Darwin: "o macaco em todos nós"

Das inúmeras ideologias oriundas a partir das idéias do naturalista inglês Charles Darwin, uma delas diz respeito à Antropologia Criminal do médico italiano Cesare Lombroso, autor de "L'homme criminel". Este famoso criminalista buscava não apenas reconhecer a presença de sinais atávicos simiescos nos criminoos, mas, também, tentar encontrar neles indícios de uma inclinação natural à criminalidade. A partir daí levou à cabo seus julgamentos atrozes, todos "devidamente embasadas na ciência" e nos ideais de evolução, como aqueles defendidos por Darwin em "A Origem do Homem".

Recentemente terminei a leitura de " A expressão das emoções no homem e nos animais", de Charles Darwin, publicado pela Companhia da Letras. Dentre alguns assuntos que me chamou a atenção no livro, um rerefe-se exatamente a esta vontade desvairada em se encontrar traços físicos e emocionais similares tanto no homem como nos símios. Os trechos a seguir, todos extraídos deste referido livro, oferecem uma pequena mostra desta louca obsessão do naturalista por "nos tornar parecidos" com o macaco. Ei-los:

"Nos humanos, algumas expressões, como o arrepiar dos cabelos sob a influência de terror extremo, ou mostrar os dentes quando furioso ao extremo, dificilmente podem ser compreendidas sem a crença de que o homem existiu um dia numa forma mais inferior e animalesca. A partilha de certas expressões por espécies diferentes ainda que próximas, como na contração dos mesmos músculos faciais durante o riso pelo homem e por vários grupos de macacos, torna-se mais inteligível se acreditarmos que ambos descendem de um ancestral comum. Aquele que admitir que, no geral, a estrutura e os hábitos de todos os animais evoluíram gradualmente, abordará toda a questão da Expressão a partir de uma perspectiva nova e interessante" (p. 19).

"As várias espécies e gêneros de macacos expres sam seus sentimentos de muitas maneiras diferentes; e esse fato é interessante, pois tem alguma relação com a questão sobre como classificar, em espécies ou variedades, as assim chamadas raças humanas; pois, como veremos nos próximos capítulos, as diferentes raças humanas exprimem suas emoções e sensações de maneira notavelmente uniforme ao redor do mundo. Algumas das formas de expressão dos macacos são interessantes também por sua semelhança com as expressões do homem. Como não tive oportunidade de observar nenhuma das espécies em todas as circunstâncias possíveis, dividirei minhas descrições pêlos diferentes estados de espírito que exprimiam" (p. 116).

"Se faze mos cócegas num chimpanzé jovem — e as axilas são particularmente sensíveis às cócegas, como em nossas crianças —, um som mais nítido de cacarejo ou risada é produzido; embora a ri sada muitas vezes seja silenciosa faz" (p. 116).

"Ou seja, uma expressão de satisfação, da mesma natureza que um sorriso incipiente, e semelhante àquela tantas vezes vista no rosto do homem, podia ser nitidamente reconhecida nesse animal" (p.116).

"Com o babuíno-anúbis (Cynocephalus anubis), seu tratador primeiro o insultou e enfureceu com facilidade, depois os dois se reconciliaram e se apertaram as mãos. No momento da reconciliação, o babuíno mexia a boca e os lábios para cima e pa ra baixo com rapidez, e parecia satisfeito. Quando rimos com gosto, um movimento — ou tremor — similar pode ser visto mais ou menos distintamente em nossa mandíbula. Mas no homem os músculos do tórax são mais acionados, enquanto nesse babuíno, e em alguns outros macacos, os músculos da mandíbula e dos lábios é que são espasmodicamente contraídos" (p.118).

"A aparência de desânimo nos orangotangos e chimpanzés jovens quando doentes é tão evidente e quase tão patética quan to em nossas crianças. Esse estado de espírito e do corpo é demonstrado pêlos seus gestos lânguidos, semblante abatido, olhar sombrio e compleição alterada (p.120).

"Os babuínos também demonstram sua raiva de uma outra forma, como observou Brehm naqueles que manteve em cativeiro na Abissínia. Eles batiam no chão com uma das mãos, "como um homem fu rioso batendo na mesa com o punho". Vi esse gesto em babuí nos do jardim zoológico; algumas vezes, contudo, eles parecem estar apenas procurando uma pedra ou algum outro objeto em suas camas de palha" (p.121).

