A vida e a obra de Sêneca: seus anseios e angústias

A vida e a obra de Sêneca: seus anseios e angústias

Político, escritor, educador e filósofo, Lúcio Aneu Sêneca (4 a.C.? – 65 d.C) foi um dos pensadores mais notórios do Alto Império Romano. Nasceu em Córdoba e transferiu-se para Roma ainda bastante jovem, para dedicar-se a sua formação. Com a idade de 12 anos já havia concluído os estudos de gramática e iniciava suas incursões no campo da filosofia.

Nessa época entrou em contato com distintas tendências filosóficas que floresciam em Roma, como o Estoicismo, na época em que estudou com Attalus (I. d. C), o Estóico, e a filosofia cínica, no período em que Sêneca conviveu com Demétrio (10 d. C - ?). Desde jovem ele se familiarizou com esse ecletismo filosófico, que em certa medida estaria presente em suas reflexões (FAVERSANI, 2000).

Devido à saúde frágil, Sêneca deixou Roma em 25, em busca de tratamento, e se instalou em Alexandria, cidade de grande intercâmbio cultural pelo fato de sua população ser composta de povos bastante distintos. Além do tratamento da saúde, Sêneca certamente usufruiu a riqueza cultural proporcionada pela cidade.

Em 31 retornou a Roma, e, em pouco tempo, tornou-se reconhecido como advogado e orador. Na capital do Império não tardou em ascender politicamente, passando a ser membro do Senado. Já bem mais velho, exerceu ainda a função de questor, passando a ser responsável por parte das finanças do Estado, consolidando, assim, uma vida pública bastante promissora. Em Roma, no período em que Sêneca viveu, o triunfo político de um cidadão ilustre muitas vezes suscitava intrigas que poderiam arruiná-lo (ULLMANN, 1996). Durante o governo de Calígula (37-41), Sêneca foi prejudicado por essas intrigas palacianas, e só não foi morto pelo Imperador pelo fato de este ter morrido ainda bastante jovem.

Depois de um curto período de relativa tranqüilidade, em 41, durante o governo de Cláudio (41-54), Sêneca foi banido para Córsega, sob a acusação de adultério com Júlia Lívia, uma irmã de Calígula. Em Córsega ele viveu por um período de aproximadamente uma década, padecendo de grande privação material. Em seu recolhimento dedicou-se aos estudos e a escrever seus primeiros tratados filosóficos.

Concluiu, em 41, as obras “Consolação a Márcia” e “Da ira”, a primeira dedicada a uma amiga que havia perdido um filho, e a segunda dedicada a seu irmão, na tentativa de alertá-lo sobre o caráter nocivo da irracionalidade. Dentre suas primeiras obras, a mais controversa talvez seja “Consolação a Políbio”, escrita entre 43 e 44. Nela, muitos dos estudiosos de Sêneca vêem um ato de adulação a Políbio (homem próximo de Cláudio), para que este interviesse em seu favor e o retirasse do exílio.

Seu desterro duraria até 49, quando foi chamado para ser preceptor de Nero, filho de Agripina (16 – 49 d. C), segunda mulher de Cláudio. Seu retorno marcaria o período mais fecundo de sua vida. Em Roma não só ocupou postos elevados no Estado como também dedicou-se à educação do futuro Imperador.

Aquele seria também um momento propício para Sêneca expressar sua indignação ante as acusações feitas por Cláudio. Sua crítica ao Imperador veio logo após a morte deste, em 54 d. C. Em sua obra intitulada “ Transformação em abóbora do divino Cláudio” Sêneca tece pesadas criticas ao falecido Imperador, narrando de forma satírica como teria sido rejeitado pelos deuses.

Sêneca, que correra o risco de ser morto por Calígula e que fora condenado por adultério por Cláudio, a partir de 54, com a posse de Nero, passou então a ser uma das pessoas mais próximas do Imperador que sucedeu aqueles que o haviam perseguido.

A partir do momento em que Nero assumiu o poder, Sêneca foi deixando gradualmente a condição de educador para assumir a função não oficial de conselheiro do príncipe. Nessa condição, adquiriu ainda experiências de governo e, em um curto intervalo de tempo após o período acima mencionado, escreveu o “Tratado sobre a clemência”, reflexão de cunho didático dirigida ao Imperador.

Essa obra senequiana surge como uma teoria do poder imperial, e nela,tratando do exercício adequado da autoridade do príncipe, Sêneca levou a Nero um ideal de sabedoria, o de bem governar, e ainda a concepção de imperador clemente.

