“Com o andamento dos estudos previstos na Ata das Cataratas Brasil e Paraguai assinaram em abril de 1973 o Tratado de Itaipu, que criava a entidade binacional Itaipu como responsável pela efetivação do aproveitamento hidrelétrico do Salto de Sete Quedas, no Rio Paraná. Instituída com igualdade de direitos e obrigações, Itaipu é dotada de duas sedes, uma em Assunção e outra em Brasília, e seus atos oficiais são redigidos em espanhol e
O capital constituinte de Itaipu foi equivalente a 100 milhões de dólares estadunidenses. Metade deste valor foi integralizado pela Eletrobrás – Centrais Elétricas Brasileiras S.A., em nome do tesouro brasileiro, em duas parcelas: US$ 24 milhões em 1974 e US$ 26 milhões em
Essa situação peculiar levou o Ministro de Relações Exteriores do Paraguai, Sapena Pastor, a reconhecer que: “(...) no final de cinquenta anos o Paraguai possuirá, totalmente paga, gratuitamente e sem ter investido absolutamente nada, uma usina que produz cinco milhões de quilowatts/hora” (SAPENA PASTOR apud CAUBET, 1991, p.262). Caubet resume da seguinte forma o ocorrido:
É o Brasil que tomou a iniciativa de explorar a energia hidrelétrica do Paraná. Aceitou fazê-lo no quadro de um condomínio. Realizou todos os investimentos e emprestou ao Paraguai os fundos necessários para sua contribuição
Ocorre que os US$ 100 milhões relativos ao capital constituinte de Itaipu consistiram em uma parcela pequena dos US$ 12,2 bilhões de investimento direto realizado. Até que o fluxo de receita tornasse possível gerar caixa líquido suficiente para o pagamento das amortizações e encargos financeiros dos empréstimos recebidos – o que só foi atingido em meados da década de 90 – foi necessária a tomada de novos empréstimos para rolagem da dívida e o pagamento dos encargos financeiros previstos no Anexo C do Tratado de Itaipu (royalties, cessão de energia, remuneração de capital e encargos de administração e supervisão) e despesas de exploração. Com isso, o custo final do empreendimento atingiu US$ 27 bilhões. Toda a dívida vem sendo paga – e tem previsão de ser integralmente quitada até 2023 – com recursos provenientes da venda da energia gerada por Itaipu7. A dívida da empresa binacional está agora exclusivamente com a Eletrobrás, que recebe pagamentos de Itaipu e quita os financiamentos internos e externos.
Apesar das polêmicas, o empreendimento avançou gradativamente. Em 1984 foi inaugurada a primeira unidade geradora e, em 2007, foram concluídas as 20 unidades geradoras previstas no seu projeto original. Atualmente Itaipu atende a aproximadamente 95% da demanda de energia elétrica existente no Paraguai e a 23% da demanda brasileira. Os governos brasileiro e paraguaio recebem ainda significativa compensação financeira pela utilização do potencial hidráulico do Rio Paraná para a produção de energia elétrica na Itaipu. Os chamados royalties são pagos todos os meses desde que a Itaipu começou a comercializar energia, em maio de 1985.
No Paraguai os recursos dos royalties são repassados integralmente ao Tesouro Nacional. De acordo com Itaipu, até 31 de outubro de 2007, foram pagos mais de US$ 2,8 bilhões ao Paraguai e mais de US$ 3,1 bilhões aos governos brasileiros. O Tesouro Nacional brasileiro recebeu inteiramente os royalties até 11 de janeiro de 1991, quando entrou em vigor a Lei dos Royalties, que discrimina a sua distribuição entre Estados, municípios e a União. De acordo com essa lei, a distribuição da compensação financeira é feita da seguinte forma: 45% aos Estados, 45% aos municípios e 10% para órgãos federais (Ministério do Meio Ambiente, o Ministério de Minas e Energia e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
O orçamento anual de Itaipu é de cerca de US$ 2 bilhões e 500 milhões de dólares. Desse total, 75% é utilizado no pagamento da dívida e juros da dívida sobre a construção da Usina, 14% para o pagamento dos royalties aos governos e municípios do Brasil e Paraguai, sobrando 11% para custeio e investimentos. Itaipu não distribui lucros. Apenas paga rendimentos sobre o capital alocado a ela pelas empresas Eletrobrás e Ande (BETIOL, 1983, p.190).