"O sr. Sutton viu diversas vezes a face do Macacus rhesus, quando muito enfurecido, ficar vermelha. Enquanto ele me contava isso, um macaco atacou o rhesus e eu pude ver seu rosto enrubescer tão claramente como o de um homem sob violenta emoção. Alguns minutos depois da briga, o rosto desse macaco recuperou a sua cor natural. Ao mesmo tempo que o rosto ficava vermelho, a parte sem pêlos do traseiro do animal, que está sempre vermelha, parecia mais vermelha ainda; mas não posso afirmar isso com certeza. Quando o mandril está de alguma forma excitado, as coloridas e brilhantes partes sem pelo de sua pele tornam-se ainda mais vivamente coloridas" (p. 121).

"Como normalmente associamos os movimentos das sobrancelhas no homem a esta dos de espírito bem definidos, os movimentos quase incessan tes das sobrancelhas nos macacos tiram dessa expressão qual quer significado. Certa vez encontrei um homem que tinha o hábito de repetidamente levantar as sobrancelhas, sem que o gesto estivesse relacionado a qualquer emoção; e isso lhe con feria uma aparência tola. E assim também ocorre com as pessoas que mantêm os cantos da boca levemente puxados para trás e para cima, como num sorriso incipiente, apesar de não estarem contentes ou se divertindo" (p. 122).

"Tanto os orangotangos quanto os chimpanzés, quan do um pouco mais irritados, protraem os lábios e soltam um guincho áspero. Uma jovem chimpanzé, bastante transtornada, comportava-se de uma maneira curiosamente semelhante a uma criança no mesmo estado. Ela gritava alto com a boca bem aberta, os lábios retraídos deixando os dentes expostos. Balançava violentamente os braços, por vezes segurando com eles a cabeça. Rolava no chão de costas e de barriga, mordendo tudo que estivesse ao seu alcance. Um jovem gibão (Hylobates syndactylus) irritado foi descrito como se comportando praticamente da mesma maneira " (p.122)

"A ilustração (fig. 18) representa um chimpanzé zangado porque lhe foi retirada uma laranja anteriormente oferecida. Uma protrusão semelhante dos lábios, ainda que menor, pode ser observada em crianças zangadas" (p.123).

"Quando tentamos desempenhar alguma tarefa que, pela sua dificuldade, requer precisão, como passar uma linha numa agulha, geralmente apertamos os lábios com força, na tentativa, imagino, de não atrapalhar os movimentos com nossa respiração. Percebi a mesma atitude num orangotango. O pobrezinho estava doente e se distraía tentando matar moscas nas vidraças com os dedos. Era difícil, pois as moscas voavam para todos os lados, e a cada tentativa, ele apertava os lábios com força fazen do bico" (p. 124).

"Todavia, quando levantam as sobrancelhas, rugas transversais formam-se na testa, como acontece com os homens. Mas em comparação conosco, seu rosto é inexpressivo, pois eles não franzem o cenho por alguma emoção especial — pelo menos até onde pude observar, e eu o fiz cuidadosamente. Franzimos o cenho, uma das mais importantes expressões para o homem, contraindo os corrugadores, ou seja, abaixando e unindo as sobrancelhas, o que forma os vincos verticais na testa" (p. 124).

"A grande capacidade que o gorila, vários babuínos e alguns outros macacos têm de mexer o escalpo merece atenção com relação à capacidade, atávica ou adquirida, que alguns poucos homens têm de mover voluntariamente seu escalpo "(p.125).

"Nunca fui capaz de perceber se as sobrancelhas de macacos espantados permaneciam erguidas, apesar de mexerem-se incessantemente para cima e para baixo. A atenção, que precede o espanto, é expressa pelo homem com um discreto levantar das sobrancelhas" (p.a26).

"O sr. Sutton observou para mim um jovem orangotango e um chimpanzé durante um considerável período de tempo; e por mais que ficassem espantados, ou enquanto ouvissem atentamente algum ruído estranho, eles não abriam a boca. É um fato surpreendente, pois no homem não há expressão mais difundida do que ficar boquiaberto quando espantado. Até onde pude observar, os macacos respiram mais facilmente pelo nariz do que o homem; e isso pode explicar por que não abrem a boca quando espantados. Como veremos num próximo capítulo, o homem age dessa maneira, quando sobressaltado, a prin cípio para fazer uma inspiração mais profunda, e em seguida, para respirar tão silenciosamente quanto possível" (p. 126).