Se durante algum tempo Sêneca exerceu influência benéfica sobre Nero, posteriormente, quando o Imperador passou a ter uma conduta desregrada, restou ao primeiro adotar uma posição de complacência. Tal atitude o colocou em situações delicadas, como se evidencia no episódio do assassinato de Agripina (acontecimento que, possivelmente, teve o envolvimento de Nero, como escreveu Suetônio), quando Sêneca redigiu uma carta ao Senado justificando a morte da mãe do Imperador. Nessa ocasião, foi muito criticado por sua postura ante a crescente tirania de Nero.

Apesar da projeção política que a partir de então alcançou, Sêneca não parecia ver nessa função a única forma de realização humana. Ele evidenciara essa angústia já pouco depois de ter voltado a Roma, em seu tratado “Sobre a brevidade da Vida”, escrito entre 49 e 55. Nele, supostamente, o pensador procura convencer Pompeu Paulino, pai de sua esposa, a abandonar a vida pública para dedicar-se ao estudo da filosofia. A obra é uma de suas reflexões mais sensíveis a respeito de quão efêmero é o tempo dos homens, se ele for mal aproveitado.

Somaram-se às suas angústias as constantes perseguições que Nero lhe passara a mover ainda com maior freqüência, o que levou o pensador a gradualmente afastar-se do círculo neroniano, pois cada vez mais o Imperador se distanciava do modelo que Sêneca lhe havia proposto.

Nesse período de afastamento Sêneca se dedicou a escrever, e nessa época (59 - 64) redigiu “Sobre a tranqüilidade da alma” e “Sobre o ócio”. Entre seus escritos desse período destaca-se também “Cartas a Lucílio”, uma compilação de textos destinados ao seu discípulo Lucílio. Por ter discernimento quanto à iminência de sua morte, Sêneca fez nessas cartas uma revisão de suas reflexões acerca da conservação da moral e da virtude, dedicada a toda a humanidade.

[...] estou trabalhando para a posteridade. Vou compondo alguma coisa que lhe possa vir a ser útil; passo ao papel alguns conselhos, salutares como receita dos remédios úteis – conselhos que sei serem eficazes por tê-los experimentado nas minhas próprias feridas [...] Indico aos outros o caminho justo, que eu próprio só tarde encontrei [...] (Cartas, 18, 9).

Sabe-se que, por fim, os abusos cometidos por Nero se voltariam contra Sêneca. Em 64, ao retirar-se definitivamente da vida publica, o pensador passou a ser considerado por Nero como mais uma das vozes discordantes de seu governo. Em 65 d. C. o antigo preceptor e conselheiro do Imperador foi acusado de participar da Conspiração Pisoneana e recebeu de Nero a ordem de suicidar-se, sentença que executou com o mesmo ânimo sereno que pregava em sua filosofia, cortando os pulsos, imerso em uma banheira de água morna.

Observa-se que a biografia de Sêneca muitas vezes se confunde com o próprio contexto histórico em que ele viveu. Isso se evidencia em suas obras, que transitam entre o tom irônico que marca sua sátira dirigida a Cláudio e a sobriedade de seus tratados e compilações, sempre no encalço de um modelo formativo para o cidadão romano de seu tempo.

As obras do pensador suscitam reflexões pedagógicas que o situam – de maneira não marginal – entre os mais reconhecidos educadores do Mundo Antigo. Por conseguinte, é essencial que se proceda a uma reflexão a respeito das categorias formativas por ele propostas.

Observa-se que a educação, em Sêneca, molda-se a partir de categorias formativas que ultrapassam a formação “acadêmica”, circunscrita a determinada fase da vida. Ela se constitui como um meio pelo qual o aperfeiçoamento humano vai se compondo em consonância com a dinâmica da própria vida. Proporciona por fim, o amadurecimento da alma necessário para se alcançar a condição de homem sábio. O procedimento que o cidadão romano deveria adotar para alcançar essa condição se expressa por meio do processo formativo senequiano, a partir do qual o pensar orienta para a vigilância dos bens morais. São valores que comportam a dimensão e a complexidade que fundamentam sua proposta de formação para o uso da clemência.

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Fonte:
JOÃO PAULO PEREIRA COELHO: “EDUCAÇÃO E PODER: PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS NO PENSAMENTO SENEQUIANO”. (Dissertação apresentada por João Paulo Pereira Coelho ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Linha de Pesquisa: História e Historiografia da Educação, da Universidade Estadual de Maringá, como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr. José Joaquim Pereira Melo). Maringá, 2009.

Nota
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