Subversivo, revolucionário, comunista!


SUBVERSIVO, REVOLUCIONÁRIO, COMUNISTA!

Direita quer dizer fome, miséria, ditadura, e encontram-se então elementos de direita, formas de direita em todos os regimes, sejam eles capitalistas ou os assim chamados socialistas. Esquerda para mim quer dizer paz, liberdade, sem miséria, com trabalho, ter um emprego, cultura para todos, e liberdade. A Liberdade. Para todos. ( RAILLARD, 1990: 52).

Como descreveu em seu discurso para a Academia Brasileira de Letras, o rebelde ainda se transformaria em revolucionário. Amado mudou-se para o Rio de Janeiro em 1930 e lá se formou advogado, porém nunca praticou a profissão. Na faculdade, travou amizade tanto com membros de grupos de esquerda, como Carlos Lacerda, quanto com “tomistas”, o que já indicava sua tendência a conciliar os ideais políticos com a religião. Em 1931, conseguiu publicar seu primeiro livro, O País do Carnaval, pela Editora Schmidt, por intermédio de um amigo de Viegas, o crítico literário Agripino Grieco. Em entrevista ao jornalista Joel Silveira, Jorge Amado confirmou que Viegas e a Academia dos Rebeldes serviram de inspiração para a escrita de O País do Carnaval, sendo a obra bem recebida pela crítica da época. Então, por intermédio de Rachel de Queiroz, Amado ingressa na Juventude Comunista. O tom político invade sua obra. Cacau (1933), Suor (1935) e Jubiabá (1936) são frutos dessa época; este último protagonizado por um dos primeiros heróis negros da literatura brasileira. Em seguida, publicaria Mar Morto, obra que inspirou Dorival Caymmi a compor a música “É doce morrer no mar”. Os ideais comunistas levam-no a fazer parte da ALN – Aliança Libertadora Nacional – e a participar da Revolução de 1935, também chamada de “Intentona Comunista”, em Natal, no Rio de Janeiro e em Recife. Tal participação foi o motivo de sua primeira prisão política, em 1936, juntamente com Graciliano Ramos, Di Cavalcanti e Caio Prado Jr., entre outros.

Com o apoio do Partido Comunista, sai em viagem em meados da década, e visita os Estados Unidos e a América Latina. Durante o Estado Novo, em novembro de 1937, após a publicação de Capitães de Areia, regressa ao Brasil e é novamente preso. Em 19 de novembro do mesmo ano, seus livros são queimados em praça pública, em frente à Escola de Aprendizes-Marinheiros, em Salvador.

Desde o início da década de 1930, sua literatura já começara a ser “exportada” para a Europa, em função de sua atuação no Partido Comunista. Em 1935, a tradução espanhola de Cacau chega à Argentina e no final de 1938 a tradução francesa de Jubiabá é lançada em Paris, onde recebe uma crítica muito positiva de Albert Camus. Na década de 1940 suas obras são levadas também a Portugal, Espanha e Uruguai.

Em 1941, porém, Amado decide escrever um livro sobre Luís Carlos Prestes, o que torna impossível sua permanência no Brasil sem ser preso. Passa então a residir na Argentina. A obra A vida de Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, era uma tentativa de apoio à anistia de Prestes e de outros presos políticos.

Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos aliados, em 1942, e com a invasão da União Soviética, o Partido Comunista resolve apoiar o governo de Getúlio Vargas. Amado e alguns de seus “companheiros” comunistas voltam então ao Brasil. Amado é preso no Rio de Janeiro e levado a Salvador, para lá ser libertado. Depois de seis anos de proibição à publicação de suas obras no Brasil, ele lança, em 1943, Terras do Sem Fim. Foi o primeiro romance de Jorge Amado levado em tradução inglesa pela Alfred A. Knopf Publishers para os Estados Unidos.

Em janeiro de 1945, Amado preside a delegação baiana do I Congresso de Escritores, em São Paulo, sendo eleito vice-presidente desse congresso. O evento acaba se transformando em uma manifestação contra a ditadura do Estado Novo. Amado é preso, juntamente com Caio Prado Jr., mas é logo libertado. Nesse mesmo ano, além das atividades como escritor, torna-se secretário do Instituto Cultural Brasil-URSS, cujo diretor era Monteiro Lobato.

Ainda em 1945, o PCB volta à legalidade e Amado é eleito deputado pelo partido, com 15.315 votos. Tal votação e o capital simbólico que ela representou surpreendem o próprio escritor. Enquanto deputado, consegue aprovar a lei pela defesa da liberdade religiosa e pela defesa dos direitos autorais. Em 1947, o partido cai novamente na ilegalidade. Amado segue, então, para o exílio em Paris, e faz da França sua segunda casa. Foi a partir da data de seu exílio na Europa que a obra de Amado começou a se projetar mais fortemente nos países comunistas e socialistas. E também que sua obra tornou-se mais amarrada à estética do partido.

