Estudos sobre a intertextualidade em obras de Machado de Assis



“O estudo das inúmeras “presenças” nos textos de Machado de Assis não é novo. Eugênio Gomes, um dos pioneiros nessa área, ao realizar estudos sobre a influência inglesa em Machado de Assis, verificou a importância desse artifício e afirmou que é “imprescindível a necessidade de tais investigações, até porque abre caminho à elucidação do processo de criação ou recriação artística em muitas de suas minúcias reveladoras” (1958, p. 97). Magalhães Júnior, por sua vez, constatou diversas “influências” em Vida e obra de Machado de Assis (1981) e Machado de Assis desconhecido (1991).

Antonio Candido (1995), partindo da leitura de alguns romances e contos pertencentes à fase madura de Machado, procurou desvendar algumas características da obra desse autor e conclui que, para uma melhor análise literária, era preciso partir da leitura da presença da literatura universal intrínseca àquelas obras. Candido demonstrou, além disso, como Machado de Assis buscou igualar seu estilo ao de Sterne, usando o discurso fragmentário e o narrador intruso, e ao de Voltaire, resgatando certo tipo de conte philosophique, conforme apontado por nós, na introdução deste trabalho, quando então citamos Merquior, estudioso que também notou essa ligação.

Lúcia Granja, em Machado de Assis, escritor em formação (2000), analisa alguns pontos importantes a respeito da questão da intertextualidade nas primeiras crônicas machadianas. Segundo ela, o uso das citações não é uma forma de ilustrar e/ou ornamentar o texto (p. 44-45), dado que a exploração da intertextualidade constitui um dos recursos retóricos e literários mais utilizados pelo autor brasileiro. Decorre daí a necessidade de que as referências machadianas sejam desvendadas, para, que a ironia seja, então, revelada por completo. A pesquisadora destaca ainda outras características da crônica (o diálogo com o leitor e o olhar atento dirigido à realidade social brasileira, por exemplo) que mais tarde serão incorporadas à prosa.

Edoardo Bizzarri (1961) e Francesca Barraco-Torrico (2005), realizaram levantamentos e reflexões sobre a presença italiana na obra desse grande autor brasileiro. A presença portuguesa foi estudada por Marcelo Sandmann (2004), cuja pesquisa enfoca a biografia do autor, passando pela historiografia e pela crítica, para, ao final, arrolar e descrever os inúmeros autores portugueses presentes na obra machadiana, dentre os quais se destacam Almeida Garret e Luis de Camões.

Gilberto Pinheiro Passos, por sua vez, enfocou a presença francesa em cinco romances de Machado de Assis: A poética do legado (em Memórias póstumas de Brás Cubas), As sugestões do Conselheiro (em Memorial de Aires e em Esaú e Jacó), O Napoleão de Botafogo (em Quincas Borba) e Capitu e a mulher fatal (em Dom Casmurro).

Em A poética do legado, Passos observa como a obra machadiana é permeada por “presenças” diversas: “A caminhada do leitor, portanto, se fará com freqüentes incursões no amplo domínio de uma vasta gama literária” (1996a, p. 11); o estudioso ainda destaca que a citação machadiana é

alterada de acordo com as necessidades do próprio romance, o que revela uma nova faceta da tradição, vista não mais como um cânone fixo, mas campo do possível, no qual as novas inquietações temáticas e formais vão buscar elementos
(1996a, p. 39).

Dessa forma, o estudioso conclui que, para compreender o processo de composição da obra de Machado de Assis, é preciso conhecer as referências do narrador, que se “apropria” de textos, fatos e objetos franceses, alterando-os conforme a necessidade do romance.

Os estudos de Bizarri, Barraco-Torrico, Sandmann e Passos têm um caráter amplo, enfocando a relação das obras machadianas com as culturas italiana, portuguesa e francesa.

De caráter mais geral, o estudo Alusão e zombaria (2003), de Marta de Senna, apresenta um levantamento das citações e alusões presentes em todos os romances de Machado de Assis. De acordo com a referida autora, Machado soube usar esses artifícios como nenhum outro escritor brasileiro, manipulando-os conforme seu interesse, tornando-os, desse modo, fundamentais à estrutura da narrativa.

Outros estudos enfocaram mais diretamente o diálogo intertextual entre textos machadianos e obras e/ou autores específicos da literatura mundial, como, por exemplo, Sônia Brayner (1976), em “Edgar Allan Poe e Machado de Assis: um caso de literatura comparada”, que analisou o tema da loucura em um conto de Poe e em “O alienista”. Temos outra vez, Marta de Senna, que, em O olhar oblíquo do bruxo (1998), buscou estabelecer um paralelo entre Memórias póstumas de Brás Cubas, Tom Jones (de Fielding) e Viagem sentimental através da França e da Itália (de Sterne). Outro caso é O Otelo Brasileiro de Machado de Assis: um estudo de Dom Casmurro, onde Helen Caldwell (2002) elucidou o diálogo entre essa obra machadiana e Otelo, de Shakespeare. Temos, ainda, Primos entre si (2000), de Paulo Venancio Filho onde se investigou as convergências e divergências entre os temas em Proust e Machado de Assis. Sergio Paulo Rouanet, por sua vez, em Riso e melancolia (2007), traçou um paralelo entre Machado de Assis, Sterne, Diderot, Xavier de Maistre e Almeida Garret, destacando como principal procedimento desses autores a digressão, que pode ser: “extra-textual” (composta de materiais prontos externos ao texto); “auto-reflexiva” (discute o próprio livro); “opinativa” (traz as opiniões de diversos personagens); e, “narrativa” (histórias paralelas que intercalam a principal). Ramos (2001), orientadora da presente dissertação, desenvolveu, em seu doutorado, um estudo que enfoca as consonâncias e dissonâncias entre Memórias póstumas de Brás Cubas e A consciência de Zeno, de Ítalo Svevo. Posteriormente, em sua pesquisa de pós-doutorado (2008), direcionou sua atenção às citações da Mitologia Clássica em Memórias póstumas de Brás Cubas. Por sua vez, Antonio Henrique Corrêa (2008) empreendeu uma pesquisa de mestrado cujo objetivo era verificar a relação entre alguns contos de Papéis avulsos e os “textos sagrados” da Mitologia hebraico-cristã, reunidos na Bíblia. Por fim, temos Priscila Maria Mendonça Machado (2010) que estudou, na sua pesquisa de mestrado, a presença da literatura latina no romance Memórias póstumas de Brás Cubas.

Os estudos acima mencionados comprovam a existência de um campo profícuo da vertente de estudos literários que aborda o diálogo de um texto com outros, ou ainda as relações intertextuais em geral travadas com o discurso machadiano em seus textos diversos (romances, crônicas, contos etc.). Nenhum estudioso, porém, abordou, até o presente momento, o diálogo existente entre Papéis avulsos e a Cultura Clássica. Nosso estudo, portanto, é desenvolvido com o intuito de suprir esta lacuna. Passamos, para tanto, às análises das referências à Cultura Clássica contidas na coletânea de contos machadianos."

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Fonte:
Cláudia de Fátima Montesini: “Do clássico ao comezinho: intertextualidade e ironia em Papéis avulsos, de Machado de Assis”. (Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre em Letras, área de concentração: Literaturas em Língua Portuguesa junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista, Câmpus de São José do Rio Preto Orientadora: Profa. Dra. Maria Celeste Tommasello Ramos). São José do Rio Preto, 2010.

Nota
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A imagem (Machado de Assis – 2008: Biblioteca Nacional Digital do Brasil) inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público

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