“Para entender a questão Palestina e a sua repercussão internacional, convém fazer um esboço de sua história. A Palestina foi habitada desde os tempos pré-históricos mais remotos. A sua história esteve geralmente ligada à história da Fenícia, da Síria e da Transjordânia, limítrofes. Possivelmente por causa de sua posição geográfica – faz parte do corredor entre a África e a Ásia e ao mesmo tempo fica às portas da Europa – a Palestina nunca foi sede de um poder que se estendesse para além das suas fronteiras. Pelo contrário, esteve quase sempre submetida a poderes estrangeiros, sediados na África, na Ásia ou na Europa.
Desde meados do século XIX, no contexto do triunfo das ideologias nacionalistas e da idéia do Estado nacional, surgiu entre os judeus laicos da Europa central e oriental um movimento nacionalista secular cujo objetivo era a criação de um Estado para os judeus, sendo este considerado como o único meio de assegurar a identidade e a sobrevivência da nação judaica, assim como de lhe garantir um lugar ao sol entre as demais nações. Para os seus partidários, o dito Estado tornou-se, de certo modo, sob uma forma secularizada, o lugar que a utopia da “redenção de Israel” ocupa na tradição religiosa. Contrariamente à reunião de “Israel” da utopia religiosa o Estado projetado pelos nacionalistas judeus não tinha necessariamente a Palestina por cenário. Seu principal promotor, Teodoro Herzl (1860-1904), pensou na possibilidade de o criar na Argentina. Falou-se também de Chipre, da África Oriental e do Congo.
Os nacionalistas judaicos não tardaram a optar pela Palestina. Essa escolha era particularmente mobilizadora, por causa da ligação do judaísmo à Palestina e da atração que ela exerce mesmo sobre muitos judeus que não são religiosos ou oriundos desse país. O nacionalismo judaico tomou assim o nome de sionismo. Registre-se também que a escolha da Palestina se enquadrava nos projetos coloniais das potências européias, sobretudo da Grã-Bretanha e da França, que preparavam a divisão do império otomano decadente.
Durante décadas o sionismo foi um movimento de intelectuais askenazes laicos, sem base popular. Houve componentes do judaísmo, nomeadamente as grandes comunidades sefarditas da África do Norte que estiveram praticamente à margem desse movimento até a década de 1930 ou ainda mais tarde. No entanto, o sionismo acabou por provocar profundas divisões nos diferentes componentes do judaísmo, religioso e secular, askenaze, sefardita e pertencentes a outros grupos. Embora tenha diminuído, estas divisões subsistem ainda hoje.
Para a maioria dos rabinos da Europa central e oriental o projeto sionista para criar o Estado dos judeus, apoiando-se para isso nos seus próprios meios políticos, diplomáticos e econômicos, era a negação da esperança na “redenção de Israel” por iniciativa e obra exclusiva de Deus. O partido Agudat Israel (União / associação de Israel) fundado em Kattowitz (Silésia, Polônia) em 1912 encarnou essa posição. O dito partido propunha-se reunir todos os judeus fiéis à lei para se oporem ao nacionalismo sionista considerado como uma ameaça mortal para o “autêntico judaísmo”. No entanto, na década de 1930, o Agudat Israel declinou de sua oposição ao sionismo aceitando que a Palestina se tornasse um refúgio para judeus europeus perseguidos. Em 1948, reconheceu-se, de fato, as instituições do Estado de Israel. Participou em todas as eleições legislativas israelitas e em vários governos. No entanto, algumas facções minoritárias não aceitaram a mudança de orientação. Além de persistirem na negação da legitimidade religiosa do Estado de Israel e na recusa de qualquer colaboração com ele, tornaram-se críticos de sua política. Entres os pequenos grupos representantes dessa tendência, a dos Neturei Karta (em aramaico, “guardiões da cidade”) é atualmente o mais conhecido.
Uma minoria entre os judeus religiosos da Europa central e oriental aceitou colaborar precocemente com os sionistas. Um dos primeiros expoentes desta posição foi o rabino Isaac Jacob Reines (1839-1915), nascido em Karolin, na Bielorússia. Na origem, essa posição tinha sobretudo por objetivo não deixar aos seculares o monopólio do socorro prestado aos judeus pobres e perseguidos. Encarnou-a o Mizrahi (centro espiritual) fundado em Vilnius (Lituânia) em 1902. Segundo essa corrente do judaísmo religioso, nada impede a colaboração com o sionismo, pois este não é incompatível com a tradição. A razão em que ela ocorre funda-se, paradoxalmente, no caráter inteiramente materialista e político do sionismo. Dado o seu teor, o sionismo não pode fazer concorrência à esperança messiânica, que se situa num plano completamente diferente. A idéia de coexistência pacífica do judaísmo religioso e do sionismo logo cedeu lugar a uma integração da ideologia sionista dentro do sistema religioso tradicional. O autor dessa integração foi o rabino Abraão Isaac Hacohen Kook (1865-1935) nascido em Griva, na Letônia, primeiro Rabino-Moraskenaze da Palestina (1921-1935).
Contrariamente aos seus homólogos do Agudat Israel, o rabino Kook vê no sionismo um instrumento de que Deus se serve para dar início à “redenção de Israel”, e no Estado dos judeus a aurora da redenção ou do reino de Deus. Os principais herdeiros atuais desta concepção do sionismo são o partido nacional religioso e o Guch Emunim (bloco da fé), que reúne os opositores mais irredutíveis à devolução de qualquer parcela da Cisjordânia e da Faixa de Gaza conquistada por Israel em 1967.
O sionismo tornou-se popular entre os judeus, sobretudo entre os considerados judeus seculares, da Europa oriental e central a partir de 1881 por causa dos numerosos ataques e pilhagens (pogroms, em russo) de que aí foram vítimas. A Europa oriental forneceu os primeiros contingentes de emigrantes judeus que então foram instalar-se na Palestina. As duas primeiras vagas da emigração coincidiram, aliás, com as duas primeiras vagas de pogroms, que tiveram lugar respectivamente em 1881-1884 e em 1903-1906.
A relutância ao projeto sionista diminuiu apenas em 1945, quando passou a ser visto como último recurso aos judeus. A descoberta dos campos de concentração onde os nazistas exterminaram milhares de judeus legitimou a existência do Estado de Israel perante a opinião pública”.
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Fonte:
ANDRÉ LUÍS GONZAGA: "A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E A QUESTÃO PALESTINA: análise da imprensa e da diplomacia no período de 1945-1951". (Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis - UNESP - Universidade Estadual Paulista para a obtenção do título de Mestre em História. (Área de Conhecimento: História e Sociedade). Orientador: Prof. Dr. Clodoaldo Bueno). Assis, 2008.
Nota:
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