O que é democracia?


Democracia: o que é? 

Em nosso cotidiano, falar em democracia é quase lugar comum quando se pensa em escolher algum representante ou tomar uma decisão que envolva um grupo social, pois o termo tem sido um tema central, muito debatido e, por vezes, excessivamente adjetivado. Muitas vezes o termo democracia é simplesmente definido como a “vontade da maioria”. Entretanto, não existe uma definição única para a democracia, pois seu conceito é muito mais abrangente e, portanto, faz-se importante perceber as suas principais dimensões. 

Marilena Chauí apresenta a democracia como um enigma por ser ao longo do tempo retomado com constância. Historicamente, a democracia teve origem na Grécia, de maneira específica em Atenas, em 510 a.C., época da grande reforma de Clístenes que instituiu o espaço cívico ou polis (cidade) e fez a divisão política territorial entre as tribos. Criou a Boulé, o conselho de quinhentos cidadãos sorteados para participar das decisões da polis sobre questões políticas do cotidiano e a Ekklesia, a Assembléia Geral, na qual todos os cidadãos reúnem-se, discutem e decidem publicamente sobre assuntos relevantes da cidade. Assim, está inventada a democracia (demos, os cidadãos; Kratos, o poder: o poder dos demos ou dos cidadãos). 

Simone Goyard-Fabre em O que é democracia? discute a democracia, em sua trajetória ao longo dos séculos, em seus vetores conceituais que foram formados e transformados até se tornar a configuração do pensamento democrático recente. A filósofa ressalta a importância de se conhecer a etimologia do termo democracia como caminho a ser percorrido em busca da compreensão de seu significado. 

De acordo com a autora a concepção de democracia como forma de governo originada em Atenas, com características bem específicas, inspirou a organização de várias democracias modernas, fato este que faz a autora afirmar que o regime democrático tem hoje um alcance planetário. Entretanto, adverte que este fato não significa que a democracia possua um conceito claramente definido. 

Macpherson em seu livro A Democracia Liberal examina os limites e as possibilidades da democracia liberal e seus precursores por meio de modelos ou teorias que expressam diferentes maneiras de relacionar os conceitos. Assim como os demais estudiosos da temática, reconhece Atenas como berço da democracia e caracteriza a Cidade-Estado como exemplo de sociedade mais expressiva em termos democráticos. O autor faz distinção entre as teorias democráticas anteriores ao século XIX que, em sua visão, se enquadram melhor fora da tradição liberal-democrática. 

Macpherson argumenta que as teorias democráticas anteriores ao século XIX possuíam como característica base uma concepção de sociedade sem classes ou de classe única. Como exemplo, apresenta as teorias de Rousseau e Tomas Jefferson que embora discordassem em outros assuntos 

ambos reivindicavam uma sociedade em que todos tivessem ou pudessem ter propriedade suficiente para nela trabalhar ou trabalhar com ela, uma sociedade de produtores independentes (camponeses ou agricultores e artesãos), e não uma sociedade dividida em assalariados dependentes por um lado e por outro proprietários de terra e capital de quem fosse dependentes. 

O autor não se limita a examinar apenas um único modelo ou teoria sobre a democracia liberal. Analisa e critica quatro modelos sucessivos aceitos entre aqueles que eram favoráveis à democracia e permaneceram alternadamente desde o início do século XIX até os dias atuais, sendo eles: 1 - Democracia Protetora, 2-Democracia Desenvolmentista e 3 - Democracia de Equilíbrio e o 4 - Democracia Participativa uma proposta teórica que tem sua vigência a partir da década de 1960 do século passado e vigora até os dias atuais. 

O conceito de democracia formulado por Macpherson não a reduz como um mecanismo apenas para escolher e autorizar governos, ou de algum outro modo, obter leis para que sejam tomadas decisões políticas. De acordo com o referido autor ela é muito mais do que esse pensamento, podendo ser considerada 

como uma qualidade que penetra toda a vida e atividades de uma comunidade nacional ou menor, ou se entendermos como um tipo de sociedade um conjunto inteiro de relações recíprocas entre as pessoas que constituem a nação ou outra unidade. 