Se a amizade de Raquel de Queiroz levara-o ao comunismo, nessa altura dos acontecimentos nem mesmo a amizade de Érico Veríssimo conseguia demovê-lo. Luis Fernando Veríssimo, filho de Érico Veríssimo, por ocasião da morte de Jorge Amado relatou que:

Desde o seu rápido asilo conosco, ele e meu pai, Érico Veríssimo, foram amigos, mas a amizade passou por alguma turbulência no final dos anos 40 e início dos 50, quando a questão do engajamento político dividiu os intelectuais do País. Meu pai contava uma cena dolorosa e cômica, que se passara no banheiro de um quarto de hotel no Rio. Ele dentro de uma banheira de água quente, tentando aliviar uma cólica renal e ao mesmo tempo convencer o Jorge, sentado num banquinho ao lado, que, com toda a sua simpatia pelo socialismo, não podia aceitar o dogmatismo comunista e o totalitarismo. E o amigo tentando convencê-lo da justificativa histórica do stalinismo. Mas continuaram se gostando e se admirando e acabaram se aproximando politicamente também, engajados no repúdio a qualquer sistema desumano (Luís Fernando Veríssimo para o jornal “O Estado de S. Paulo” de 10/8/2001).

Assim, Jorge Amado passa a viajar intensamente pela Europa. Visita a Itália, a Tchecoslováquia, a Alemanha, a Bélgica, a Suíça, a União Soviética, a Suécia, a Noruega, a Dinamarca, a Holanda, a Hungria e a Bulgária. Em suas viagens, participa de conferências e congressos difundindo as idéias do Partido, e torna-se amigo de personalidades como Jean Paul Sartre, Pablo Picasso e Pablo Neruda. Traduções de suas obras surgem em Moscou, Varsóvia, Praga, Holanda, Bulgária e espalham-se pelo restante da Europa, sendo bem aceitas principalmente nos países da “cortina vermelha” onde se privilegiava o “realismo socialista”.

Em janeiro de 1950, Amado é “convidado”, por motivos políticos, a retirar-se da França, onde já morava há cerca de dois anos. Muda-se, então, para a Tchecoslováquia, passando a morar no Castelo da União dos Escritores.

Em 1951 escreve O Mundo da Paz, um relato sobre sua viagem a várias regiões da União Soviética e dos países das democracias populares, onde o povo e o governo lutam para reparar os danos causados pela Segunda Guerra Mundial. Como nos conta Edvaldo Correa Sotana, professor da UNESP:

Jorge Amado utilizou o seu relato de viagem para produzir representações sobre a União Soviética como “baluarte da paz mundial” e de Stálin como um gênio que guiava os povos na luta pela paz. A descrição de Amado sobre o pacifismo soviético pode ser compreendida ao considerar as tensões geradas pela Guerra Fria. A manutenção da paz mundial também foi um assunto tanto para capitalistas como para comunistas. (SOTANA, 2005, p. 7)

Amado acreditava que “o desejo dos soviéticos em manter a paz não provinha do temor de uma derrota militar, mas da condição de Estado socialista que não tinha interesse pela guerra e que apenas deseja avançar na construção do comunismo” (AMADO, 1951, p. 49). Na sua visão à época, o inimigo cruel era o “Imperialismo Americano”. Com a publicação de O Mundo da Paz, Amado recebeu o Prêmio Internacional Stalin da Paz. No Brasil, no ano seguinte, o autor foi processado por tal publicação e enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Mesmo assim, ele retorna ao Brasil, com garantia de liberdade assegurada pelo sargento Gregório, chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas, um fato no mínimo incoerente, mas que já mostrava a força que adquiria o capital social de Jorge Amado. Os subterrâneos da liberdade, publicado em 1954, também seguiu fortemente a estética do PC.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, com a aprovação da lei anticomunista Mc Carram-Water, no início da década de 1950, o escritor fica proibido de entrar naquele país e seus livros têm sua publicação vetada.

Suas contínuas viagens fazem com que seus romances passem, então, a ser traduzidos extensivamente para diversos idiomas, e seu capital social cresce cada vez mais.

Em 1953, sai então em Portugal, pela Editora Avante, um folheto assinado por Jorge Amado e Pablo Neruda com a intenção de libertar o líder comunista Álvaro Cunhal e demonstrar seu posicionamento de oposição ao sistema de governo de Salazar.

Mas a história política e literária de Amado começa a mudar após o recebimento do Prêmio Stalin. Em Navegação de Cabotagem, Amado (1992, pp. 241-244) revela que pouco após essa data, o medo e a incerteza já começavam a invadir sua vida. Seus antigos amigos começam a ser presos e acusados de traição. A dor de suas famílias choca Jorge e sua esposa Zélia. A revelação de torturas a que os presos políticos eram submetidos o angustia (p. 30). O anti-semitismo stalinista desagrada-o, constrange-o (p. 36).

