A República Romana



REPÚBLICA ROMANA

“O resgate republicano tem destaque em Roma, inicialmente com Políbio e depois com Cícero. O florescer do pensamento não ocorre, porém, de forma imediata ou mesmo em função de um governo que se institui e se assenta naqueles traços característicos do pensamento republicano. Há, por bem dizer, uma evolução gradativa e que caminha, par e passo, com a própria história de Roma.

Inicialmente os romanos vão conhecer o valor da liberdade com o fim do reinado de Tarquino (o Soberbo) no ano 509 a.C, dando assim o primeiro passo para a instituição de uma república (em sólida simetria com o republicanismo).

O Senado romano assumia, inicialmente, as funções que eram do rei, o que implicaria ditar ao formato romano uma relativa distância do pensamento republicano (o elemento aristocrata era o único visualizado, não se perfazendo, pois, o elemento democrático). Entre o povo de Roma duas classes eram assinaladas: os “patrícios” (que podiam ser magistrados e ao final de suas carreiras ascendiam ao Senado – indicando-lhes os sucessores) e os “plebeus”. Estes, por sua vez, gozavam de uma Assembleia que – a olhos rápidos – poderia significar a existência de uma democracia, o que não se lhe afigurava como verdadeiro quando toda e qualquer decisão da reunião do povo necessitava da chancela do Senado (tornando-as, assim, “meramente testimoniales”).

Mas o republicanismo em Roma, como dito, teve um momento inicial quando da queda do último rei – e uma evolução que começa a ser notada a partir do quadro descrito e de marcantes fatos históricos. Primeiro, em 493 a.C., há a rebelião da plebe e fundação de sua própria Assembleia (concilium plebis), com decisões que dependiam somente dela e eram aplicadas aos plebeus. Assim visualizada, o convívio de duas instituições em um mesmo Estado é visto como um “Estado dentro do Estado”. Outro fator determinante na evolução romana foi a apresentação do direito em forma escrita, no ano de 449 a.C. (Lei das XII Tábuas), atendendo reivindicação dos plebeus. A sociedade romana caminhava para uma república em sua essência quando adotados foram os casamentos mistos (entre patrícios e plebeus), dando assim acesso aos plebeus ou seus filhos aos mais altos cargos políticos.

A classe média aristotélica passaria a ser representada, em Roma, por “famílias patrícias ‘moderadas’, que no habían ofrecido una enconada resistência a las pretensiones plebeyas”. A nobilitas era assim uma “mezcla de patrícios tolerantes y realistas con plebeyos ricos y ambiciosos”, formando uma nova aristocracia. A “classe média” romana não era, porém, forma de elevação cidadã para todos os plebeus. Somente alguns deles – os mais ricos – galgaram benefícios e conseguiram destaque, com acesso a cargos políticos. Via-se assim que no âmbito dos plebeus não havia uma grupo homogêneo de indivíduos.

Inaugurava-se, mesmo assim, a concepção teórica inicial do republicanismo romano, ditada pelos componentes preconizados por Aristóteles (uma constituição mista, funções limitadas que objetivassem o bem-estar de todos). Para seu desenvolvimento, muito contribuíram as ideias gregas, trazidas pelos filósofos que, após a conquista romana, passaram a expor suas ideias no centro do novo governo.

A teoria republicana, antes não valorada ou conhecida pelos romanos, é a eles mostrada através de Políbio, em obras que apresentavam influência dos ensinamentos de Aristóteles. Políbio buscava descrever em forma inicial considerado o ensinamento aristotélico – as razões que levavam outras Cidades a serem dominadas por Roma, fazendo do modelo prático existente passo primeiro para seu aprofundamento teórico.

Ao analisar as constituições existentes, Políbio não se limitava a ponderar a noção romana de poder ou compará-la com outras visualizadas, apresentando “considerações que constituem uma das mais completas teorias das formas de governo que a história nos legou”. Assim, estabelecia aquele filósofo que há formas boas de governo (ditadas pela realeza, aristocracia e democracia) que seriam desvirtuadas em formas outras (respectivamente monarquia, oligarquia e oclocracia ou demagogia).

A realeza seria o governo de um só (que é aceito livremente e exerce o poder pela razão); a aristocracia seria o governo de alguns homens justos e prudentes, alçados ao cargo por eleição; por fim, a democracia seria o governo de todos, sendo existente somente onde o costume de venerar os deuses, de honrar aos pais, reverenciar os anciãos e de obedecer às leis.