Ao conceber a democracia sob a perspectiva acima, Macpherson defende um sistema de governo com mais participação. Assim, faz uma análise do quarto modelo democracia participativa que teve sua origem nos movimentos estudantis e foi difundida nos movimentos da classe trabalhadora em resposta às insatisfações com as relações trabalhistas até então existentes, espalhando por diversos movimentos sociais na década seguinte. Como o próprio titulo sugere, considera a democracia como participação. 

Segundo Macpherson o principal problema da democracia participativa não é como funciona, mas como atingi-la. À diferença dos outros modelos de democracia, este modelo, requer de alguns pré-requisitos como por exemplo: a consciência ou a não consciência dos cidadãos para que deixem de se ver a eles mesmos como consumidores e se vejam como cidadãos, e atuem como pessoas que têm capacidade para decidir questões políticas. Aponta para a necessidade de um sentimento comunitário mais forte. 

Outro pré-requisito é a necessidade de reduzir a desigualdade econômica e social, que só será alcançada com uma participação democrática bem maior, pois somente com o desenvolvimento completo na ação política conjunta pode o povo ultrapassar a consciência de si mesmo como consumidor e apropriador. A democracia participativa não pode funcionar em um contexto generalizado de desigualdade. 

Norberto Bobbio, filósofo político italiano, dedicou-se ao estudo da temática e trouxe reflexões importantes sobre as possibilidades e limites dessa forma de regime político. Ele apresenta uma definição “mínima” do termo democracia, 

O único modo de se chegar a um acordo quando se fala em democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos. 

O conceito de democracia apresentado por Bobbio tem um caráter dinâmico, isto é, um processo, mas a ideia principal reside no poder do povo. Entretanto, o autor adverte que para se falar em democracia, suas características, virtudes e defeitos. É necessário que se estabeleça a relação entre ela e as outras formas de governo, pois só assim é possível consolidar seu caráter singular, único. 

Bobbio afirma que 

“da idade clássica a hoje o termo ‘democracia’ foi sempre empregado para designar uma das formas de governo, ou melhor, um dos diversos modos com que pode ser exercido o poder político. Especificadamente, designa a forma de governo na qual o poder político é exercido pelo povo. Na história do pensamento político, o posto que se coloca a discussão a respeito da opinião, das características, das virtudes e dos defeitos da democracia é a teoria e a tipologia das formas de governo. Portanto, qualquer discurso sobre a democracia não pode prescindir de determinar as relações entre a democracia e as outras formas de governo, pois somente assim é possível individualizar o seu caráter específico. Em outras palavras, desde que o conceito de democracia pertence a um sistema de conceitos, que constitui a teoria das formas de governo, ele não pode ser compreendido em sua natureza específica senão em relação aos demais conceitos do sistema, dos quais delimita a extensão e é por eles delimitado". 

A partir do pensamento supracitado, é possível afirmar que o termo democracia foi sempre empregado para designar um dos diversos modos com que o poder político podia ser exercido. Desde a idade clássica até os dias atuais, a ideia central consiste na forma de governo em que esse poder é exercido pelo povo. 

Entretanto, o conceito de democracia só pode ser compreendido em sua natureza específica a partir dos diversos usos a que a teoria das formas de governo foi destinada, ao longo do tempo, e segundo os diversos autores, quais sejam: o uso descritivo ou sistemático; o uso prescritivo ou axiológico e o uso histórico. 

O uso descrito ou sistemático apresenta a democracia como 

uma das três possíveis formas de governo na tipologia em que as várias formas de governo são classificadas com base no diverso número dos governantes. Em particular, é a forma de governo na qual o poder é exercido por todo o povo, ou pelo maior número, ou por muitos, e enquanto tal se distingue da monarquia e da aristocracia, nas quais o poder é exercido, respectivamente por um ou por poucos.