"Dizemos que às vezes uma ideia engraçada faz cócegas na imaginação; e essas assim chamadas cócegas da mente são curiosamente parecidas com as do corpo. Todos sabem como as crianças riem desenfreadamente e seus corpos se contorcem quando sentem cócegas. Os macacos antropóides, como vimos, também soltam um som reiterado, que corresponde ao nosso riso quando sentem cócegas, especialmente nas axilas" (p.171).

"Orangotangos e chimpanzés jovens protraem os lábios num grau extraordinário, como descrevemos em capítulo anterior, quando estão des contentes, um tanto irritados, ou amuados; também quando es tão surpresos, um pouco assustados e mesmo quando sentem certa satisfação. Aparentemente, sua boca se protrai com a finalidade de produzir os diversos sons correspondentes a cada um desses estados de espírito; e sua forma, como pude observar no chimpanzé, difere um pouco no momento de emitir os gritos de prazer ou de raiva. Tão logo esses animais ficam furiosos, a forma de suas bocas se modifica inteiramente, e os dentes são expostos. Dizem que o orangotango adulto, quando ferido, emite "um grito singular, que se inicia com notas agudas que vão se transformando em ronco grave. Enquanto solta as notas agudas, ele protrai os lábios em forma de funil, mas nas notas graves deixa a boca bem aberta". No gorila, aparentemente o lábio inferior é capaz de se alongar muito. Portanto, se nossos ancestrais semi-humanos protraíam os lábios quando amuados ou um pouco irritados — da mesma maneira como o fazem os atuais macacos antropoides —, não é um fato anômalo, ainda que curioso, nossas crianças exibirem resquícios da mesma expressão quando no mesmo estado de espírito, juntamente com certa tendência a produzir ruído" (p. 198).

"A fúria manifesta-se das mais variadas maneiras. O coração e a circulação sempre são atingidos; o rosto fica vermelho ou roxo, com as veias da testa e pescoço dilatadas. O enrubes cimento foi observado entre os índios de pele cor de cobre da América do Sul, 'e mesmo, como dizem, nas cicatrizes brancas de ferimentos antigos em negros.' Os macacos também ficam vermelhos quando emocionados. Em um de meus próprios bebês, com menos de quatro meses de idade, diversas vezes pude perceber que o primeiro sinal de uma emoção era o aumento do fluxo de sangue para sua cabeça pelada" (p. 204).

"Os lábios por vezes se protraem durante o enfurecimento de uma maneira que não posso entender, a não ser que isso esteja condicionado a nossa descendência de um animal semelhante ao macaco" (p. 206).

"Embora a boca esteja geralmente aberta quando somos dessa maneira afetados, os lábios frequentemente ficam um pouco protraídos. Esse fato nos lembra da mesma atitude, ainda que em bem maior grau, nos chimpanzés e orangotangos quando assustados" (p.244).

"Podemos estar certos de que o riso, como um sinal de prazer ou satisfação, já era praticado por nossos ancestrais bem antes de merecerem ser chamados de humanos, pois muitos tipos de macacos, quando satisfeitos, soltam um som repetitivo claramente análogo ao nosso riso, muitas vezes acompanhado de movimentos vibratórios dos maxilares ou dos lábios, com os cantos da boca sendo repuxados para cima e para trás, pelo franzir das bochechas, e até mesmo de um brilho no olhar" (p.306).

"O derramar de lágrimas parece ter se origina do por ação reflexa da contração espasmódica das pálpebras, talvez juntamente com o ingurgitamento dos globos oculares com sangue durante o choro. Por isso, é provável que as lágrimas tenham chegado relativamente tarde na linha de nossa descendência; e essa conclusão está de acordo com o fato de que os nossos mais próximos parentes, os macacos antropomorfos, não choram. Mas devemos ser cuidadosos, pois como certos macacos, que não são próximos do homem, choram, esse hábito po de ter se desenvolvido muito tempo atrás, numa subdivisão do grupo do qual deriva o homem. Nossos primeiros ancestrais, quando sofrendo por tristeza ou ansiedade, não deixariam suas sobrancelhas oblíquas, ou encurvariam para baixo os cantos da boca, até que tivessem adquirido o hábito de lutar para conter o choro. Portanto, a expressão de tristeza e ansiedade é eminentemente humana" (p. 307).

É isso!

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