Sêneca: História e Tragédia
A obra do poeta e filósofo Lucio Aneu Sêneca acentua essa tendência poética dos latinos, ora apresentada. Expressamente adaptadas ao gosto de sua época, as tragédias senequinas farão jus a essa estética da grandiloqüência, do requinte retórico, do didatismo e da exacerbação patética. Antes de tratarmos mais detidamente da obra de Sêneca, teceremos algumas considerações acerca da trajetória do mesmo pelo contexto da Roma imperial júlio-caludiana, haja vista que não poderemos prescindir das contingências históricas e espirituais que colaboraram com o espectro representacional do drama trágico senequiano.
A tragédia de Sêneca, imersa numa conjuntura política e social bastante complexa, carrega as cores sangrentas da dinastia júlio-claudiana, levando à cena o horror das ações escabrosas e violentas, para não dizer sádicas, de heróis culpabilizados e criminalizados. A dinastia júlio-claudiana, período de governo dos quatro sucessores de Otávio Augusto, a saber, Tibério, Calígula, Cláudio e Nero (14-
Segundo nos informa Kovaliov
Com Tibério, cujo governo estendeu-se de
Já o governo de Calígula (sobrinho de Tibério) foi marcado pelo desequilíbrio psíquico do imperador. Entre os relatos mais conhecidos da insensatez de Calígula estão a exigência de que lhe fossem concedidas honras divinas, de modo a comparar-se a Júpiter, e o desejo de que seu cavalo favorito fosse feito senador. O ostensivo regime terrorista de Calígula levou à formação de dois complôs para atentar contra sua vida. O primeiro, regido pelo chefe das legiões da Germânia superior, Cneu Cornélio Léntulo Gentúlico, foi descoberto, o que desencadeou uma elevada onda de terror. Em 40, uma nova conspiração foi organizada, na qual participaram os comandantes dos pretorianos. Em 41, Calígula foi morto pelas punhaladas dos conspiradores.
Durante o governo de Cláudio, imperador romano de
Nero subiu ao trono quando ainda não tinha completado dezessete anos. No princípio de seu governo, os assuntos do império foram decididos por Afrânio Burro, o prefeito dos pretorianos, e por Sêneca, convidado por Agripina a ser preceptor do jovem imperador. De início, a política interna conduziu-se sem grandes problemas. No entanto, o círculo da família real foi cindido em dois grupos antagônicos, de um lado Sêneca e Burro, do outro Agripina, cada qual almejava exercer influência sobre o imperador. A atmosfera criminosa da dinastia julio-claudiana solidifica-se, no governo de Nero, com a obscura morte do filho de Cláudio, Britânico. De acordo com os historiadores latinos, tal morte teria sido perpetrada pelo imperador temente da popularidade de Britânico. Segundo Kovaliov, o mistério dessa morte serviu de álibi para Agripina, que, sentindo-se enfraquecida em sua influência sobre o filho, o ameaçara, alegando possuir uma carta reveladora escrita por Britânico. Farto das críticas e atitudes hostis da mãe, o imperador tratou de livrar-se de sua inimiga, elaborando um plano para que ela perecesse em um naufrágio: fez preparar uma nau, de modo a desconjuntar-se
Vendo Seneca que Nerón se escapaba definitivamente de sus manos, retiró de la vida pública. Así desapareció tambien el último freno y el imperador pudo entregarse sin obstáculos a sus pasiones teatrales, a la prodigalidad y al libertinaje, perdiendo en poço tiempo toda contención.
Depois desses acontecimentos, o regime senatorial foi praticamente extinto, para que o imperador fosse a única voz de decisão no que diz respeito ao andamento político do Império, e foram retomadas as condenações e as confiscações de diversos membros da oposição republicana. Tais atitudes serviram não só para sufocar a oposição, mas também para aumentar os recursos empreendidos nos gastos colossais realizados pelo imperador. Como resposta a isso, foi organizada em 65 uma conspiração composta por diversos membros do círculo eqüestre e senatorial. Calpúrnio Pisão, o cabeça da conspiração, era um jovem de família nobre que pretendia proclamar-se imperador após a morte de Nero. Devido à debilidade da organização, o imperador descobre e sufoca o complô de Pisão. Logo ordena diversas execuções, entre as quais, encontra-se a de Sêneca e de seu sobrinho, o poeta Lucano, acusados de envolvimento nessa conspiração. Conforme relato de Tácito, a morte de Sêneca foi digna de sua própria dramaturgia trágica. Tendo recebido a ordem de Nero para suicidar-se, Sêneca executou sua morte com a mesma serenidade pregada pela sua filosofia. Abriu as veias do braço, como o sangue corria muito lentamente, cortou as veias da perna. Contudo, a morte demorava a chegar, então pediu a seu médico para que lhe desse uma dose de veneno. Como este não surtiu efeito, enquanto ditava um texto a um dos seus discípulos, tomava banho quente para ampliar o sangramento. Por fim, fez com que o transportassem para um banho a vapor e, ali, morreu sufocado.
Em face dos abusos do imperador, tanto a insatisfação interna da urbe quanto das províncias romanas geraram uma onda de revoltas que teve como clímax a insurreição da Espanha e da província da Gália Lionesa, governadas respectivamente por Galba e Víndex. As legiões da Germânia Superior foram enviadas à Gália para conter a revolta. Derrotado Víndex, os soldados germânicos exigiram que o governador da Germânia Superior, Virginio Rufo, fosse nomeado o novo imperador. É certo que Rufo se negou a aceitar essa nomeação. Porém a permanência de Nero no poder se tornava cada vez mais insustentável. A notícia da revolta de Víndex teve uma repercussão negativa para a imagem do imperador. Os pretorianos passaram a vacilar na defesa de Nero, o que levou o novo prefeito, Nifídio Sabino, a favorecer Galba, de modo a torná-lo, entre os pretorianos, o pulso necessário para conduzir Roma. Logo Nero foi condenado pelo senado, e depois de muitas vacilações, suicidou-se.
Note-se que, embora Sêneca tenha pertencido à corte, na qual desempenhou importante papel, ainda assim, não ficou isento de perseguição: foi hostilizado por Calígula, exilado por Cláudio e condenado à morte por Nero. Não por acaso que escolheu o gênero trágico como expressão artística, através do qual pode expor seus pensamentos alegoricamente, de modo a configurar seus heróis trágicos em uma universo representacional que se assemelha à ambiência de vileza, traição, violência e terror da corte júlio-claudiana.
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Fonte:
LEYLA THAYS BRITO DA SILVA: “VÊNUS IMPURA: TRAGICIDADE, ETHOS E TRANSGRESSÃO NA FEDRA DE SÊNECA”. (Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras. Área de Concentração: Literatura e Cultura. Linha de Pesquisa: Tradição e Modernidade. Orientadora: Profª Drª. Sandra Luna). João Pessoa, 2009.
Nota:
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