No uso prescritivo, a democracia é considerada 

como uma forma boa, e portanto a ser louvada e recomendada, ou como uma forma má, e portanto a ser reprovada e desaconselhada. Toda a história do pensamento político está atravessada pela disputa em torno da melhor forma de governo: no interior desta disputa, uma dos temas recorrentes é a argumentação pró e contra a democracia. [...] A tipologia das formas de governo em seu uso prescritivo comporta não apenas um juízo absoluto sobre a bondade ou não desta ou daquela forma, mas também um juízo relativo sobre a maior ou menor bondade de uma forma com respeito às outras. Nesta perspectiva, a disputa em torno da democracia não se refere apenas ao problema de saber se a democracia é ou não uma forma boa ou má, mas estende-se ao problema de saber se ela é melhor ou pior do que as outras, ou seja, qual é a sua colocação no ordenamento axiológico (isto é, segundo o valor) das constituições. 

O uso histórico do termo democracia é caracterizado 

quando dela nos servimos não só para classificar as várias constituições, não só para recomendar uma mais do que a outra, mas também para descrever os vários momentos sucessivos do desenvolvimento histórico considerado como uma passagem obrigatória de uma forma a outra. 

Portanto, a democracia é a forma de governo na qual o poder é exercido por todo o povo, pelo maior número, ou por muitos, e enquanto tal, se distingue de outras formas de governo: da monarquia e da aristocracia, nas quais o poder é exercido de forma oposta respectivamente, por um ou por poucos. 

Ao longo da história da humanidade, a disputa sobre a melhor forma de governo e as argumentações contra e a favor já se encontravam no pensamento grego da segunda metade do século VI a.C. Tendo como alguns pensadores: Platão, Aristóteles, Péricles, Heródoto, entre outros. 

Goyard-Fabre discute o motivo pelo qual desde o seu surgimento em Atenas, a democracia, como forma de governo, sempre foi alvo de elogios e críticas e atribui esse fato às ambiguidades e dificuldades que em diversos graus de intensidade afetaram a Cidade-Estado. Essa discussão em torno dos benefícios e malefícios da democracia ressalta a ambivalência como característica desse regime político que vem sendo alvo de reflexão na história política e na filosofia. 

A discussão em torno da democracia e da melhor forma de governar avançou na história da humanidade, foi iniciada na Grécia, representada pelos antigos pensadores até os clássicos e modernos e sendo colocada como tema central nos debates políticos. 

Com o intuito de diferenciar a democracia de outras formas de governo em seus aspectos sociais e políticos, Chauí apresenta algumas características pertinentes à democracia: 

1.  A democracia é a única sociedade e o único regime político que considera o conflito legítimo. Não só trabalha politicamente os conflitos de necessidades e de interesses (disputas entre os partidos políticos e eleições de governantes pertencentes a partidos opostos), mas procura instituí-los como direitos e, como tais, exige que sejam reconhecidos e respeitados. Mais do que isso, na sociedade democrática, indivíduos e grupos organizam-se em associações, movimentos sociais e populares, classes se organizam em sindicatos e partidos, criando um contrapoder social que, direta ou indiretamente limita o poder do Estado; 

2. a democracia é a sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo. Com efeito, pela criação de novos direitos e pela existência dos contrapoderes sociais, a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre determinada, ou seja, não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, de orientar-se pela possibilidade objetiva (a liberdade) e de alterar-se pela própria práxis. 

Bobbio ao analisar as transformações da democracia moderna, resgata a concepção filosófica do termo democracia, caracterizada como liberal e individualista por sofrerem influências do pensamento liberal e democrático dos seguintes pensadores: Jonh Locke, Rousseau, Montesquieu e Bentham, transformando-a no caminho de favorecimento da maioria que está autorizada a tomar decisões. 

As reflexões de Bobbio nos permitem considerar a democracia como um processo em constante mutação e não como uma forma pronta, rígida e invariável. Entretanto, existem algumas regras que definem o jogo democrático. A ideia de regras do jogo é utilizada por Bobbio para explicar as relações democráticas. 

Em O futuro da democracia, uma defesa das regras do jogo, Bobbio percebe que para expandir a análise sobre o tema é necessário entender a contradição existente entre os ideais democráticos e a “matéria bruta”27. Segundo o filosofo, apenas a ideia de poder do povo, não é bastante para entender o processo democrático, nem suficiente para explicitar os instrumentos de intervenção dos quais o povo dispõe. É importante que sejam definidas as regras do jogo democrático por meio das quais se desenvolve o modo político em um determinado contexto histórico. 