Descrevendo a evolução romana, vê-se a cidadania realizando-se de tempos em tempos. Se antes havia um “Estado dentro do Estado” (em função das decisões das concilia plebis), os comícios (curiatos, centuriatos e tributos) passam a ter importância cada vez maior, equiparando-se as decisões dos plebiscitos: a lei Valeria Horatia (449 a. C.) impunha valor aos plebiscitos mas exigia uma ratificação pelo Senado (auctoritas patrum); depois, em ato de Publilius Philo (339 a. C.) a ratificação transformou-se em aprovação prévia pelo Senado. Ao fim, a Lei Hortensia (287 a. C.) suprime a necessidade daquele auctoritas patrum (prévio ou posterior), impondo força de lei à decisão dos plebiscitos.

Ainda que tal apresentasse certo traço democrático – em um regime onde já presente o elemento aristocrático – a república romana ainda não se completava, dado que a plebe ainda era representada por aqueles membros medianos, ou seja, pelos plebeus ricos. Mesmo assim, tem-se como moldado, neste período, o sistema constitucional romano, caminhando, em sua evolução histórica, para a melhor representação do pensamento republicano.

Para Políbio, uma constituição – e mesmo a romana padeceria de tal mal – tem a instabilidade como principal causa a lhe dar transformação (entre boa e má). Há período cíclico fixo que irá determinar a forma de governo existente e a que lhe sucederia de forma inexorável. Evento a que atribuiu-se o nome de anaciclose, ou a teoria cíclica da história.

A história era fatalista, no sentido de que a passagem de uma forma para outra parecia predeterminada, necessária e inderrogável. Parecia também natural, no sentido de estar prevista pela natureza das coisas, ou seja, de estar implícita na própria natureza dos governos, que não podem deixar de sofrer o processo de transformação, bem como no sentido, segundo o qual cada forma de governo só se podia converter em uma outra forma determinada.

A esta inevitável transformação de um bom regime para o regime que o sucede em sua forma má, Políbio visualiza um antídoto, compreendido como uma sétima forma de governo (para além daquelas três boas e três más que as sucedem): a sétima forma de governo seria, tal como existente na Roma republicana, aquela capaz de se apresentar como síntese da realeza (cônsules), da aristocracia (Senado) e da democracia (povo). Seria esta a forma de um governo onde, em substância, os elementos daquelas três formas de governo retas, ordenados equitativamente, estariam presentes, algo detectável em uma monarquia plena, que “representava a virtude da aristocracia e significava a vontade da democracia”.

Se os governos simples, até mesmo em qualquer de suas formas “boas”, eram fadados a se transformar em outra que lhe sucedia por destino da natureza, a forma de governo mista, ou “uma constituição que combine as três formas clássicas”, garantiria e Roma era exemplo disto suas instituições e seria resistente à degeneração ditada pela anaciclose. Ademais, as constituições mistas impõem relevo para o seu conteúdo material, tornando-se essencial o seu componente humano: “Y este componente humano es transcedental porque Polibio llega a puntualizar que una Constitución casi perfecta como la romana, si no hubiera dispuesto de hombres tan virtuosos como Escipión, habría rendido muchos menos êxito a Roma”.

Políbio pugna, assim, por homens que tenham virtude (traduzida por condutas equilibradas, moderadas, de união cívica), sem entretanto se distanciar da realidade das Cidades que nem sempre apresentam uma população homogênea e com aqueles traços desejáveis. Neste aspecto, e visualizando tal impossibilidade, exalta o aspecto romano que consegue “conter” as massas em suas manifestações que decorram da fúria, da violência, inserido no culto religioso a seus deuses.

Em forma inicial, poderia se ter que a constituição mista de Políbio seria idêntica àquela também ensinada por Aristóteles. A classificação demonstrada pelo primeiro, porém, difere-se daquela anotada pelo estagirita. Se na abordagem aristotélica, as formas boas se nos apresentam em contraste com as formas más pela acepção do interesse público e privado que uma e outra representam, a classificação de Políbio, por sua vez, dita diferenciações próximas daquelas visualizadas por Platão: a) o contraste inicial entre formas boas e más de governo se em função de seu exercício baseado no uso da força ou em razão de um consenso e b) contraste outro pode ser notado entre aquelas formas se considerado um governo ilegal (arbitrário) e um governo das leis. Ainda em sede de comparação com o pensamento aristotélico, ensina Norberto BOBBIO:

Segundo Aristóteles, a superação do antagonismo entre as duas partes em conflito não ocorre, como para Políbio, a nível institucional; acontece – quando acontece – na sociedade, por meio da formação de uma forte classe média com interesse próprio na estabilidade. Antes de ser institucional, o equilíbrio aristotélico é social; ele é institucional se é previamente social. Neste sentido, a teoria aristotélica da “politia” não é tanto uma teoria do governo misto, mas sobretudo a admiração sentida por uma sociedade sem grandes desequilíbrios de riqueza.

