Novas perspectivas sobre o conceito de cultura



“A partir da abordagem crítica sobre sua investigação de como a cultura é estudada em seu processo sócio-histórico, Sahlins apresenta o seu posicionamento quanto a essa questão. Além desse autor, teremos para essa discussão a contribuição do pensamento de Michel Maffesoli, entre outros autores.

Sahlins aponta a necessidade da antropologia se libertar do tradicionalismo herdado do mundo ocidental que se pretende ser hegemônico e universal. Nesse sentido, o autor refere-se, entre outros aspectos, ao positivismo, ao utilitarismo e ao geneticismo. Quanto aos seus objetivos sobre o estudo da cultura, Sahlins assinala:

“Meus objetivos tampouco serão completamente idiossincráticos: mesmo quando se opõem a algum outro, eles são formulados com base numa lógica cultural comum. Todavia, essa alusão adicional a Mead faz-nos lembrar que diferentes valores da lógica social, alguns mais particularistas, outros mais universais, encontram-se em intersecção na pessoa
. (SAHLINS, 2004, p. 309).

Ao estabelecer um paralelo as proposições de Sahlins, consideramos que o olhar a ser dado ao imaginário social da loucura precisa partir desse viés. Ou seja, tratamos de uma lógica cultural comum (parafraseando o autor), que envolve o cotidiano de um grupo e as suas construções simbólicas a partir de uma lógica social.

Michel Maffesoli (1987) apresenta em sua abordagem ferramentas que colaboram na superação das limitações herdadas de um tradicionalismo em que o conceito de cultura é afetado. Ou seja, são novas perspectivas metodológicas que contribuem para repensar o conceito de cultura e a sua relação com os aspectos socioculturais na contemporaneidade.

Assim, somaremos para o nosso entendimento de cultura a definição que Maffesoli (1987) atribuiu ao termo articulando com a ideia de “identidade”:

Fica entendido que, “a identidade” diz respeito tanto ao indivíduo quanto ao grupamento no qual este se situa. [...] De fato, a identidade em suas diversas modulações consiste, antes de tudo, na aceitação de ser alguma coisa determinada. É a aquiescência em ser isto ou aquilo; processo que, em geral, sobrevém tardiamente no devir humano ou social. Com efeito, o que tende a predominar nos momentos de fundação é o pluralismo das possibilidades, a efervescência das situações, a multiplicidade das experiências e dos valores, tudo aquilo que caracteriza a juventude dos homens e das sociedades. Direi, por meu lado, que se trata do momento cultural por excelência
. (MAFFESOLI, 1987, p. 92).

A relação que Maffesoli faz entre identidade e cultura nos faz pensar nos processos de construção de novas possibilidades no social. Ou seja, a cultura é construída a partir do entendimento de que a identidade está, diretamente, interligada aos processos grupais levando em consideração as multiplicidades das experiências e dos valores que estão localizados no social.

Nesse sentido, podemos compreender que os moradores de Campo Grande interpretam loucura baseado nas multiplicidades das experiências no ambiente social. São símbolos, mitos, ritos que envolvem significados diversos.

Segundo Laraia (2003), a discussão sobre a compreensão do conceito de cultura nunca terminará, pois se trata de um tema de incansável reflexão humana. Laraia acredita que a cultura é um sistema de símbolos e significados.

Para esse autor, cada sistema cultural, que é constituído por símbolos e significados, está sempre em constante mudança. É necessário entender essa dinâmica “para atenuar o choque entre as gerações e evitar comportamentos preconceituosos” (LARAIA, 2003, p. 101).

A partir das perspectivas apresentadas pelos autores citados podemos considerar que a cultura se constitui em um processo dinâmico composto por significados e uma ordem simbólica. Interpretar as culturas significa interpretar símbolos, mitos, ritos e crenças oriundas de vivências e do senso comum que compõem o cotidiano.

Essa constatação é de fundamental importância para o nosso estudo, pois é desta forma que entendemos a construção do imaginário da loucura.

Tal constatação foi observada nas entrevistas realizadas com alguns dos moradores de Campo Grande. Para alguns dos entrevistados o louco precisa não só de atenção qualificada, mas também da presença da família como um dispositivo na busca de um melhor tratamento para a pessoa em sofrimento psíquico. Além disso, condenam as práticas asilares.

Nesse sentido, é percebido, nas entrevistas, que o conceito cultural de loucura passa por transformações através de novos significados e imagens da loucura e do louco. São sentimento, valores e crenças que estão se transformam a partir de uma lógica simbólica. Cabe ressaltar, que apareceram, também, nos relatos de outros entrevistados construções culturais de uma herança da biomedicina. Ou seja, a “cura” e o controle da loucura através só do remédio, medo do louco por ser agressivo e a dúvida da inserção da pessoa em sofrimento psíquico no mercado de trabalho.

Percebemos, então, dois discursos que fazem parte de um mesmo processo de produção cultural. Não nos importa se são antagônicos ou não. Interessa-nos saber que são discursos relacionados às vivências e as experiências individuais e coletivas no âmbito das práticas socioculturais em pleno movimento ou dinamismo."

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Fonte:
EDIMILSON DUARTE DE LIMA: "IMAGINÁRIOS DA LOUCURA: ESTUDO ETNOGRÁFICO EM UM CENÁRIO CHAMADO CAMPO GRANDE/RJ". (Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Psicologia. Orientador: Prof. Dr. Luiz Felipe Baêta Neves Flores). Rio de Janeiro, 2009.

Nota
:
A imagem (Revista “A Novella Semanal”, 1921: Brasiliana - USP) inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

Disponível digitalmente no site: Domínio Público

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