O discurso sobre as regras do jogo é extremamente importante, e não pode ser eliminado se não se deseja cair diante de um problema mal posto e, nesta medida, insolúvel. E isto ao menos por duas razões. Antes de mais nada, porque o que distingue um sistema democrático dos sistemas não democráticos é um conjunto de regras do jogo. Mais precisamente, o que distingue um sistema democrático não é apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem, mais ou menos claras, mais ou menos complexas), mas sobretudo o fato de que estas regras, amadurecidas ao longo de séculos de provas e contraprovas, são muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje, quase por toda parte, constitucionalizadas (...) 

Bobbio adverte que o entendimento sobre o que é sistema democrático pressupõe a compreensão de um conjunto de regras procedimentais. Ainda de acordo com o autor para uma nação ser considerada democrática deve apresentar três características: a primeira é que as decisões devem ser tomadas em regras. A segunda característica corresponde às decisões políticas que devem estar de acordo com a maioria, a regra à base da qual são consideradas decisões coletivas – e, portanto, vinculatórias para todo o grupo – as decisões aprovadas ao menos pela maioria daqueles a quem compete tomar decisões. E a terceira, de acordo com o autor é preciso que aqueles que são chamados a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma e outra. 

Para tanto, o autor examina o contraste entre o que foi prometido em termos pelas teorias sobre a formação do Estado moderno e a democracia que é efetivamente concretizada no cotidiano. 

Bobbio parte do pressuposto de que a democracia, inicialmente, foi pensada para uma sociedade muito diferente da atual, no momento em que escrevera o artigo. Nessa perspectiva, Bobbio apresenta alguns obstáculos que inviabilizaram sua plena realização como a melhor forma de governo. A esses obstáculos ou impedimentos Bobbio os denominou como as promessas não cumpridas da democracia, quando faz referências à democracia imposta nas sociedades atuais. Essas promessas não cumpridas são organizadas em seis aspectos determinantes, partindo da promessa até a sua não efetivação. É importante lembrar, que essas promessas não cumpridas, fazem parte de uma caracterização da democracia na atualidade. São resultados do balanço das transformações da democracia moderna; é uma análise da democracia ideal versus a democracia real. 

A primeira promessa não cumprida resulta da concepção individualista da sociedade. Pensar em uma sociedade individualista é considerar a sociedade como fruto da vontade individual, assim a sociedade política, ou qualquer outra sociedade, somente é criada porque os indivíduos soberanos, estando de acordo, conciliam as suas vontades. Esta promessa diz respeito à regra de distribuição do poder e do ideal de um Estado democrático, fundado sob as raízes da soberania popular, isto é, baseado no poder do indivíduo. Porém, Bobbio argumenta em favor do que realmente aconteceu: o contrário do prometido. Este filósofo afirma que nas democracias atuais, o indivíduo está submetido a grupos, a grandes organizações ou a associações das mais diversas naturezas, tais como sindicatos e partidos políticos com ideologias das mais variadas possíveis. No modelo de democracia atual, os grupos e/ou organizações se sobrepõem ao indivíduo, resultando em cada vez menos a atuação do cidadão. São os grupos e não os indivíduos os protagonistas da vida política. Em síntese, nesta sociedade pluralista os cidadãos relevantes são os grupos. 

A segunda promessa não cumprida, denominada por Bobbio de Revanche dos interesses consiste na transformação da representação política, onde o representante eleito não deve se vincular a interesses de grupos, ele deve representar o interesse maior da nação e jamais poderia estar vinculado a interesses particulares, daí a proibição de um mandato imperativo. Em uma democracia representativa geralmente a constituição contempla a proibição do mandato imperativo. Na democracia moderna, o que se experimenta é a representação de interesses particulares em lugar da representação política, com grupos lutando para impor sua supremacia e defendendo interesses corporativos. Este aspecto é considerado por Bobbio como a confirmação da revanche da representação dos interesses sobre a representação política, denominado de neocorporativismo. 

A terceira promessa seria a intenção de acabar com o poder oligárquico, isto é, das elites. O ideário da democracia está fundamentado no princípio da liberdade, defendido por Rousseau, onde os indivíduos são autônomos e se submetem às leis que eles próprios constroem. 