Políbio nos apresenta, assim, uma república que visualizada a partir da Roma da época teria assentada nas instituições (políticas e religiosas) uma constituição mista, determinando ser esta a melhor acepção de governo ou de bom governo republicano.

Mas este bom governo existente na República romana, tal como os demais, também teve seu ciclo (utilizando termos de Políbio), passando a experimentar a decadência e a instabilidade política (fruto da corrupção, manipulação eleitoral, violência, etc). Esta deterioração teve como causa principal a grandeza do Império, sem que as conquistas que consolidaram seu poder territorial resultassem em qualquer alteração dos status dos cidadãos, acarretando inevitáveis consequências: uma sócio-econômica (extrema pobreza das grandes massas e a maior devoção dos soldados aos seus generais do que para com a república) e outra ideológica (haviam nos territórios ocupados como a Grécia muitos que gozavam de grande cultura mas eram denominados agora escravos, apesar de seus ensinamentos acerca da filosofia ao povo romano).

Obviamente, muita coisa caminhava mal (...) ‘o bastante para arruinar uma nação’”. Valores fundamentais para o republicanismo, como a cidadania ativa, a participação política e a virtude cívica, não mais eram notados com a importância devida. O Senado, elemento característico da participação política, tornou-se, ao tempo de Júlio César, órgão meramente consultivo.

A crise instaurava-se na Roma republicana fazendo com que novos teóricos se apresentassem. Se o modelo ditado por Políbio era cíclico, a crise da república deveria resultar em regime ainda que republicano com aspecto distributivo de valores (relativos à realeza, aristocracia e democracia) não mais equânime.

O regime ideal, considerando tal como aquele próximo ao republicanismo visualizado por Aristóteles e desenvolvido por Políbio, ainda seria buscado pelos teóricos, em momento que, como aquele de Aristóteles em Atenas, imperioso era o afastamento da crise, fazendo com que a corrosão do mau-governo não contaminasse a república. Dentre eles, destacava-se Marco Túlio Cícero, com análise de um “direito natural”, do “contrato social” e da “separação de poderes”.

Se Cícero não era um filósofo, supria tal com a leitura atenta de obras dos grandes filósofos (incluindo Aristóteles e Políbio). Assim, nada mais natural que em sua obra figurasse, ainda que muito tempo depois da obra de Políbio e Aristóteles, a proposta do governo misto, como melhor forma de governo. A exposição tem ponto inicial na mesma descrição das seis formas de governo, ditando ênfase para o regime que representasse uma síntese das três formas boas:

Desses três sistemas primitivos, creio que o melhor é, sem disputa, a monarquia; mas ela mesma é sempre inferior à forma política que resultaria da combinação das três. Com efeito, prefiro, no estado, um poder eminente e real que algo à influência dos grandes e algo também à vontade da multidão. É essa uma constituição que apresenta, antes de mais nada, um grande caráter de igualdade, necessários aos povos livres e, bem assim, condições de estabilidade e firmeza.

Apregoando, pois, uma constituição mista, o pensamento de Cícero não se afasta do ideal republicano de Aristóteles e Políbio, notadamente quando visualiza traços de poder aos grandes e traços de poder ao povo. É também aquela constituição que irá definir a estabilidade da república (ainda que a teoria cíclica de Políbio dite-lhe, desde já, a não-eternidade).

Cícero visualiza uma república real onde, que inexistente um imaginário governo perfeito, desempenha papel de suma importância a educação cívica, já que ela é que “conviene a los ciudadanos para formarlos en lo recto y en el cumplimiento del deber de una forma consciente y racional”. A virtude cívica, que somente existirá quando de sua prática reiterada (em linha semelhante à que ensinada por Aristóteles), decorrerá daquela educação, fonte primeira dos atos corretos, justos, que o bom governante irá rotineiramente praticar:

Mas, não é bastante ter uma arte qualquer sem praticá-la. Uma arte qualquer, pelo menos, mesmo quando não se pratique, pode ser considera como ciência; mas a virtude afirma-se por completo na prática, e seu melhor uso consiste em governar a República e converter em obras as palavras que se ouvem nas escolas. Nada se diz, entre os filósofos, que seja reputado como são e honesto, que não o tenham confirmado e exposto aqueles pelos quais se prescreve o direito da República. De onde procede a piedade? De quem a religião? De onde o direito das gentes? E o que se chama civil, de onde? De onde a justiça, a fé, a equidade, o pudor, a continência, o horror ao que é infame e o amor ao que é louvável e honesto? De onde a força dos trabalhos e perigos? Daqueles que, informado esse princípios pela educação, os confirmaram pelos costumes e os sancionaram com as leis.