O complexo esquema financeiro estabeleceu que a energia produzida fosse dividida em partes iguais entre os dois países, garantindo a cada um o direito de aquisição da energia que não seja utilizada pelo outro país para seu próprio consumo. Esse direito é remunerado na forma prevista no Anexo C do Tratado, representando um custo adicional. Na prática, como o Paraguai não consome os 50% a que tem direito, o Brasil compra a produção excedente. Assim, no primeiro semestre de 2007, o custo médio total da energia para a Eletrobrás foi de US$ 37,65/MWH. A parte da energia correspondente à metade da geração total da Usina, custou US$ 36,40/MWH. A energia cedida pela Ande à Eletrobrás, sob a qual incide o custo da remuneração por cessão de energia (US$ 2,72/MWh), custou US$ 39,13/MWh. Em comparação, no mesmo período, o custo médio para a Ande foi de US$ 24,08/MWh.
O fato de o Paraguai pagar menos pela energia é temporário. Hoje Itaipu produz mais energia que poderá produzir no futuro, quando estiver construída a hidrelétrica de Corpus. Pela negociação, Itaipu só poderá gerar 700 megawatts em cada turbina. A energia atualmente excedente, que é temporária, é vendida aos dois países a preços menores. Para o Brasil, representa uma parcela pequena da energia comprada de Itaipu. Já para o Paraguai é uma grande parte, fazendo com que o preço médio pago pelos paraguaios seja bem menor que o pago pelos brasileiros.
Os fatos indicam que se ambos os países se beneficiaram com a construção e operação de Itaipu, certamente o Paraguai o fez com maiores vantagens frente aos riscos e esforços empreendidos. Apesar disso, setores políticos paraguaios denunciam o que seriam práticas imperialistas do Brasil frente ao seu vizinho mais fraco. É o que se pode depreender, por exemplo, do editorial do jornal paraguaio ABC Color, de 20 de maio de 2007, dia em que o presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva realizava visita oficial ao país. Neste editorial o jornal afirma ser o Brasil um país imperialista e explorador das riquezas paraguaias; acusa a Eletrobrás de ser uma empresa usurária; reclama da obrigatoriedade da venda, para o Brasil, do excedente de energia não consumido pelo Paraguai a um preço que seria irrisório; alerta para o risco de que o Brasil reivindique Itaipu como sua diante da dívida paraguaia com a Eletrobrás; e conclui em tom de ameaça:
No extrañe, por lo tanto, que esta circunstancia esté creando en la población paraguaya una frustración y encono en contra de la despiadada y tiránica política brasileña hacia nuestro país, que en cualquier momento, de no ser corregida esta injusta explotación, podría crear situaciones de violencia física entre ciudadanos de ambos países. Si ello ocurriera, la actitud imperialista de Brasil en Itaipú será la responsable.
As referências ao Brasil como país imperialista e explorador do Paraguai não são novas, embora careçam de fatos que as sustentem. Na verdade há aqui um apelo para a idéia de que os mais fracos o são necessariamente por serem explorados por alguém. Difícil aceitar essa argumentação no caso de Itaipu. Ao contrário, em um mundo em que a escassez energética se torna cada vez mais um fator restritivo, a segurança que o Paraguai dispõe neste setor após a construção de Itaipu não pode ser desprezada. As acusações sobre as práticas supostamente usurárias da Eletrobrás, por sua vez, não considera a absoluta ausência de investimentos paraguaios para a construção e operação de Itaipu. De fato, a partir do choque de petróleo de 1973, o mundo assistiu a um choque de juros promovido pelo Banco Central dos Estados Unidos, o que resultou em uma crise financeira que atingiu o Paraguai não mais do que o Brasil e outros países sul-americanos. Culpar a Eletrobrás pelas controversas características do sistema financeiro internacional é seguir por uma trilha simplista.
O editorial fala ainda que “de los 45.000 MWh por año que pertenecen al Paraguay, nuestro país apenas consume 7.000 MWh por año, lo que a estas alturas de los tiempos es absolutamente intolerable”. Considera intolerável, portanto, a quantidade de energia consumida pelo Paraguai, como se o Tratado de Itaipu impedisse esse país de se industrializar e ter uma demanda energética maior. O editorial continua afirmando que “el Tratado le obliga a entregar al Brasil sus restantes 38.000 MWh a un precio ridículo de poco más de 2 dólares por MWh”. Conforme assinalado anteriormente, os US$ 2,72/MWh referem-se na verdade a um custo adicional previsto no Anexo C do Tratado como forma de “remuneração pela cessão do direito a compra de energia” e não como “custo de energia”. Ao contrário do que sugere o ABC Color, o Brasil pagou, no primeiro semestre de 2007, US$ 37,65/MWH pela energia de Itaipu não consumida pelo Paraguai, enquanto que este país pagou no mesmo período apenas US$ 24,08/MWh pela energia a que tinha direito, conforme os dados de Itaipu citados acima.
