Augusto dos Anjos e a poética científica
Os principais defensores e teorizadores da poesia científica no Brasil – os já citados Rocha Lima, Sílvio Romero e Martins Júnior – participaram, de alguma forma, da Faculdade de Direito do Recife, centro da Escola do Recife. Como Augusto dos Anjos aí estudou de
O primeiro autor a verificar a ligação da poesia de Augusto dos Anjos com a poética científica foi Santos Neto, seu companheiro de estudos na Faculdade de Direito de Recife e para o qual Augusto dos Anjos dedicou um dos Poemas Esquecidos (Idealizações) e o Poema Negro, do Eu. Ambos moraram na mesma pensão, em Recife, e tiveram boas relações, pois Augusto dos Anjos refere-se ao colega, numa carta à mãe, como: “meu companheiro de labores intelectuais e dedicado amigo” (ANJOS, 1994, p. 695). Em Perfis do Norte (1913), Santos Neto tratou da obra de Augusto dos Anjos, afirmando que esse, inspirado pelas “grandes idéias filosóficas”, foi um adepto da poesia científica, mas sem fazer didatismos (apud MAGALHÃES JR., 1977, p.192).
Antonio Candido, em Formação da literatura brasileira (1975) afirmou que Augusto dos Anjos foi um “rastilho da explosão” daquela estética que havia estourado na geração de 1870: a dos poetas científicos. Candido considera-os modernos nas idéias – naturalistas, evolucionistas, republicanas, socialistas, anti-espiritualistas e anti-românticas – mas românticos condoreiros em suas realizações poéticas, em que predominava a oratória humanitária ou revolucionária. Augusto dos Anjos foi um rastilho porque sua obra foi produzida mais de 30 anos depois do surgimento da poesia científica.
Ledo Ivo, em As diatomáceas da lagoa (1961), afirmou que a atitude de Augusto dos Anjos apoiou-se nos conselhos, dados por Sílvio Romero, de integrar a poesia à ciência; portanto, ele pertenceria à estirpe dos poetas científicos, ainda que tenha sido, segundo o autor, o único dessa espécie a ter sobrevivido. Ledo Ivo, refletindo sobre a permanência da poesia de Augusto dos Anjos mesmo após a derrubada dos sistemas filosóficos em que ela se baseou, concluiu que essa filosofia participaria, “da própria contextura da obra” (IVO, 1973, p. 328): Augusto dos Anjos teria apresentado em seus versos uma visão particular, apesar de fundamentada naquelas idéias filosóficas que, transpostas para a esfera do poético, puderam sobreviver, pois adquiriram uma nova função.
José Escobar Faria, em A poesia científica de Augusto dos Anjos (1956), ao discutir as idéias científicas presentes no Eu, relacionou a obra de Augusto dos Anjos a “uma possível poesia científica” (FARIA, 1994, p.146). Para Antônio Houaiss (1964), a inclusão de Augusto dos Anjos na categoria dos poetas cientificistas e filosofantes seria válida. Segundo Delmo Montenegro (2004), o Eu, mesmo tendo sido publicado quase 30 anos depois do manifesto de Martins Júnior, “representou a realização plena do ideal literário do autor de Visões de Hoje [Martins Júnior]” (MONTENEGRO, 2004,
Natureza Íntima
Ao filósofo Farias Brito
Cansada de observar-se na corrente
Que os acontecimentos refletia,
Reconcentrando-se em si mesma, um dia,
A Natureza olhou-se interiormente!
Baldada introspecção! Noumenalmente
O que Ela, em realidade, ainda sentia
Era a mesma imortal monotonia
De sua face externa indiferente!
E a Natureza disse com desgosto:
“Terei somente, porventura, rosto?!
“Serei apenas mera crusta espessa?!
“Pois é possível que Eu, causa do Mundo,”
“Quanto mais em mim mesma me aprofundo,”
“Menos interiormente me conheça?”
(Outras Poesias. In: ANJOS, 1994, p. 317)
Nesse soneto, o poeta questiona a possibilidade de se investigar a natureza – examinada pelo positivismo de forma empírica, concreta, fenomênica – em sua essência, como quer o idealismo. Essa investigação pressupõe que a natureza possua uma vida interior, espiritual e independente do mundo externo, isto é, que além do fenômeno natural exista uma essência, um nôumeno, um objeto do conhecimento intelectual puro, que seria a coisa
O poema Natureza Íntima constitui uma crítica à perspectiva idealista – que defende possuir a realidade um caráter espiritual e que, no sentido gnosiológico, reduz o objeto de conhecimento à sua representação ou idéia. É também uma defesa do método positivista, científico, objetivo e descritivo, que propõe o exame dos fatos e a descoberta de suas relações constantes, expressando-as na forma de leis que permitem prever os fatos futuros. O soneto representa uma concordância com a poética científica baseada na filosofia positivista.
