A mortalidade no final do século XIX


A estatística, a seguir, consta de um Anuário publicado no ano de 1891, e que versa sobre a redução da mortalidade no que se chamavam "países civilizados", ou seja, a Europa. Dentre algumas hipóteses acerca desse progresso humano, cita-se a vacina como um dos grandes fatores para o aumento da expectativa de vida dos europeus. Um dado sem dúvida interessante quando comparado aos dias de hoje.

Charge publicada em 1895 na revista "A Cigarra", que brinca com a dificuldade do diabético em encontrar um lugar para urinar, e a atitude moralizante da polícia em não permitir que isso seja feito em local público

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Diminuição da mortalidade nos países civilizados

É sempre agradável podermos dizer que morremos menos cedo hoje do que outrora, que a vida média tornou-se mais longa. Com efeito, é fato averiguado que a mortalidade diminuiu por toda a parte na Europa de um século para cá. Segundo o Dr. Vacher, deputado de Corrèze, a mortalidade cm França era, por 1.000 vivos de todas as idades, no tempo de Laplace e de Condorcet, 1770—1783, de 34, no entanto que não excede hoje de 22, conforme ficou demonstrado no congresso do instituto internacional de estatística
em Roma. Em uma comuna de Corrèze a mortalidade era, em 1775—1790, de 41; agora não vai além de 24, de sorte que a idade média tios óbitos é, hoje de 36 anos, quando então era de 23 anos. E a mesma cousa se dá na maior parte dos departamentos e nos outros países. Na Suécia, em 1740, contavam-se, por 1.000 habitantes, 28 falecimentos por ano; nos nossos dias dão-se apenas 17. Na Suécia e na Noruega a mortalidade é mais fraca do que em outra qualquer parte. Na Itália, a mortalidade era em 1774, no antigo ducado de Milão, de 41 por 1.000, desceu a 28 por 1.000. Em Roma mesmo, onde a mortalidade era, de 1794 a 1800, de 39 óbitos por 1.000, desceu em 1880—1885 a 27.

De onde provém este feliz decrescimento? Alguns políticos franceses atribuíram-no à influencia da revolução francesa. Entretanto ele se dá em outras partes tanto quanto na França e em regiões que não se aproveitaram senão muito tarde do aparecimento das, idéias novas. A verdade é que tem por origem os progressos da civilização geral, os progressos da higiene. Também se tem atribuído a diminuição da mortalidade aos progressos da medicina. O Dr. Vacher confessa francamente que a medicina não concorre para isso com grande cousa, salvas poucas exceções. Quando (pondera ele) diz-se, para sustentar esta tese, que em 1660, por exemplo, no Hotel-Dieu de Paris, morria a quarta parte das parturientes, entretanto que hoje a mortalidade não chega á vigésima parte, pode-se responder que a medicina em nada contribuiu para este resultado; bastou evacuar o velho Hotel-Dieu, sanear as salas e isolar as doentes para diminuir a proporção dos óbitos. Semelhantemente o Dr. U. Trélat, em uma comunicação recente à academia das ciências, anunciava que nas amputações dos membros ele perdia, de
1880 a 1884, 1 operado em 4, de 1884 a 1887 não perdeu mais do que 1 em 25! De que proveio a diferença? Simplesmente do melhoramento dos curativos anti-sépticos: é, pois, à higiene que cabe a glória; como, porém, a higiene e a medicina têm por fronteiras limites muito vagos, pode-se conceder que o prolongamento da vida humana é realmente devido em grande parte aos médicos deste século.

Demais, a vacina, como diz o Dr. Vacher, representou o seu papel, e papel considerável, como já havia mostrado Bertillon pai.
A. vacinação fez cair em França os óbitos variólicos de 301.000 135 a 33.000, Na Suécia, outrora, a varíola produzia 28 óbitos por 1.0.000 habitantes; hoje, 1 óbito somente. A vacina e a revacinação obrigatórias fizeram desaparecer completamente a varíola do império alemão. Nos países alagadiços e pantanosos, o dessecamento e o emprego do sulfato de quinino diminuíram notavelmente a moralidade. O Dr. Vacher achou que, em França e na Algéria, o consumo de quinino orça por 8.000.000, deduzindo-se daqui que o consumo em toda a Europa sobe a 25.000.000.

Na Itália, a direção da estatística é um modelo. No congresso de Roma, Luiz Bodio, servindo-se de números inatacáveis, chegou exatamente às mesmas conclusões- que o Dr. Vacher. Os óbitos tornaram-se mais raios, a raça ganha em força; em 1866—1870 reformavam-se por enfermidade ou fraqueza 36 conscritos em 100; em 1881—1884 esta proporção baixou a 20. O impaludismo, o grande inimigo a debellar, foi contido pelas obras de dessecamento. Em 1874—1876 morriam de malária em 100.000 militares italianos 50 indivíduos; em 1883—1884 somente 17. Bodio conclui insistindo na necessidade de organizar rigorosamente a higiene publica. Nisso é que está o segredo do prolongamento da vida.

A mortalidade diminui, sem duvida; mas é de nosso dever fezê-la diminuir ainda mais.

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Fonte do texto:
Annuario da Provincia do Rio Grande do Sul para o anno de 1891. Azambuja, Graciano A. de (dir.).
Nota:
Para melhor compreensão do texto, a ortografia utilizada na época foi atualizada para os padrões atuais.

Fonte da imagem:
A Cigarra, anno 1, n. 07, 20 jun. 1895, ambos disponíveis digitalmente no site da biblioteca: Brasiliana - USP

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