O homem moderno em Carlos Drummond de Andrade

O HOMEM MODERNO EM CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Carlos Drummond de Andrade, nascido em 31 de outubro de 1902, na pequena cidade rural de Itabira, interior de Minas Gerais. Filho de uma tradicional família mineira, desde cedo se vê engajado no movimento modernista com o grupo mineiro. Nos anos de 1920, inicia a participação em jornais como o Diário de Minas e conhece o grupo paulista, Blaise Cendrars, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e Mário de Andrade. Por este último,Drummond nutre grande admiração e manterá intensa correspondência até os anos 40 quando morre o poeta paulistano. Durante as primeiras décadas do século XX no Brasil, as manifestações modernistas, influenciadas pelas vanguardas européias, fizeram com que a literatura buscasse outra representação e uma arte tipicamente brasileira. Movimentos de completa mudança e revolução estética, na década de 20, como o Pau-Brasil (1924), o Verde-Amarelismo (1926), o Antropófago (1928) entre outros, bem como as revistas Klaxon (1922), em São Paulo, e A Revista (1925), em Minas Gerais, esta última sob a direção de Carlos Drummond de Andrade, tornaram-se pioneiros na quebra dos antigos regimes esté(á)ticos da arte brasileira.

A partir da década de 30, Drummond ingressa na carreira pública e passa a ser oficial de gabinete do amigo Gustavo Capanema, secretário do Interior. Três anos mais tarde acompanha o mesmo quando este se torna interventor federal em Minas Gerais e, no ano seguinte, muda-se para o Rio de Janeiro, onde passa a trabalhar como chefe de gabinete do amigo, novo ministro da Educação e Saúde Pública.

Nesse mesmo tempo, Drummond continua sua produção entre seus próprios livros de poesia e colaborações em jornais e diversos suplementos literários. Em 1945, ano de publicação de A Rosa do Povo, pela editora José Olympio, participa como co-editor do diário comunista Tribuna Popular, a convite de Luís Carlos Prestes, mas abandona o cargo meses depois por discordar da sua orientação.

Assim, como Pessoa, Drummond inicia sua vida literária em jornais e revistas da época, meio de propagação do ideário modernista. O grupo mineiro do modernismo no Brasil girou em torno d‘A Revista que propagava o ideário das mentes jovens de Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Martins de Almeida, Abgar Renault, Emílio Moura e João Alphonsus, este último filho do poeta simbolista Alphonsus de Guimaraens. Como propostas para uma nova poesia, o grupo tinha como características: a) a tradição repensada; b) a conciliação de lealdades; c) o apelo à razão (Cf. DIAS, 2002: 171). Assim, o primeiro n mero da revista conta com um ensaio de Drummond, chamado ―Sobre a tradição em literatura, onde o escritor se preocupa com o passado, mas não o confunde como um culto cego de toda a tradição, seja ela qual for.

Romper com os preconceitos do passado não é o mesmo que repudiá-lo. Uma lamentável confusão faz com que julguemos toda novidade malsã, e toda velharia saudável. [...] A verdade é que o tempo reage sobre qualquer livro de duas maneiras: desbastando-o e emprestando-lhe novas aparências. Por um lado, tira-lhe todo interesse que seja do tempo, e que com ele se adelgace; pó outro, empresta-lhe uma consciência que o torna capaz de impressionar a sensibilidade de tempos muito diversos. Assim, um livro de 1500, lido em 1925, não é o mesmo livro de então; morreu um pouco e tornou a nascer outro pouco. É um outro livro, de um outro autor. (2002: 172)

O conteúdo de zelo e respeito para com a tradição, além da clareza de uma nova vida literária expressos no texto, marcariam a poética drummondiana profundamente. O ―romper com o passado proposto pelo jovem Drummond em seus escritos jornalísticos nãobusca ultrapassá-lo ou, como queriam os modernista de São Paulo, esquecê-lo por completo. O poeta mineiro paga uma dívida com a tradição lírica da cultura ocidental possibilitando que sua leitura seja emprestada e renovada pelo público leitor, especializado ou não, em relação à evolução do espírito das épocas.

Apesar de ter publicado timidamente, em 1928, na Revista de Antropofagia, o poema ―No meio do caminho, o qual provocou grande furor no meio literário, Drummond não possui em seus primeiros livros fortes características do modernismo brasileiro proposto pelos paulistas trazendo consigo, desde os primevos de sua obra, uma identidade bastante peculiar. As marcas dos elementos mais iconoclásticos da semana de 22 ficaram restritas aos primeiros livros, Alguma Poesia (1930) e Brejo das Almas (1934), que ainda possuíam forte influência do poema-piada e da desconstrução sintática. É só lembrarmos os versos do referido poema em sua repetida confusão sintática, parodiando o primeiro verso da Divina Comédia, de Dante: ―Nel mezzo del cammin....

