Eça de Queirós e a política colonial



“Tendo nítido que uma das maneiras de Eça de Queirós lidar com determinados assuntos - principalmente aqueles que envolvessem política - fosse através da ironia, não nos é surpreendente o juízo do escritor a respeito da política colonial. Em suas crônicas de As Farpas o assunto é abordado e vai de encontro à concepção de posse das colônias tida por muitos portugueses. Para a maioria, as colônias eram como troféus recebidos pela força e valentia dispensadas na conquista de territórios. Patriotas engrandeciam-se ao recordar a primazia de seus navegadores que, ao sair na frente, alcançaram territórios nunca vistos por qualquer outra nação da Europa.

As terras por eles desbravadas e colonizadas, mesmo que não trouxessem o lucro que no passado trouxeram ou qualquer outro beneficio, eram mantidas como relíquias de um tempo no qual “exploradores hesitantes, assaltados pelo perigo e perseguidos pela morte, marcaram as grandes rotas comerciais com barcos cada vez maiores.” Honravam-se em narrar seus ataques - que não poupavam nem mulheres e crianças - em nome de Deus e, é claro, lucro. Acontece, porém, que com a mesma presteza que descobre, domina e faz dinheiro, o país esgota suas riquezas. Concomitantemente, outras nações entram no páreo pela disputa de novas terras e, diferentemente de Portugal, lançam bases que não permitem um desmoronamento futuro. Portugal, ao contrário, arruína-se. Restam-lhe somente as colônias, que não proporcionam mais lucros e são, também, juntamente à terra colonizadora, arrastadas para a miséria.

Esta maneira de enxergar o país, escolhida pelos portugueses em meados do século XIX, encaixa-se em um dos conceitos de patriotismo que Eça de Queirós desenvolve quando analisa as atitudes de um conterrâneo seu em relação à pátria. Para o escritor existem dois tipos de patriotismos que, de uma maneira simplista de interpretação, qualificam-se em saudável e não saudável. O primeiro é aquele patriotismo que, ao invés de ficar fixado no passado vangloriando feitos remotos, age de maneira a modernizar o país, colocando em prática idéias novas que estejam em harmonia com as recentes teorias capazes de arquitetar estruturas para um futuro melhor. O segundo é justamente aquele que, preso às conquistas pretéritas e, saciado com o que foi realizado, nada faz no presente para contribuir para a prosperidade do seu país. Nesse momento da história de Portugal, as colônias, bravamente adquiridas no passado, nada mais representam para o adiantamento da nação. Seus colonizadores, presos a essas conquistas, não as utilizam de maneira sensata para o progresso do país.

Eça de Queirós, consciente da ociosidade de suas colônias e revoltado com a inércia do governo, defende, através do sarcasmo, a venda dos territórios. O escritor estabelece uma analogia entre uma família em estado miserável e o país e suas colônias:

Mas somos pobres: e que se diria d’um fidalgo quando os havia que deixasse em redor d’el e, seus filhos na miséria, na fome e na immundicie – para não vender as salvas de prata que foram de seus avós? – Dizia-se que era um imbecil canalha!

A manutenção dos espaços conquistados por Portugal da maneira como vinha sendo feita pelas autoridades portuguesas (manutenção, apenas, sem contingente suficiente para a ocupação dos territórios, sem marinha para defendê-los) era inconcebível para Eça. Da mesma forma, ao sugerir a venda das colônias, ria da possibilidade de o governo extraviar todo o lucro que do negócio procedesse. Zombava da situação, pois, sob seu ponto de vista, qualquer atitude tomada pelos administradores seria o caos.

Restava aos descontentes com a situação nada mais que a pilhéria. Acreditava que, mesmo as próprias colônias de Portugal, que na visão dos europeus eram habitadas por seres “inferiores”, já idealizavam uma separação daquela nação que, apartada do progresso do restante do mundo, as legaria, também, um futuro lastimável. Caso essa separação não acontecesse através da tomada de consciência das próprias colônias, havia o risco também de a Europa, na tentativa de libertar tais lugares da situação lancinante em que viviam, desapropriá-las de Portugal.

A absolvição do domínio português – a venda das colônias para a Inglaterra, por exemplo - seria para os territórios ultramarinos a suposição de um destino diferente, provavelmente melhor, do país que os subjugou. Essas hipóteses levantadas sobre perda das colônias portuguesas pelo país é que incitaram o escritor a sugerir uma atitude que ele mesmo reconhece como agiotagem, mas que era praxe de uma nação do século XIX. A venda das colônias era, para o escritor, uma das soluções cabíveis aos abundantes problemas de Portugal.

