponto alto do anti-semitismo político foi atingido em 1893, quando os partidos anti-semitas elegeram dezesseis deputados para o Reichstag alemão. Na vizinha Austria, Karl Lueger, um ex-democrata que virou um demagogo, foi tão bem-sucedido em tirar proveito do sentimento anti-semita no meio dos operários católicos que conseguiu se eleger prefeito de Viena em 1895, apesar da relutância do imperador Francisco José — aquela capital tinha uma população de 125 mil judeus e outros dois milhões estavam espalhados por todo o império — de permitir que ele fosse empossado.

Ao mesmo tempo, o Caso Dreyfus convulsionava a sociedade francesa. Naquele país, o anti-semitismo, que tinha ressurgido após a humilhação da Guerra Franco-Prussiana, era manipulado pelos monarquistas e os clérigos que se opunham à terceira República. O capitão Alfred Deyfus, o único judeu do estado-maior do exército francês, fora condenado, com base em provas forjadas, por vender segredos militares à Alemanha. Foi condenado à prisão perpétua na ilha do Diabo mas, ao serem divulgados os detalhes dos papéis desempenhados pelo major Esterhazy e pelo coronel Henry, a opinião pública francesa, e até as famílias, se dividiram exaltadamente entre os que defendiam e os que condenavam Dreyfus. Os defensores de Dreyfus (Dreyfusars), tendo à frente Emile Zola e Georges Clemenceau, estavam chocados com um erro judiciário que ameaçava as próprias bases da democracia francesa. Os que eram contra Dreyfus, prontos a sacrificar um homem para defender a honra do exército, viam em Dreyfus um assecla de uma grande conspiração judaica e maçônica. Ele acabou sendo inocentado e reincorporado ao seu posto no exército em 1906. O caso Dreyfus foi, talvez, a última das polêmicas claramente expostas que sacudiram a consciência da Europa moderna, O irônico da questão é o fato de que o próprio Dreyfus, se não tivesse sido ele vítima, dado seu temperamento e seu código de valores, teria sido sem dúvida um partidário da facção anti-Dreyfus.

O Caso Dreyfus foi intrinsecamente fascinante, pelo que revelou das tensões entre a Igreja e o estado franceses e por ter exposto o anti-semitismo arraigado e de direita; mas suas repercussões iriam ter importância ainda maior. Um dos jornalistas que fez a cobertura do julgamento e ficou marcado para sempre pela experiência foi Theodor Herzl, o fundador do sionismo político. Se o anti-semitismo se manifestava política e economicamente, dependia do apoio acadêmico e pseudocientífico para se justificar intelectualmente. Eugene Düring, um filósofo malsucedido, que punha em alguns dos colegas judeus a culpa por não ter brilhado na Universidade de Berlim, publicou, em 1881, um livro intitulado A Questão Judaica, como uma Questão de Raça, Moral e Cultura. A sua tese era a de que os judeus constituíam o pior ramo da raça semita, ambicioso, explorador e inclinado a dominar o mundo. Suas perspectivas religiosas e éticas eram tão inferiores ao helenismo e ao espírito alemão que eles deveriam ser expulsos de todos os cargos no serviço público e na educação e até proibidos de casar com os outros alemães, para evitar a “judaização do sangue”. Ainda mais impressionante, por serem menos morbidamente fantásticos, eram os artigos escritos por Heinrich von Treitschke, o historiador oficial da Prússia. Para ele, os judeus representavam uma ameaça à etnia alemã, penetrando pela fronteira oriental, convencidos de serem o “povo eleito”, insensível à cultura cristã alemã, desprezando seus grandes homens, como mostravam os escritos de Graetz e o jornalismo irreverente de Ludwig Bõrne. “Os judeus”, observou Treitschke, numa frase posteriormente muito repetida por anti-semitas maldosos e mais engajados, ‘são a nossa desgraça.”

A nova ciência da antropologia também contribuiu para o anti-semitismo. A teoria da seleção natural de Charles Darwin foi adaptada por Joseph Gobineau e outros racistas para dividir a humanidade entre as espécies “ariana” e “semítica”. A mentalidade ariana era otimista, heróica e imaginativa, enquanto, por outro lado, a semítica era egoísta, covarde e materialista. No final do século, Houston Stewart Chamberlain, um inglês que se naturalizou alemão e casou com a filha de Richard Wagner, publicou um livro grosso, bombástico e de muita aceitação, Os Fundamentos do Século XIX, no qual reduzia toda a história cultural a uma luta entre as raças ariana e semita. Depois de destruir todo o mundo antigo, os judeus contemporâneos estavam corrompendo a Europa e o espírito germâniço puro só triunfaria se expulsasse esse corpo estranho de seu meio.”

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Fonte:
Os Judeus e o Judaísmo: história e religião”. David J. Goldberg e John D. Rayner. Editora Xenon, 1ª edição. Rio Janeiro, 1989.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida obra.

Obs:
O negrito é por nossa conta.

Um comentário:

  1. "A mentalidade ariana era otimista, heroica e imaginativa", acrescento o soberano desprezo dos teóricos e seus predicativos ligados à "raça" ariana, como "liberais", "individualismo" e ao "verdadeiro" mercado livre.Características arianas, da família "ariana" que ainda anima o imaginário "liberal-cristao" Ocidental em detrimento da "monstruosidade cananeia" das ideias de "holismo" e "bolchevismo" que infestam a "humanidade ocidental"- expressão cara a Goebbels.

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