As fontes em que Darwin bebeu - II

Herbert Spencer é considerado um dos fundadores do famigerado darwinismo social. Esta vertente ideológica propunha uma explicação biológica para os fenômenos sociais. Spencer acreditava que tudo na Natureza e também a moral humana poderiam ser explicada mediante o princípio a que denominou de "sobrevivência do mais apto". Dizia ele: "A situação atual do progresso impõe que toda pessoa incapaz de manter a si própria, pereça".
O naturalista Charles Darwin ao construir seu legado ideológico (que seus súditos chamam de "científico") bebeu abundantemente nos conceitos de evolução como progresso de Herbert Spencer. Isso pode ser claramente observado em suas três principais obras: "A Origem das Espécies", "A Origem do Homem" e a "A Expressão das emoções no homem e nos animais", para ficar apenas nestas. Vejamos:

1. DE "A ORIGEM DAS ESPÉCIES":
"M. Herbert Spencer, numa memória (publicada pela vez primeira no Leader, Março de 1852, e reproduzida nos seus Essays em 1858), estabeleceu, com um talento e uma habilidade notáveis, a comparação entre a teoria da criação e o desenvolvimento dos seres orgânicos. Tira os argumentos da analogia das produções domésticas, das transformações que sofrem os embriões de muitas espécies, da dificuldade de distinguir espécies e variedades, e do princípio de gradação geral; conclui que as espécies têm sofrido modificações que atribui à mudança de condições. O autor (1855) estudou também a psicologia partindo do princípio da aquisição gradual de cada aptidão e de cada faculdade mental" (p. 11).

"Lorde Spencer e outros demonstraram que o boi inglês aumentou em peso e em precocidade, comparativamente ao antigo boi. Se, com auxílio dos dados que nos fornecem os velhos tratados, compararmos o estado antigo e o atual estado dos Pomboscorreios e dos Cambalhotas na Grã-Bretanha, na Índia e na Pérsia, podemos ainda determinar as bases por que têm passado sucessivamente as diferentes raças de pombos, e como vieram a diferir tão prodigiosamente do Torcaz" (
p. 47).

"Mas a expressão que M. Herbert Spencer emprega: «a persistência do mais apto», é mais exata e algumas vezes mais cômoda. Vimos que, devido à seleção, o homem pode certamente obter grandes resultados e adaptar os seres organizados às suas necessidades, acumulando as ligeiras mas úteis variações que lhe são fornecidas pela natureza. Mas a seleção natural, como veremos mais adiante, é um poder sempre pronto a atuar; poder tão superior aos fracos esforços do homem como as obras da natureza são superiores às da arte" (
p. 76).

"M. Herbert Spencer responderia provavelmente que, desde que um organismo unicelular simples se torna, pelo crescimento ou pela divisão, um composto de muitas células, ou se está fixo a algumas superfícies de apoio, a lei que estabeleceu entra nação e exprime assim esta lei: «As unidades homólogas de toda a força diferenciam-se à medida que as suas relações com as forças incidentes são diversas». Mas, como não conhecemos fato algum que nos possa servir de ponto de comparação, toda a especulação sobre este assunto seria quase inútil" (
p. 141).

"Este princípio, segundo M. Herbert Spencer, é que a vida consiste numa ação e numa reação incessante de forças diversas, ou que delas depende; estas forças, como acontece de contínuo na natureza, tendem sempre a equilibrar-se, mas, desde que, por uma causa qualquer, esta tendência ao equilíbrio é ligeiramente perturbada, as forças vitais ganham em energia" (
p. 333).

"Entrevejo num futuro afastado caminhos abertos a pesquisas muito mais importantes ainda. A psicologia será solidamente estabelecida sobre a base tão bem definida já por M. Herbert Spencer, isto é, sobre a aquisição necessariamente gradual de todas as faculdades e de todas as aptidões mentais, o que lançará uma viva luz sobre a origem do homem e sua história" (
p. 553).

Fonte:
CHARLES DARWIN. "A Origem das Espécies por meio da Seleção Natural". Baseado na tradução de Joaquim da Mesquita Paul, médico e professor, publicada por LELLO & IRMÃO – EDITORES.

DE "A ORIGEM DO HOMEM":
"Embora os primeiros vislumbres de inteligência, segundo Herbert Spencer, se tenham desenvolvido pela multiplica ção e pela coordenação de ações reflexas, tanto assim que dificilmente podem ser distintos, como se dá com o caso de jovens animais que mamam, parece que os mais complexos se originaram independentemente da inteligência. Não obstante isto, bem longe estamos de querer ne gar que as ações instintivas possam perder o seu caráter inalterável e irracional e ser substituídas por outras construídas com a ajuda da livre vontade" (p. 85).

"De maneira semelhante H. Spencer, em seu trabalho genial publicado em “Fortnightly Review”, de 1.° de maio de 1870, pg. 535, explica as primeiras formas da crença religiosa no mundo, mediante o fato de o homem ser levado a considerar-se como urna dúplice essência, física e espiritual, por meio de sonhos, sombras e outras causas" (
p. 657).