Bobbio afirma que hoje a democracia em funcionamento é por si mesma uma forma de renúncia ao princípio da liberdade como autonomia, ao impor o sistema representativo de interesses de determinados grupos, como sinalizamos na segunda promessa não cumprida. Então, a democracia representativa moderna não eliminou as elites do poder, mas ao contrário, tem por característica a existência de muitas elites que disputam para conquistar o voto popular. 

A quarta promessa diz respeito à ampliação da participação dos cidadãos no exercício de poder que Bobbio intitula como o espaço limitado. A democracia real também demonstrou ser menos capaz de preencher todos os espaços de tomada de decisões na sociedade. Bobbio defende a passagem da democracia política para a democracia social, que caracterizaria uma evolução da democracia. Para tanto, o desenvolvimento de uma democracia deve ser medido não pelo aumento do número dos que têm direitos de expressar sua opinião mediante o voto na esfera política, mas, sobretudo, devem ser observados todos os espaços sociais em que os indivíduos podem exercer o direito de votar. Em síntese, o indivíduo passa a exercer apenas o papel de cidadão, cabendo-lhe tão somente o ato de votar. 

A penúltima promessa está presente no ideal de eliminar o poder invisível que a democracia moderna não conseguiu cumprir, isto é, propiciar a transparência do poder e das decisões tomadas. Contrário ao que foi prometido e com o auxilio dos recursos tecnológicos, os representantes possuem um controle maior dos indivíduos, seja o seu comportamento ou o da sua forma de pensar. A transparência do poder permite ao cidadão não apenas ter conhecimento das atitudes dos seus representantes para assim fiscalizar, mas também poder distinguir um ato licito de um ilícito. Diante disso, fica claro o motivo pelo qual nossos representantes tentam esconder certas tomadas de decisões políticas e os tão comentados, nos dias atuais, escândalos de corrupção e atos secretos.

Bobbio acrescenta um pensamento de Kant que ilustra o exposto: todas as ações relativas ao direito de outros homens cuja máxima não é suscetível de se tornar públicas são injustas. Esta citação nos permite vislumbrar a atualidade do pensamento kantiano que defende a visibilidade do poder e ultrapassa a questão política, sendo também uma questão moral. 

Por último, e não menos importante, Bobbio apresenta a promessa não cumprida que está relacionada com à educação para a cidadania, aspecto este muito importante para este estudo. A democracia ideal queria transformar súditos em cidadãos ativos, modificadores da sociedade e para isso os indivíduos receberiam direitos que possibilitariam a formação de opinião livre e a participação eleitoral. Esta seria a forma de exercício da prática democrática, com ela surgiria a educação para a cidadania. 

Entretanto, a democracia real caminha em direção contrária ao negar a educação política ao cidadão, resultando numa opção pela apatia e reforçando a prática de representar interesses particulares, suplantando a formação de opinião política,tendo como consequência disso o cidadão não educado. 

Esta última promessa configura-se como a que tem mais urgência em ser cumprida, pois a educação do cidadão é essencial a um regime político que tem como premissa a participação popular. A democracia, como regime político, precisa de cidadãos conscientes que identifiquem e exercitem seus direitos e deveres. Para tanto, é necessário que o cidadão conhecer melhor os assuntos para os quais é convidado ou obrigado a participar, opinar, escolher. 

Bobbio traz novamente à discussão, as argumentações teóricas de Stuart Mill e Tocqueville que advogam em favor da participação do indivíduo como cidadão ativo, sustentado na efetividade dos seus direitos enquanto cidadão. Assim, o que se pode constatar é que não se trata apenas do direito de exercício, mas do exercício de fato.

A educação pode ser o caminho no qual o individuo poderá compreender que o seu voto não deverá ser direcionado à consecução de interesses ou vantagens pessoais. Consequentemente, poderá surgir o cidadão, membro consciente de uma comunidade e que vota embasado em uma opinião política.

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Fonte:
ROBERTA ADORNO LIMA SANTOS: "A CRISE NA EDUCAÇÃO EM FOUCAULT E ARENDT". Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Área de Concentração: Educação, Sociedade e Práxis Pedagógica. Orientador: Prof. Dr. Kleverton Bacelar Santana. Salvador, 2009.

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Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público.

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