“Além de ter sua obra adaptada por vários cineastas, o nome de Machado de Assis esteve diretamente relacionado ao cinema em 1958, ano do cinqüentenário da morte do escritor, quando Magalhães Junior, crítico e biógrafo do escritor, e Paulo Emílio Salles Gomes discutiram uma suposta “intuição cinematográfica” de Machado de Assis. A idéia foi defendida por Magalhães Junior no artigo “A intuição cinematográfica de Machado de Assis”, publicado no livro Ao redor de Machado de Assis, e criticada por Paulo Emílio no artigo “O narrador e a câmera”, publicado originalmente no Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo de 27 de setembro de 1958.
No seu artigo, Magalhães Junior lamenta que Machado, doente da vista, não tenha se sentido atraído pela novidade do cinema quando ela chega ao Rio, pois a intuição cinematográfica do escritor, segundo ele, é “verdadeiramente impressionante”. Segundo Magalhães, “não houve processo estilístico em cinema que ele não tivesse usado em seus livros” (MAGALHÃES, 1958:241).
Para provar tal afirmação, o crítico afirma que a técnica narrativa de Machado é a do primeiro plano e a do close up, e que Machado trata de alguns assuntos da mesma maneira que alguns mestres do cinema, caso de cineasta como Dreyer, John Ford e Hitchcock. Magalhães afirma que em Machado o cenário é quase sem importância, a câmara, escreve ele, “como que agarra os personagens, enfocando-lhes as expressões, os esgares, os trejeitos, numa perseguição implacável” (MAGALHÃES, 1958:241).
Magalhães continua seu raciocínio afirmando “que Machado realiza com palavras verdadeiros instantes cinematográficos, não porque esses instantes se prestassem a filmagens, mas porque antecipadamente usou em tais momentos os meios que o cinema mais tarde iria pôr em voga” (MAGALHÃES, 1958:242) e cita como exemplo a questão da técnica do flashback que Machado usa em vários romances e que seria depois incorporada pela linguagem do cinema.
Magalhães cita ainda o episódio do delírio de Brás Cubas e a fusão de imagens que o livro evoca, alegando que a leitura deste episódio é uma experiência tipicamente de cinema. Outro exemplo da técnica cinematográfica em Machado estaria no capítulo seguinte ao delírio, “Transição”, no qual Machado em poucas linhas associa o episódio de Virgília a um pecado de juventude, para passar a falar não da sua juventude, mas do seu nascimento.
O critico descreve ainda várias outras cenas dos romances e contos de Machado, mostrando de forma entusiasmada como elas poderiam ser decompostas em planos cinematográficos. Lembra da lápide de Nhá-loló em Memórias póstumas que é apresentada no livro como uma imagem, um close, diz ele. Tal close seria “o espírito da síntese de uma narrativa cinematográfica” (MAGALHÃES, 1958:246). Magalhães cita também passagens
O artigo de Paulo Emílio sai no mesmo ano da publicação do livro de Magalhães Júnior. Paulo Emílio revela que sente uma espécie de pasmo e admiração pela fecundidade do trabalho do escritor, visto que sempre encontra um novo livro deste quando visita as livrarias. Diz que procurou o texto de Magalhães por dever do ofício, pois solicitaram a ele, devido ao cinqüentenário da morte de Machado, que ligasse o nome do autor de Dom Casmurro ao cinema.
Paulo Emílio registra que ao ler o texto notou dois erros de informação. Na cena do filme de Charles Chaplin, citada por Magalhães, não é Carlitos que vê o companheiro transformado em um animal, é ele que se transforma, e o animal não é um peru, como afirma Magalhães, mas um frango. Paulo Emílio escreve isso porque acha que os deslizes do ensaísta mostram que ele não tem muita familiaridade com o tema cinema, apesar de ter trabalhado como tradutor de filmes.
O critico do jornal afirma então que os argumentos de Magalhães são inconsistentes e passa a rebatê-los. Sobre a técnica de Machado ser a do primeiro plano ou close, sem uma importância maior da cenografia. Paulo Emílio diz que não consegue abstrair a aventura de Bentinho e Capitu da casa de Matacavalos, da mesma forma que não consegue abstrair o cenário da ação dos filmes de Dreyer, Ford e Hitchcock. Escreve ainda que a noção de planos em Machado de Assis é das mais variadas e ele não trabalha apenas com planos fechados.
Sobre os flashbacks, Paulo Emílio escreve que a liberdade de composição com referência à cronologia era corrente na literatura e cita como exemplo os memorialistas,
Não teria sido difícil para ele perceber que as múltiplas semelhanças entre a técnica literária e a cinematográfica não precisam ser atribuídas a intenções geniais, mas decorrem simplesmente das possibilidades narrativas dos dois meios de expressão (GOMES,1981:417).
Na seqüência do texto, Paulo Emílio fala das relações entre cinema e literatura para a construção da linguagem cinematográfica em função de procedimentos já experimentados pelo romance. Cita Griffith que teria pensado na montagem paralela dos seus filmes a partir da leitura dos romances de Dickens, mas não volta mais à questão levantada por Magalhães Junior.
A menção a essa polêmica envolvendo Paulo Emílio e Magalhães Junior é interessante não só pelo fato de o primeiro ser um dos autores do roteiro que vamos analisar, mas também porque associa o nome e a obra de Machado de Assis ao cinema."
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Fonte:
Cesar Adolfo Zamberlan: “Dom Casmurro sem Dom Casmurro”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
Nota:
A imagem (Biblioteca Nacional Digital do Brasil) inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
A “intuição cinematográfica” de Machado de Assis
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