Cícero, que reafirma princípios vinculados a seus predecessores, procura moldar o pensamento republicano à crise existente, sem deixar de “exaltar y recomendar las instituiciones tradicionales del pueblo romano, aquéllas que habían dado tanto esplendor y tantos triunfos a Roma”. A república se afirmaria assim como o governo de constituição mista mas que representasse governo de todo o povo, pois não era ela outra coisa senão a “coisa do povo, considerando tal, não todos os homens de qualquer modo congregados, mas a reunião que tem seu fundamento no conhecimento jurídico e na utilidade comum”.

Resgatado o conceito de “bem” empregado por Aristóteles para iniciar descrição da virtude, poderia o pensamento de Cícero caminhar para uma propriedade material do povo quando aventado o termo “coisa do povo”. Certamente, a república não seria aquisição de algo material pelo povo ou titularidade de tal que seria dada em comunhão a todos. A melhor interpretação estaria alinhada com “gestão pública” ou “governo público”.

Importa, pois, verificar que ao referenciar-se a povo se demonstrou Cícero não faz alusão a qualquer tipo de associação, mas sim a uma associação eregida sob um direito vigente. Questiona-se, então, a que direito deve o homem obedecer, ou, em outras palavras, que leis podem receber tal denominação por realmente comporem um direito? Cícero, antecipando-se à São Tomás de Aquino, visualiza que há uma lei natural “invariable y eterna, que no puede ser derogada y que es la misma en Roma o en Atenas, ahora, en el pasado y en el futuro, porque es obra de Dios”. Assim, a reta razão dela extraída deveria nortear o ordenamento (racional), que não pode “o homem desconhecê-la sem renegar-se a si mesmo, sem despojar-se do seu caráter humano e sem atrair sobre si a mais cruel expiação”.

A igualdade decorreria deste plano de um direito ou lei natural, já que nele não há diferenças. Partindo-se desta igualdade, possível é a todos, também, atingir a virtude, determinando-se um direito igual para todos e uma busca do bem-comum também realizada por todos. Neste universo insere-se, ainda, aquele que manda, que deve também ter como objetivo a promoção do bem-estar de todos (que, em razão do direito natural e igualdade dele decorrente, contempla também escravos e animais).

A república de Cícero tem, nas palavras de Iseult HONOHAN, inigualável definição: “mais do que um Estado onde se tem a ausência de um monarca ou a presença de qualquer instituição específica, a república é um Estado distinto pelo fato de que são as pessoas constituem sua autoridade originária, e o poder é exercido no interesse delas”.

Os homens, entretanto, constituem uma sociedade (uma união cívica, no dizer de Políbio) através de uma união dotada de significado e que tem como objetivo a busca do bem-estar de todos. Este objetivo decorre do direito natural existente anteriormente a organização política da sociedade – em assertiva ditada pelo próprio Cícero. Por tal, aceitável ainda seria para Cícero qualquer forma de governo que mantivesse tal objetivo, quer fosse ela o poder exercido por um (rei), por alguns poucos (aristocracia) ou por todos (democracia). O filósofo romano não deixava de visualizar, entretanto, que quando o poder é exercido por um (ainda que em consonância com aqueles objetivos primeiros da sociedade) a exclusão política e jurídica de todos os demais. Na aristocracia, o poder de alguns faz com que todos tenham uma liberdade parcial, resultante da não-participação de decisões que envolvam assuntos públicos ou que toquem, de qualquer forma, aspectos do poder.

Neste ponto, vem de forma inicial impor como condição para o republicanismo caracteres de liberdade. Se Aristóteles absteve-se do tema, tendo a constituição mista como necessária, ainda que alijando parte do povo das decisões, e Políbio seguira trilha semelhante, CÍCERO vem acrescentar a liberdade como condição para o bem-estar pretendido. Há influência inconteste da liberdade conforme cada um daqueles regimes, pois cada um deles encanta por um aspecto distinto: “a monarquia nos solicita pela afeição; a aristocracia, pela sabedoria; o governo popular pela liberdade”.