No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho. (ANDRADE, 2002: 16)

É dessa mesma época a constituição de um alter-ego ficcional, um fingimento poético característico do autor que se mescla e alterna com a psique do próprio e que o acompanhará por toda obra: o gauche. Segundo Affonso Romano de Sant'Anna, este é o elemento estético-existencial adotado por Drummond para projetar, em sua lírica, um de seus traços psicológicos mais marcantes: a timidez. Nesse sentido, este ―tímido que a tudo assiste distância é a tomada de consciência do poeta de sua própria constituição psicológica (SANT‘ANNA, 1980: 23). Apesar de tímido, o gauche nada tem de ingênuo, e, ainda segundo o autor (1980: 23), além de crítica da sociedade/realidade circundante ― crítica de si mesma, e desse esforço para se esclarecer e se definir (...) que nasce toda a obra.

A gênese do gauche está no poema pórtico ―Poema das sete faces, onde vemos o nascimento de sua condição na esdrúxula intervenção de um anjo torto. Diz o poeta:

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. (ANDRADE, 2002: 5)

Aqui, a figura alegórica do anjo surge para chamar o eu-poético à vocação, sua condição de ser-no-mundo. O adjetivo adotado pelo poeta para se (auto)definir enquanto construção ficcional, tomado do vernáculo francês, representa a qualidade do anti-herói moderno, à esquerda dos acontecimentos, um excêntrico desgarrado de suas origens, desajustado e, por isso, inserido, desde o berço, numa região de infelicidade. Uma visão pessimista de sua personalidade reservada, tímida. Assim, seu batismo diante do mundo é ser gauche, onde ele é caracterizado pelo

contínuo desajustamento entre a sua realidade e a realidade exterior. Há uma crise permanente entre o sujeito e o objeto que, ao invés de interagirem e se complementarem, terminam por se opor conflituosamente. Para usar um sinônimo drummondiano, tal tipo é um excêntrico; perde a noção das proporções e, colocando-se fora do ponto que lhe seria natural para manter-se em equilíbrio, termina comportando-se como um deslocado, como uma displaced person dentro do conjunto. (SANT‘ANNA, 1992: 38)

Para o meio em que habita, o gauche é aquele que fica à margem dos acontecimentos, não se envolve, não detém nenhum poder, apenas observa. Isso acontece porque existe certa disritmia entre este e a realidade onde ele está inserido: ao ser tortamente inscrito na realidade, ―ele rompe com a harmonia normal, introduz seu ritmo próprio, que não coincide com o andamento comum. Essa ruptura (...) funciona como ponte entre ele e o mundo (SANT‘ANNA, 1980: 59). O gauche drummondiano

entra na luta com apenas duas mãos/ e o sentimento do mundo‘, sabendo que lutar com palavras/ a luta mais vã‘, mas transformar a fraqueza em força, a negação em afirmação, e a brecha entre ele e o mundo converte-se no elemento propiciador do salto que constitui a superação do conflito entre o Eu e a realidade (1980: 24).

Contudo, é a partir da d cada de 40, com a publicação de sua ―trilogia, que Carlos Drummond de Andrade dá à literatura nacional a potencialidade e eloqüência de uma poesia estética e socialmente engajada com os grandes temas da modernidade.

Após os primeiros dois livros, a dominante característica passa a ser a individualidade do autor, poeta da ordem e consolidação contraditórias. Em sua poesia, a maior preocupação passa a ser, quando já maduro e consciente do ofício, o caráter social da poesia. Com uma poesia do cotidiano, Drummond segue uma linha poética marcadamente revolucionária e militante. Sua ―trilogia Sentimento do Mundo (1940), José (1942) e A Rosa do Povo (1945) representa uma fase de forte participação político-ideológica no que diz respeito à realidade e à existencialidade humanas. A poesia drummondiana é um convite à ―reflexão poética sobre o indivíduo e sua perplexidade pessoal, social e metafísica [...] um sofisticado exercício de compreensão da própria vida e da irremissível perplexidade humana, como diz Affonso Romano de Sant‘Anna, no prefácio 26ª edição de A Rosa do Povo (In.: ANDRADE, 2002: 11-16).

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Fonte:
Kleyton Ricardo Wanderley Pereira: “O homem moderno na poesia de Álvaro de campos e Carlos Drummond de Andrade”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE como requisito necessário à conclusão do Mestrado em Teoria da Literatura. ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: Literatura Comparada. ORIENTADOR: Prof. Dr. Lourival Holanda (UFPE) CO-ORTADORA: Profa. Dra. Zuleide Duarte (UEPB). Recife, 2009.

Nota
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