E foi a partir daí que Amado começou a mudar seu comportamento e a se manifestar contra as decisões totalitárias do Partido. Tanto que, após a quinta edição de O Mundo da Paz, em 1953, Amado proíbe novas reedições da obra. Anos mais tarde, o autor confessaria que o fez por achar a obra “desatualizada”, não correspondendo à realidade das nações comunistas da época43. Relata ainda em Navegação de Cabotagem:

Publicado no Brasil pela editora do pecê, O Mundo da Paz vendeu cinco edições em poucos meses, valeu-me processo na justiça, acusado de autor subversivo. Convidei João Mangabeira para meu advogado, mas não cheguei a ir a juízo, o magistrado a cargo do processo mandou arquivá-lo com sentença repleta de sabedoria: “de tão ruim, o livro não chega a ser subversivo, é tão-somente sectário”. Em verdade não escreveu “de tão ruim”, o acréscimo quem faz sou eu, autocrítica tardia, mas sincera.
Dei razão ao meritíssimo, retirei O Mundo da Paz de circulação, risquei-o da relação de minhas obras, busco esquecê-lo, mas, de quando em vez, colocam em minha frente um exemplar com pedido de autógrafo. Autografo. O que posso fazer se o escrevi? (AMADO, 1992, p. 234).

Assim, a partir de 1955, já consolidada sua decepção com os rumos e as atividades do Partido, e em virtude das revelações que surgiriam no Congresso do PCUS (Partido Comunista da União Soviética) e do Relatório de Kruchev, das quais Amado já tinha conhecimento, ele decidiu finalmente desligar-se do Partido Comunista. O escritor era agora um novo Jorge Amado, cansado de guerra. Com as revelações do XX PCUS, muitos outros intelectuais também abandonaram o comunismo. A princípio, sua saída fora silenciosa, sem muitas declarações, mais cheia de pesares. Aos poucos, com o passar do tempo, e de forma lenta, Amado começou a se abrir sobre o incidente e a revelar sua decepção e sofrimento.

Confessou a Raillard:

Para mim, o processo foi extremamente doloroso, e tão terrível que eu não gosto... sequer de me lembrar. Não acreditar mais em tudo em que antes acreditara, naquilo pelo qual lutei minha vida inteira, da forma mais generosa, ardente, apaixonada e arriscada. E tudo isto estava afundando, você me entende? Aquele a quem víamos como a um deus não era um deus, era somente um ditador, um ditador à maneira dos... autocratas orientais... (RAILLARD, 1990, p. 141).

No documentário dirigido por João Moreira Salles (1995), Jorge Amado é entrevistado e fala sobre o mesmo episódio, agora de maneira mais ressentida, rejeitando o discurso político de sua primeira fase como escritor. Ele mostra claramente a mágoa que lhe deixara a desilusão com o Partido Comunista:

Nenhum escritor naquele momento, naquela ocasião, era um escritor que não tivesse um engajamento. E toda a primeira parte da minha obra traz um discurso político que é uma excrescência. Nós éramos stalinistas, mas terrivelmente stalinistas. Para mim Stalin era meu pai, era meu pai e minha mãe. Para a Zélia, a mesma coisa. Nós levamos uma trajetória de anos cruéis para compreender que o pai dela era o mecânico Ernesto Gattai e que o meu pai era o coronel do cacau João Amado. Quer dizer, o partido me utilizou, e a partir desse momento, em realidade o que o partido fez foi, sem querer provavelmente, a tentativa de acabar com o escritor Jorge Amado, para ter o militante Jorge Amado (...) No fim do ano de 1955 eu soube que a polícia socialista torturava os presos políticos tão miseravelmente quanto a polícia de Hitler. O mundo caiu sobre minha cabeça. Já sem escrever há longo tempo, já descrente por inteiro das ideologias... do fundamental das ideologias... Stalin era vivo ainda; eu deixei o partido comunista. Fui atacado por muitos comunistas, de uma forma muito violenta... O principal dirigente comunista da época, depois de Prestes, que era Arruda Câmara, disse que dali a seis meses eu não existiria como escritor e como intelectual... Felizmente ele se enganou. A ideologia você quer saber o que é, Henry? É uma merda!

Com esse desfecho tipicamente amadiano, o escritor encerrou sua demonstração de desprezo pela manipulação e pela adesão impensada a ideologias radicais. Quanto às adivinhações de Arruda Câmara, elas estavam mesmo erradas, e muito. Após ter deixado o Partido Comunista, a carreira de Jorge Amado como escritor deslanchou de forma espantosa. Escreveu inúmeras obras de sucesso, agora longe dos quadros do Partido Comunista.

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Fonte:
MARLY D’AMARO BLASQUES TOOGE: “Traduzindo o Brazil: o país mestiço de Jorge Amado”. (Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Estudos Lingüísticos e Literários em Inglês. Área de Concentração: Estudos Lingüísticos e Literários em Inglês. Orientadora: Profa. Dra. Lenita Maria Rimoli Esteves). São Paulo, 2009.

Nota
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