A sátira em versos

A sátira em versos

Roger Bastide une sua obra à realidade, vinculando o fazer poética à ironia do mundo.“O humor de Carlos Drummond de Andrade”, diz ele “se coloca contra a desordem do mundo em mudança” (p. 96). E continua:

O mundo de Carlos Drummond de Andrade é captado diretamente, na sua realidade verdadeira: na face e não no reverso; e, se há ironia em seus versos, é porque o mundo é ironia. Tudo isso porque o poeta vive numa época de transição, que mistura tudo: os artigos quadros estão destruídos, eles não foram substituídos. O passado e o futuro se misturaram(...) as estatuas do Aleijadinho contemplam os anúncios de cinema (...).O insólito encontra-se em toda parte. Tudo está revirado. Mesmo o céu e o inferno estão misturados (...) (Alguma poesia) nisso se mete, abole as distancias (...) O rádio liga os continentes (...) a bomba atirada sobre Roterdã explode em plena Sabará(BASTIDE, 1997,p.97).

Ao analisar a poesia de Drummond sob seu viés social, Bastide conclui que “somos levados, portanto, a estudar a ironia de Carlos Drummond de Andrade ligada à sua visão do mundo e sua concepção dos homens como constituindo uma realidade original”(1997,p.96). Assim, identifica três fases em sua obra. Primeiramente, o fato de seu fazer poético buscar e encontrar suporte no cotidiano. Nos detalhes da realidade, o poeta, em sua fase inicial, encontra a inspiração para seu trabalho. Sendo assim, a arte englobaria o mundo e, também, a realidade invadiria a arte, trazendo-a para seu âmbito. “Há beleza em todas as coisas, basta descobri-la”, define o crítico essa fase drummoniana (1997,p.98)

A segunda fase é pautada pela fraternidade: “o mundo é absurdo, mas há homens que sofrem” (1997,p.99) diz Bastide, nesta fase que é encoberta pelo social e o homem na (ou contra a) sociedade.

A terceira atitude se configura na solidão. Ao rememorar os fatos e pessoas da sua vida, o poeta fecha-se em sua casa paterna, nas árvores a fazenda. Ao sentimento de solidão, ele reage com ironia, diz o crítico. Enfim, a ironia e o humor se dispõem mais uma vez como armas à disposição do poeta, em face da realidade que Bastide denomina “mundo irônico”.

Carpeaux (1968) também sinaliza três fases distintas, mas conexas, na obra do poeta, comparando-o com poetas ingleses:

Parece-me um equivoco situa-lo nessa corrente poética que há pouco (na primeira metade do século XX) percorreu o mundo. O seu lugar fica mais perto dos poetas ingleses Auden, - Day Lewis e Spender e é mais importante observar e compreender a evolução desses poetas que se deu em três etapas distintas: começaram com sarcasmo e desespero, continuaram com dialética revolucionária, terminaram – bem dialeticamente – na síntese de suportar realisticamente, o “tempo presente” (...) Carlos Drummond de Andrade, o inconformista, é digno daquela inteligência é o poeta do “tempo presente”, dos homens presentes, da vida presente”(CARPEAUX, 1968, p.151).

É interessante notar a oposição do crítico em relação à contextualização e a localização de Drummond entre poetas a ele contemporâneos.

Para Emanuel de Moraes, no entanto, Drummond era crítico de seu tempo. Nele, o humor “alveja a nova racionalização dos modernistas, confundindo a libertação que pretendiam, a expressão racional que buscavam, com a sensualidade que tomaram como sinal de integração das suas gentes” (1978, p.136).

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Fonte:
PATRÍCIA ROCHA PIROLLA: “O HUMOR EM POEMAS”: UM ESTUDO DO CÔMICO EM CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE”. (Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutora em Estudos Literários. Linha de pesquisa: Teoria e crítica da poesia Orientadora: Guacira Marcondes Machado Leite). Araraquara – SP, 2010.

Nota
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