A evolução como progresso e o progresso como evolução

"Outro ideal central no século XIX, sem dúvida, é o de progresso. Um progresso teorizado. Entretanto,

na acepção comum, progresso indica qualquer movimento no sentido de uma perfeição desejada e se prende, portanto, a valores éticos previamente definidos; [que] passou a designar um processo histórico de aperfeiçoamento geral, necessário e irreversível das sociedades e, como tal representou poderosa ideologia nos tempos modernos, inspirando vários movimentos sociais e correntes de pensamento.

O termo progresso aparece em diversos momentos da história, em inúmeros escritores, nos mais variados períodos. No entanto, o significado mais próximo do teor do presente trabalho é obviamente o desenvolvido durante o século XIX: o ideal de progresso como sendo uma alteração de um determinado estágio para um seguinte, necessariamente melhor e mais bem acabado. Tal definição para o progresso na forma como expomos – um ideal a ser alcançado, um passo para algo melhor – é uma construção característica do século XIX, assim nos aponta Jacques Le Goff. Uma variante importante da idéia/ideal de progresso é o progresso social, que se aproxima bastante do sentido com o qual pretendemos tratá-lo, assim:

Do momento em que a idéia de progresso se transfere, como força imanente, para a história, levando o homem necessariamente do menos perfeito para o mais perfeito, está-se em pleno progressismo social, raiz de todas as ideologias revolucionárias e reformistas de hoje. São seus elementos constitutivos: a) a idéia de que o progresso técnico e cientifico é irreversível e necessário. b) a idéia de que esse mesmo progresso acarretará, por via de conseqüência, o aperfeiçoamento inevitável do homem e das sociedades humanas como um todo. As filosofias sociais dominantes no século XIX absorvem essa tradição e impulsionam a concepção do progresso social.

Em meio a esse ambiente intelectual, posto no mundo ocidental, desenvolve-se em paralelo ao cientificismo, a obsessão pela idéia/ideal do progresso e pelas teorias da evolução. As discussões sobre o assunto podem ser localizadas com um provável início no Iluminismo, por exemplo, na França autores como M. E. Turgot e A. N. Condorcet são o ponto de partida para muitas reflexões que vão formar o corpo das doutrinas evolucionistas.

Sem dúvida, a obra chave, e em muito impulsionadora das teorias evolucionistas é On the origin of species (1859), de Charles Darwin. Essa obra traz mais embasamento “científico” para o pensamento evolucionista. Porém, não se pode deixar de considerar outro autor importante na divulgação das idéias evolucionistas, que também é central nesse movimento, Herbert Spencer. Todavia, o que viria a ser o evolucionismo? Seguimos aqui a definição mais usual, segundo a qual

o evolucionismo, nas ciências sociais, foi um princípio diretor proposto para interpretação dos fatos sociais, consubstanciado no conceito de evolução, que se popularizou no meio científico no final do século XIX, principalmente entre 1860 e 1890, quando grande parte das obras evolucionistas foi publicada. Visava à descoberta e à exposição das seqüências ou estádios do crescimento sociocultural humano desde suas formas originais até os tempos atuais, considerados
ponto máximo do progresso humano.

Aqui já podemos perceber uma das características principais do pensamento evolucionista, a idéia de um caminho linear a ser percorrido, e igual para todas as sociedades humanas.

Esse desenvolvimento da sociedade, da humanidade obedecia a uma direção única, das formas mais simples de organização para formas mais complexas. As culturas consideradas menos evoluídas, (...) diferentes da ocidental, eram vistas como fases anteriores do desenvolvimento humano.

Para realizar esse tipo de análise, os pensadores evolucionistas fazem uso do chamado método comparativo, procedimento advindo das ciências biológicas. A partir da comparação procuravam-se e destacavam-se as semelhanças entre as diversas sociedades. A ausência desse ou daquele elemento determinava o nível de desenvolvimento. Novamente devemos ressaltar que o modelo padrão para a realização da comparação era o europeu. Essa concepção evolucionista encontrava-se ligada ao etnocentrismo vigente.

Assim, pode-se considerar, para uma análise no sentido, que o evolucionismo é uma teoria associada a outras, que defendem o cientificismo e o progressismo. Não é uma decorrência destas últimas, mas se formou junto com elas. O corpo da teoria evolucionista é um instrumental importante para a construção da hegemonia européia sobre boa parte do mundo. Convém lembrar que uma das premissas utilizadas pelo neocolonialismo era uma suposta necessidade de “civilizar os povos”. Para ilustrar esse tipo de atitude cabe lembrar a idéia de Herbert Spencer da “sobrevivência do mais apto” exposta nos Principles of Biology, 1866 a qual influenciou Darwin, o outro grande nome na reflexão sobre a temática, que a apresentou na forma da “Natural selection or the survival of the fittest” presente na 5.º ed. da On origin of species.

A sobrevivência do mais apto, nesse contexto – o da construção da hegemonia européia –, é utilizado para legitimar o domínio daquele continente em diversas partes do globo. Da seguinte maneira: o mais apto sobrevive ou, no caso, “o mais civilizado” predomina sobre os outros povos. Ou, ainda, a hegemonia dos descendentes de europeu sobre outros povos, o caso da América (Latina ou Anglo-Saxônica), por exemplo.

Se evolução e evolucionismo são o assunto, e principalmente sua utilização nas ciências sociais, não podemos deixar de fora o darwinismo social, doutrina que apresenta possibilidades de ser analisada como um produto do pensamento evolucionista, com bases nas ciências biológicas. O darwinismo social pode ser lido como uma utilização dos princípios formulados por Darwin, para a interpretação do mundo natural, na leitura do mundo social.

Inúmeros autores apontam que o darwinismo social constituir-se-ia como uma distorção dos postulados de Darwin, porém os princípios deles são usados ao longo do século XIX, em especial, na segunda metade do mesmo. E com relativo sucesso já que suas proposições aproximavam-se muito de uma outra prática bastante tradicional, o direito da força. Nas palavras de Hannah Arendt:

O darwinismo [social] devia sua força especialmente ao fato de seguir o caminho da antiga doutrina da força [o direito de subjugar outros povos pela força].(...). O esmagador sucesso do darwinismo resultou também do fato de ter fornecido, a partir da idéia de hereditariedade, as armas ideológicas para o domínio de uma raça ou de uma classe sobre outra.

Nas palavras de Denis Buican, “o darwinismo social implica uma doutrina seletiva, baseada sobre a luta pela existência, característica para todas as espécies biológicas inclusive o homem”. Isto porque a idéia de seleção e luta pela existência, encaixava-se perfeitamente no ideal hegemônico europeu.

A Europa predomina em boa parte do mundo durante o século XIX. Para legitimar sua posição, nada melhor que proposições como as duas expostas há pouco. No âmbito de sociedades como a americana, seja a latina quanto a anglo-saxônica, tais postulações eram pensadas na forma de manter uma determinada hierarquia interna. Também as postulações oriundas dessa base teórica apontavam para o provável desaparecimento das raças indesejáveis – os negros na América do Norte, os negros e os mestiços na América Latina, em especial no caso do Brasil."

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É isso!

Fonte:
HILTON COSTA: “HORIZONTES RACIAIS: A idéia de raça no pensamento social brasileiro – 1880-1920”.(Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre Curso de Pós-Graduação em História Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Orientação: Prof. Dr. José Rivair Macedo.; PORTO ALEGRE , 2004.

Nota:
O título e a imagem não se incluem na referida tese.

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