Origem da capoeira


"Todos apontavam o seguinte questionamento: a capoeira é africana ou brasileira? Como resposta, muitos mestres de capoeira, assim como muitos estudiosos, atualmente endossam ser ela uma ancestral manifestação cultural africana, que em solo nacional mesclou diversos elementos advindos de outras matrizes culturais – européia e indígena – para configurar-se como a conhecemos. Assim nesta perspectiva temos uma capoeira afro-descendente. No entanto, há divergências com relação a este ponto de vista, quando percebemos que outros autores apontam uma capoeira formada em território nacional, oriunda sim de reminiscências africanas, mas formada e desenvolvida no Brasil, sendo para estes, portanto brasileira, como já apontou Vieira.

Abreu registrou sua visão sobre a origem da capoeira logo no trecho de abertura de sua obra:

É um trabalho difícil estudar-se a capoeiragem, desde a primitiva, porque não é bem conhecida a sua origem. Uns, atribuem-na aos pretos africanos, o que julgo um erro pelo simples facto de que na África não é conhecida a nossa capoeiragem e sim algumas Sortes de Cabeça. Aos índios também não se pode atribuir porque apesar de possuírem a ligeireza que caracteriza os capoeiras, contudo, não conhecem os meios que estes empregam para o ataque e a defesa. O mais racional é que a capoeiragem criou-se, desenvolveu-se e aperfeiçoou-se entre nós
.

Primeiramente, como a grande maioria dos intelectuais de sua época, sua intenção declara-se contrária a dar à capoeira uma origem africana. Nosso autor afirma que na África a capoeira não era conhecida, pois as primeiras viagens de campo ao continente africano com o objetivo de buscar tradições culturais que remetam à capoeira, só foram realizadas por estudiosos e mestres de capoeira há poucas décadas (1960-90), e não tenho nenhuma informação sobre a passagem de Abreu pela África, mas sua afirmação ainda sim está correta.

Apesar de negar sua origem africana, acredito que ele acaba caindo em contradição ao se referir aos movimentos presentes na capoeira. As
sortes de cabeça apontadas por Abreu possuem muito das cabeçadas, movimento este citado em diversos documentos que atestam as façanhas dos capoeiras no final do séc. XIX. Então aqui abro um questionamento quanto à postura de Abreu: por que não aceitava a influência africana sobre a capoeira? Por que a negação desta matriz cultural, mesmo quando há indícios que possam apontar nesta direção?

Sem a escravidão da população africana não haveria a capoeira, poderíamos ter outras formas de luta, mas não como a capoeira. Sem a cultura ancestral trazida com eles da África, mesmo que a adaptando nestas terras a outra situação sócio-cultural, não haveria uma arte/luta disfarçada em dança. Outra característica intrigante é Abreu referir-se à capoeira como tendo
se formado entre nós. Lembrando a origem e a trajetória deste autor, a que nós ele se refere? Estaria ele se referindo à ‘alta sociedade’ que pretendia civilizar-se nos trópicos? Ou o nós a que se refere seria a população pobre, moradora dos cortiços, imigrante, negra?

Percebemos assim que ele se considerava integrante da nação, referindo-se como
nós à sociedade brasileira, mas acabava por negar essa integração à cultura africana, excluindo esta matriz como formadora da cultura nacional. Essa tendência de integrar culturas em detrimento da negação/ exclusão de outras era clara por parte das elites dominantes e dos grupos emergentes no cenário urbano, ou seja, baseava-se na ideologia da hierarquia racial, como vimos com L. Schwarcz e Letícia Reis, que tendia a assegurar às culturas africanas a caracterização primitiva e bárbara.

Minha intenção em explorar este tema não foi concluí-lo, mas sim indicar que a visão de Abreu sobre a capoeira partiu desta ideologia, e num período em que se tratou de instituir os grupos sociais na formação cultural do país, acredito ter sido necessário inferiorizar as culturas populares na hierarquizada sociedade aristocrática."

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Fonte:
Luiz Felipe de Oliveira Faustino: "Capoeiragem carioca: da fina malandragem ao esporte civilizado - 1885-1910". (Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Profa. Doutora Estefânia K. Fraga). São Paulo, 2008.

Nota
:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

Disponível digitalmente no site: Domínio Público

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