“Com a consolidação do sistema da pólis a sociedade grega se reorganiza e se complexifica. Após o período de estruturação e mudança nos modos de vida coletiva do povo ateniense, a cidade de Atenas atinge o apogeu político e o pensamento se difunde em um clima de liberdade e espírito de democracia.
Platão nasce em Atenas no ano de 428/427 a.C e morre em 348/347 a.C. Vivencia o final do período áureo da democracia ateniense e sua longa crise testemunhando a invenção da política como modo de vida por excelência para o povo grego. Profundamente crítico da política de seu tempo, questiona a ordem posta e propõe uma mudança radical na organização e distribuição do poder na pólis, a fim de construir uma cidade justa e equilibrada, o que somente poderia acontecer pela educação dos governantes e dos cidadãos, como está escrito em A República.
Patão dedicou sua vida a esse projeto de formação humana que provoca uma mudança de postura no plano do ser e ao mesmo tempo uma mudança do olhar no plano do conhecer. É a amizade, philía, amor ao saber, pelo conhecimento que acompanhou e deu sentido a toda a sua existência. Como filósofo, pensa o real e transcende o mundo empírico para atingir a verdade, a essência, o permanente, o imutável, a substância. Aplica-se com perseverança ao estudo das questões universais na busca de conhecer a totalidade das coisas e especialmente as relações entre os homens na pólis. Questiona a pólis que preserva a ganância, a ostentação, o individualismo e a injustiça, destruindo a philía. Interroga multiplicidade dos discursos ligados aos interesses particulares colocados em evidência pelos sofistas na agorá, disseminando um conhecimento pragmático das questões políticas, provocando conflitos que não conduzem a cidade para a conquista da autonomia e da justiça.
O conflito é real e inerente à existência da pólis, que, por natureza, é conflituosa, o que vivifica e fortalece a vida
A construção de uma cidade justa pressupõe a isonomía, a repartição igual de direito a todos os que numa comunidade estabelecem relações de reciprocidade, e não de sujeição. Não há consenso em uma sociedade em que as pessoas pensam diferente e cada um é livre para expressar suas idéias nos momentos e espaços comuns, contribuindo assim para a existência coletiva e elevação de todos os cidadãos, que se realiza no plano político, fundada na philía. Como explica Vernant:
Os que compõe a cidade, por mais diferentes que sejam por sua origem, sua classe, sua função, aparecem de uma certa maneira “semelhantes” uns aos outros. Esta semelhança cria a unidade da polis, porque, para os gregos, só os semelhantes podem encontrar-se mutuamente unidos pela Philia, associados numa mesma comunidade. O vínculo do homem com o homem vai tomar assim, no esquema da cidade, a forma de uma relação recíproca, reversível, substituindo as relações hierárquicas de submissão e domínio. Todos os que participam do Estado vão definir-se como Hómoioi, semelhantes, depois, de maneira mais abstrata, como Isoi, iguais. Apesar de tudo o que os opõe no concreto da vida social, os cidadãos se concebem, no plano político, como unidades permutáveis no interior de um sistema cuja lei é o equilíbrio, cuja a norma é a igualdade.
A cidade de Atenas no tempo de Platão vivenciava transformações de ordem econômica e cultural que marcariam profundamente sua existência e as idéias e concepções do homem grego. Essas mudanças estão diretamente relacionadas à retomada dos contatos com o Oriente, que haviam sido interrompidos com a queda do império micênico. A expansão do comércio pelo mediterrâneo abriu novas fontes de abastecimento de objetos ornamentais e metais preciosos numa terra praticamente desprovida de riquezas de minas, o que acabou por suscitar o gosto pela ostentação, o luxo, o fausto, o interesse. Como escreve Vernant:
[...] a influência do Oriente não se fixa somente, na cerâmica, nos temas figurados, na ornamentação da vida. Seduzida pelo luxo, pelo requinte, pela opulência, a aristocracia grega do século VII, inspira-se em seus gostos, em seus costumes, nesse ideal faustoso e delicado de αβροσύνη (sic) que caracteriza o mundo oriental. A ostentação da riqueza torna-se, desde então, um dos elementos de prestígio dos gene, um meio que se une ao valor guerreiro e as qualificações religiosas, para marcar a supremacia, assegurar o domínio sobre os rivais.