Além dessa evidência poética, que nos indica a influência da poética científica na obra de Augusto dos Anjos, algumas informações biográficas também apontam para o fato de que o poeta teria, realmente, estabelecido contato com essa poesia. Augusto dos Anjos possuía um tio paterno chamado Adolfo Generino Rodrigues dos Anjos que, após uma briga familiar, mudou seu nome para Generino dos Santos e se fixou no Rio de Janeiro, perdendo o contato com sua família. Esse tio foi um praticante ortodoxo da doutrina de Comte e teria produzido poesia científica; sua produção intelectual foi reunida em uma publicação póstuma, cujo título geral é Humaníadas. Augusto dos Anjos, quando se mudou para o Rio de Janeiro em fins de 1910, pôde conhecer e manter contato com esse tio. Sobre o tio, Augusto dos Anjos afirma em carta à mãe, em 21 de setembro de 1910: “quanto ao Generino com grande espanto meu, abraçou-me estreitamente, [...] dizendo ter sumo prazer em abraçar o Augusto, a quem já conhecia não só como sobrinho, mas por uma revista de Minas Gerais que me tecera elogios abundantes” (ANJOS, 1994, p. 710). Após esse primeiro contato, tio e sobrinho estabeleceram relações tão amistosas que Generino chegou inclusive a compor um poema em homenagem à filha de Augusto dos Anjos. Em outra carta à mãe, em 16 de julho de 1911, Augusto dos Anjos diz: “o Generino que é grande amigo meu e de Ester, está sempre conosco, revelando-se assaz interessado em relação aos meus negócios particulares” (ANJOS, 1994, p. 724). Depois da publicação do Eu, Augusto dos Anjos afirmou, em carta à mãe de 27 de junho de 1912, que “o Generino entusiasmou-se com os meus versos e escreveu-me uma longa carta” (ANJOS, 1994, p. 737). Com todo esse contato com o tio praticante de poesia científica, abre-se a possibilidade de que esse possa ter influenciado, de alguma forma, com suas idéias filosóficas e estéticas, a produção poética de Augusto dos Anjos.
Raimundo Magalhães Jr. ressaltou que a estada de Augusto dos Anjos na Faculdade de Recife influenciou de fato a sua poesia: “a convivência, com professores e alunos, num centro cultural fervilhante de idéias, causaria poderoso impacto em sua [de Augusto dos Anjos] inteligência moça, dando nova feição à sua poesia” (MAGALHÃES JR., 1977, p. 80). Em
É importante considerar que, na opinião de vários críticos, os ditos poetas científicos não teriam sido bem sucedidos nas tentativas de pôr em versos suas idéias estéticas. Segundo Ivan Lins, as idéias de Martins Júnior constituíram, na prática, um “malogro poético” (LINS, 1967, p. 463). Para Ventura, a poesia de Romero e Martins Júnior não atingiu os objetivos por eles propostos, limitando-se à “afirmação didática dos novos credos” (VENTURA, 1991, p. 96). Merquior (1979) afirmou que Sílvio Romero escreveu em estilo hugoano, não obstante suas intenções científicas. Péricles Ramos também disse, sobre o Cantos do fim do século, de Romero, que embora a intenção do livro fosse anti-romântica, sua “expressão permaneceu vaga, nebulosa e tingida de hugoanismo, continuando, pois, com aparência romântica” (RAMOS, 1989,
Augusto dos Anjos teria sido então um dos únicos poetas científicos a ter sobrevivido e adquirido renome. Verificaremos, em seguida, como a poética científica se realizou em Augusto dos Anjos, em comparação com outros poetas científicos.
---
Fonte:
Márcia Peters Sabino: “AUGUSTO DOS ANJOS E A POESIA CIENTÍFICA” (Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Letras, Faculdade de Letras, Universidade Federal de Juiz de Fora, área de concentração Teoria da Literatura, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público
Augusto dos Anjos e a poética científica
Marcadores:
AUGUSTO DOS ANJOS,
TESES E DISSERTAÇÕES
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!