Diante deste quadro seria de se perguntar qual a vantagem para o Brasil em aceitar o aproveitamento conjunto da energia hidrelétrica do Paraná. Afinal, conforme abordado anteriormente, o País poderia optar pelo aproveitamento mais acima do Paraná, o que significava maior proximidade com os centro consumidores do sudeste, e, portanto, menores custos de megawatt/hora, ou desviar o rio para viabilizar o aproveitamento das Sete Quedas exclusivamente em território nacional. Adicionalmente, como cinco das Sete Quedas pertenciam ao Brasil, mesmo que se decidisse pelo seu aproveitamento conjunto com o Paraguai, ainda assim seria de se esperar que entre 70% e 80% da energia produzida fosse propriedade brasileira, ao invés dos 50% estabelecidos na Ata das Cataratas e no Tratado de Itaipu.
Em primeiro lugar cumpre destacar que ao contribuir para que o Paraguai dispusesse de abundante oferta de energia elétrica o governo brasileiro mitigou a influência que a Argentina vinha exercendo sobre aquele país desde o fim da Guerra da Tríplice Aliança. Reforçou, portanto, sua política tradicional de evitar que Buenos Aires capitaniasse a formação de alianças hostis ao sul das fronteiras brasileiras.
Em segundo lugar é preciso recordar que o ano da assinatura do Tratado de Itaipu (1973) foi também o ano em que ocorreu o primeiro choque do petróleo. A questão energética assumia àquela época posição de destaque nas pautas governamentais. O Paraguai tornava-se com Itaipu um grande produtor e exportador de energia. Já o Brasil, à época em acelerado processo de industrialização, passou a dispor da energia necessária para atender grande parte da demanda interna.
Por fim, a posição adotada pelo governo brasileiro pode ser explicada como uma espécie de concessão ao País vizinho, como forma de superar de uma vez por todas as queixas paraguaias quanto ao Tratado de Limites de 1872. No entanto, apesar da questão de limites ter sido superada, outras questões fronteiriças emergiam, com destaque para os assuntos de natureza econômica associados ao abastecimento energético e ao preço da energia paga pelos países. Esse redirecionamento do foco da tensão fronteiriça corrobora a tese de Raffestin & Guichonnet (1988), para quem as relações econômicas estariam se sobrepondo à rigidez dos limites territoriais, cuja natureza é eminentemente política. Tal constatação não significa que as fronteiras deixaram de ser relevantes ou mesmo que tenderiam a não mais existir. Apenas reforçam o entendimento das áreas de fronteiras como zonas de integração e de articulação, menos sucetíveis às restrições políticas (RAFFESTIN & GUICHONNET, 1988).
Vallaux (1911) já havia ressaltado que a zona-fronteira consiste em uma área destinada simultaneamente às interpenetrações (associadas aos aspectos econômicos) e às separações (relativas aos aspectos políticos). Nesse sentido, a antiga disputa entre Brasil e Paraguai sobre os limites territoriais (natureza política) e a emergente questão energética (natureza econômica) estão inseridas no contexto de evolução da tensão fronteiriça entre os dois países ao longo do tempo. Neste quadro de análise a emergência dos aspectos econômicos é reforçada pela perspectiva de integração econômica também no âmbito do setor de transportes, com destaque para a Hidrovia Paraguai-Paraná, abordada a seguir.”
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Fonte:
MÁRCIO GIMENE DE OLIVEIRA: "A FRONTEIRA BRASIL-PARAGUAI: PRINCIPAIS FATORES DE TENSÃO DO PERÍODO COLONIAL ATÉ A ATUALIDADE”. (Dissertação de Mestrado submetida ao Departamento de Geografia da Universidade de Brasília, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Geografia, área de concentração Gestão Ambiental e Territorial). Universidade de Brasília - Departamento de Geografia. Brasília, 2008.
Nota:
A imagem (fonte: www.cepa.if.usp.br) inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público
A Usina Hidrelétrica de Itaipu
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