Na cidade em que prevalece o interesse submetido ao nomos, não se respeita a parte que cabe a cada um e, portanto, não há díke, justiça, o direito. Não há igualdade onde há disputa pelo poder e nem liberdade onde privilégios são concedidos a grupos seletos.
Platão critica a democracia que não é capaz de garantir a isonomía, igualdade de direitos a todos os cidadãos numa sociedade, um regime de governo em que a autonomia é suprimida e a liberalidade excede a norma, uma sociedade em que o dinheiro e o interesse movem as relações entre os homens, ánthropos.
A discussão filosófica neste período, antes voltada para as questões da phýsis, com Platão se desloca para o humano. Sua filosofia parte, em um primeiro momento da problemática política intimamente ligada à ética, o que demonstra o forte vínculo com o mestre Sócrates.
Posteriormente, como analisa Reale, Platão recupera a seu modo algumas questões da filosofia da phýsis, e avança no sentido da descoberta da metà physika, aquilo que está além da phýsis, no sentido superior, do supra-físico e do supra-sensível que somente pode ser apreendido pelo nous, pela inteligência, pelo intelecto, pelo espírito.
A descoberta dessa dimensão superior da realidade do ser deu ao homem uma nova direção, um sentido espiritual à existência corpórea, efêmera, limitada e, sobretudo, desvelou os horizontes do inteligível demonstrando a existência de um mundo superior, o mundo das Idéias, em que o homem é capaz de encontrar a forma perfeita de todas as coisas e atingir a verdade.
A partir daí Platão mergulha no que ele denomina de segunda navegação. Momento em que reflete sobre as questões mais importantes da existência humana, discutidas no interior da Academia com os discípulos já iniciados, sem necessariamente serem incorporados a uma obra escrita. A Academia fundada em
Platão vive em um momento de transição da passagem de uma experiência social estritamente oral para um período em que a escrita adquire importância singular na vida política da cidade. Momento em que os homens sentem a necessidade de redigir as leis e de consolidar os direitos e deveres dos cidadãos. Essa transição é marcante na vida de Platão, por isso encontramos a dicotomia em sua filosofia. Temos as idéias que escreveu em suas obras e aquelas que reservou à oralidade, ao debate, à discussão junto aos seus discípulos, sobretudo na Academia, consideradas por ele as mais importantes e por isso não poderiam ser estagnadas por meio da escrita que amarra e cristaliza as idéias.”
---
Fonte:
ALINE DE FÁTIMA SALES SILVA: "O SENTIDO EDUCATIVO DO MITO NA FORMAÇÃO DO HOMEM GREGO". (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás, para a obtenção do título de Mestre
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
O contexto histórico de Platão
Marcadores:
TESES E DISSERTAÇÕES
Assinar:
Postar comentários (Atom)
muito bom o conteudo ...gostei ...
ResponderExcluirnossa excelente ... muito bom ..
ResponderExcluiré um contexto historico bem apropriado ...
para trabalhos escolares sobre Platão *=*
d+ o conteudo filosofico do contexto d Platao =)
ResponderExcluiraa
ResponderExcluiradorei o contexto
ResponderExcluirAjudou muito na apostila de filosofia do governo estadunitense 2014
ResponderExcluirMuito bom, agora me sinto mais preparado pra inicar a leitura de "A República"!
ResponderExcluirMeus amigos iniciaram um clube do livro, e este título foi escolhido como o primeiro da aventura, pela ordem cronológica e importância histórica :)