Somados, um direito natural, universal, que dita igualdade entre os homens e a necessária liberdade que favorece até mesmo os animais, deparamo-nos com o conceito de justiça. Desta forma, os regimes quanto mais injustos, mais indignos serão. Cícero visualiza então que governos justos serão aqueles que contenham – tal como Políbio – uma síntese daqueles traços afetivos, de sabedoria e de liberdade (mescla que resulta em um regime estável, sendo sua solidez resultante da distribuição equânime de direitos, deveres e funções).

Com tal, um regime que ofertasse o poder àqueles com maior capacidade para governar, não estaria subtraindo liberdade dos demais, mas sim promovendo distribuição equânime dos traços existentes em cada uma das formas boas de governo. A república, expressão de um governo misto, seria então “la abnegada dedicación (caritas) de los magistrados, el talendo (consilium) da la elite y la garantía de la libertad (libertas) de todos los ciudadanos”. Revelaria este regime ao que sucumbiria a tese de Políbio – a sua imortalidade. A existência de dirigentes puros e de uma virtude política no corpo dos cidadãos, garantiria a estabilidade infinita do regime.

A virtude política dos cidadãos teria como ponto primordial o respeito às leis e aspectos de justiça em seus atos. Assim, podemos ter apartados bons e maus cidadãos, onde “o bom é honesto, corajoso, soberbo, pensa no bem da pátria”, enquanto o mau cidadão “é corrupto, irresponsável, intrigante, egoísta, arrisca, para a satisfação de seus prazeres e ambições, negocia o enfraquecimento, até mesmo o declínio da res publica”. Inserida, pois, na virtude do corpo de cidadãos, um necessário “amor à pátria” ou um agir cívico que recompense aquela que nos garante, através das leis, a liberdade: “A pátria não nos gerou nem educou sem esperança de recompensa de nossa parte, e só para nossa comodidade e para procurar retiro pacífico para nossa incúria e lugar tranqüilo para o nosso ócio, mas para aproveitar, em sua própria utilidade, as mais numerosas e melhores faculdades das nossas almas, do nosso engenho, deixando somente o que a ela possa sobrar para nosso uso privado”.

O critério da liberdade, ditado pela obediência às leis, faz com que a parcela de poder do povo seja clara, em um regime misto que garanta a igualdade (dos regimes e dos cidadãos), posto que ela [liberdade], “só pode existir verdadeiramente onde o povo exerce a soberania; não pode existir essa liberdade, que é de todos os bens o mais doce, quando não é igual para todos”.

Para o momento romano, porém, as palavras de Cícero se apresentam saudosas, tentativa de resgate de um belo passado não mais possível na Roma tão maculada por uma constituição-síntese daquelas formas de governo desvirtuadas. Seus ensinamentos tornavam-se tão utópicos como aqueles platônicos, e jamais seriam postos em prática, que na Roma imperialista não havia espaços para qualquer virtude cívica que não fosse amor à guerra e às conquistas; não havia espaço para a igualdade com a grande riqueza conseguida pelos latifundiários; não havia espaço para o poder do povo, subserviente a um regime já não republicano. Uma Roma onde “o ócio e a riqueza, antes coisas agradáveis e desejadas, foram sua desgraça”.

Outros teóricos, em pleno Império, também objetivaram o resgate republicano: Caio Salustio Crispo, propondo uma reforma agrária como solução para pacificar uma insatisfeita plebe (o que resultaria em resgate do amor da plebe pela pátria) e Tito Lívio, pugnando pela liberdade como forma única de se manter o preferido regime republicano.

Com a chegada de Otávio Augusto ao poder, a república se torna ainda mais utópica, existindo como mera ficção (ainda que suas instituições sejam mantidas para falsear sua existência). Os teóricos começam não mais a abordar regime republicano melhor, ou um resgate de regimes republicanos gloriosos passados. Com o Império, a discussão tem como foco principal as formas de contenção da autoridade (e poder) do príncipe/imperador."

---
Fonte:
SÉRGIO ROBERTO MALUF: "REPUBLICANISMO E LIBERALISMO: ASPECTOS DIVERGENTES E AS POSSIBILIDADES DE UM REGIME INTERMÉDIO". (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, Faculdades Integradas do Brasil – UNIBRASIL. Orientador: Prof. Dr. Marcos Augusto Maliska). Curitiba, 2010.

Nota
:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.Disponível digitalmente no site: Domínio Público

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!