Ao término desse capítulo chega-se a conclusão que qualquer biografia sobre o escritor Eça de Queirós recairá, inevitavelmente, no discussão sobre uma provável influência da conturbada infância que o autor teve, mais tarde, em seus escritos. Isso porque, quem se dedica a uma leitura completa da história dos seus primeiros dez anos de vida, percebe que sua meninice foi no mínimo diferente daquela considerada ideal. Alguns apoiarão a tese de Simões, acreditando na idéia de que seus textos – revoltados e sarcásticos para com a sociedade - nada mais são que um reflexo dos primeiros anos de vida do escritor. Outros seguirão a ideia de Mónica, que argumenta não ser possível afirmar tal influência, uma vez que não há um embasamento verídico para a defesa dessa tese.

O que não cabe a nós, leitores, é inferir, por meio da ficção escrita por Eça de Queirós, se a infância do escritor foi boa ou ruim – o que viria, segundo Simões, a dar uma configuração específica aos seus textos. Temos dele um número razoável de cartas e críticas, nas quais não esconde sua opinião sobre os mais diversos assuntos. Ao contrário, sobre a infância, não existem registros de textos, nem fotos, nem comentários. O que há, de fato, é uma famosa asserção do autor sobre o seu desinteresse em dar dados pessoais para o desenvolvimento de uma biografia sua: “Um homem de letras que não escreve memórias tem realmente direito a que os outros lhas não escrevam”. Também não podemos entender esse declínio a respeito de um livro que contasse a história de sua vida, como uma tentativa de sonegar ou repelir seus primeiros anos de vida. Seu desinteresse pelo livro poderia dar-se por outras razões – essas mesmas que ele não tinha intuito em dividir – que nada tivessem a ver com a infância.

A visão crítica que tinha a respeito do mundo - principalmente a respeito de seu país de origem - e a capacidade inventiva e de escrita do autor, florescem a partir das leituras que ele mesmo realiza em sua juventude. Ao ir estudar em Coimbra, por mais que da própria universidade não viesse a colher muitos frutos, Eça entra em contato com teorias e idéias vigentes em países em pleno desenvolvimento e resolve direcioná-las a Portugal. Quando, ao comparar os acontecimentos de sua nação com os acontecimentos de Inglaterra, por exemplo, Eça descrê que Portugal possa mais uma vez alcançar o progresso, por se encontrar em tão crítico estado de torpor.

Começa, em vista disso, juntamente a colegas que partilhavam as mesmas ideias, a farpear o próprio país e a participar de conferências nas quais pudesse expor suas convicções. Resolve utilizar a ironia ao chegar a um ponto em que nada resta a fazer pelo país, senão ridicularizá-lo. Suas ideias e da geração de 1870, são vistas como reacionárias, subversivas, infundadas. Enquanto que, em outras nações da Europa, essas mesmas ideias levavam ao crescimento sucessivo. Influenciado por escritores, como Flaubert e Zola, resolve inovar na arte e libertar Portugal de uma escrita ultrapassada e repetitiva. Mais uma vez é criticado, acusado de plágio, enquanto tentava, tão somente, atualizar o próprio país também na área da literatura.

Resta-lhe o isolamento, a fuga para outros lugares onde se sentia mais disposto a escrever. É arguido de cuspir na própria nação, de negar suas origens e defende-se, mais uma vez, ao explicar seus conceitos de patriotismo. Suas ideias estavam em sintonia com as correntes do século, mas Portugal, mumificada no tempo, não acompanhava tais movimentos. Eça luta a vida inteira pelo seu país, à sua maneira, com suas crenças e tentando mostrar, aos seus conterrâneos, o retrato angustiante da sociedade em que estavam inseridos. Como comenta Maria Filomena Mónica, Eça de Queirós, do seu jeito, “acabou por contribuir para a modernidade do país onde nascera” .

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Fonte:
MARIA CAROLINA SOUZA SILVEIRA: "A CRÍTICA PÓS-COLONIAL E O ROMANCE DE EÇA DE QUEIRÓS" (Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Letras da Fundação Universidade Federal de Rio Grande como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em História da Literatura. Orientador: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUIS GIOVANONI FORNOS). Rio Grande, 2010.

Nota
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