Fonte:
CHARLES DARWIN. “A Origem do Homem e a Seleção Sexual”. Tradução: Attílio Cancian e Eduardo Nunes Fonseca. Hemus Livraria Editora LTDA. São Paulo, 1974.


DE "
A EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES NO HOMEM E NOS ANIMAIS":
"Herbert Spencer, ao tratar dos sentimentos em seu Principles of psychology [Princípios de psicologia] (1855), faz as seguintes observações: "O medo, quando intenso, se expressa em gritos, em esforços para esconder-se ou escapar, em palpitações e tre­mores; e essas são exatamente as manifestações que acompanha­riam a experiência real do mal temido. As paixões destrutivas se manifestam com uma tensão generalizada do sistema muscu­lar, ranger de dentes, protrusão das garras, dilatação dos olhos e narinas, rosnados; e essas são formas atenuadas das ações que acompanham o ato de matar uma presa". Aí temos, acredito eu, a verdadeira teoria de um vasto número de expressões; mas o interesse maior e a dificuldade do tema estão em seguir seus resultados, incrivelmente complexos" (p. 16).

"Todos os autores que escreveram sobre a Express
ão, com exceção de Spencer — o grande aprofundador da teoria da evo­lução —, pareciam estar firmemente convencidos de que as es­pécies — inclusive o homem, é claro — existiram desde o início em sua atual condição. Sir C. Bell, estando disso convencido, defende que muitos de nossos músculos faciais são "puramente instrumentais nas expressões"; ou que são "uma provisão espe­cial" para essa finalidade única" (p. 17).

"A alegria acelera a circulação, o que esti
mula o cérebro, que novamente reage sobre o corpo todo. Esses movimentos sem finalidade e o aumento da atividade do cora­ção podem ser atribuídos principalmente ao estado de estimu­lação do sensório e à conseqüente sobrecarga de força nervosa não direcionada, como insiste Herbert Spencer. É interessante observar que é sempre a antecipação de um prazer, e não sua obtenção, que provoca esses movimentos e barulhos extrava­gantes e sem finalidade" (p.1,72).

"O car
áter da voz humana sob a influência das diferentes emoções foi abordado por Herbert Spencer em seu interessan­te ensaio sobre a música. Ele demonstra claramente que a voz modifica-se bastante sob distintas condições, em volume e qua­lidade, ou seja, em ressonância e timbre, em tonalidade e inter­valos. Ninguém ouve um orador ou pregador eloqüente, ou um homem chamando furioso por outro, ou alguém expressando espanto, sem impressionar-se com o acerto das observações de Spencer. E curioso quão cedo a modulação da voz torna-se ex­pressiva. Com um de meus filhos, antes de completar dois anos" (p. 80,81).

"Mas isso deixa inexplicado o efeito mais sutil e espec
ífico que chamamos de expressão musical da canção — o deleite de sua melodia, ou mesmo os sons isolados que a compõem. E um efei­to impossível de se definir por meio da linguagem — efeito, até onde eu sei, que ninguém foi capaz de analisar, e que o engenho especulativo de Herbert Spencer a respeito da origem da músi­ca deixa inexplicado. Pois é certo que o efeito melódico de uma sé­rie de sons não depende em nada do seu volume ou suavidade, ou de sua tonalidade absoluta" (p. 83).

"A situa
ção não pode ser de natureza mo­mentosa: um homem pobre não soltaria gargalhadas, nem um sorriso, se subitamente ficasse sabendo que herdou uma grande fortuna. Se a mente está muito excitada por sentimentos de pra­zer, e algum pequeno e inesperado evento ou pensamento apa­rece, como disse Herbert Spencer: "uma grande quantidade de energia nervosa, em vez de poder ser gasta produzindo uma quantidade equivalente de novos pensamentos e emoções, que estavam nascentes, é subitamente refreada no seu fluxo. [...] O excesso precisa ser descarregado em alguma direção, e daí re­sulta um efluxo através dos nervos motores para várias classes de músculos, produzindo os movimentos quase convulsivos que chamamos de riso" (p. 170,171).

"Acredito que a ast
úcia manifesta-se principalmente pela mo­vimentação dos olhos; pois estes estão menos submetidos ao con­trole da vontade, resultado do hábito muito prolongado, do que os movimentos do corpo. Herbert Spencer observa: "Quando há o desejo de se ver alguma coisa de um dos lados do campo visual sem ser percebido, a tendência é de se conter os movi­mentos mais conspícuos da cabeça, e fazer os ajustes necessá­rios só com os olhos; que, por isso, desviam-se bastante para o lado. Assim, quando os olhos voltam-se para um lado e o rosto não está virado para esse mesmo lado, vemos a linguagem na­tural daquilo que chamamos astúcia" (p. 225).

Fonte:
CHARLES DARWIN. "A expressão das emoções no homem e nos animais". Companhia das Letras. São Paulo, 2009.


É isso!

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