“Em geral se atribui aos gregos, especialmente a Anaximandro, Empédocles e Aristóteles, respectivamente nos séculos IV, V e VI a. C., a glória de terem dado os primeiros passos no sentido da comprensão da história da vida e especialmente da descoberta da existência da evolução. Sobre eles não nos deteremos muito no momento porquanto, na verdade, sua contribuição neste particular foi quase nula. Eles, ou pelo menos Aristóteles, fizeram grande progresso na descrição da natureza, mas pequeno na sua compreensão e, de fato, ergueram obstáculos no caminho desta última. Pondo de lado algumas especulações exatamente comparáveis ao mito e à magia de povos primitivos — que com bastante freqüência defendem crenças que contêm germes de hipóteses evolucionistas — o conceito biológico de caráter mais histórico qüe os filósofos gregos conseguiram atjngir foi o de uma progressão das formas orgânicas, como tipos abstratos, das mais mnfimas e simples, às mais elevadas e complexas (o homem, naturalmente). O conceito era idealista e essenciamente não-histórico, porquanto não se prendia a fatos reais e históricos do parentesco orgânico através das sucessivas gerações" (p. 161, 262).
“A questão veio finalmente à baila, não na forma de um dogma concorrente ou de um movimento anticlerical, mas como uma possibilidade de considerar os fatos da existência terrestre sujeitos à investigação do homem e à sua eventual decisão. A lista ilustre dos pioneiros que finalmente lhe deram este status seria muito longa para ser aqui apresentada, embora não possamos omitir alguns nomes: Hooke (1635-1703), Ray (1627- 1705), de Maillet (1656-1738), Maupertuis (1698-1759), Buffon (1707-1788) e Erasmus Darwin, avô de Charles Darwin (1731- 1802). Todos êstes homens consideravam a evolução como uma possibilidade e a maioria deles a aclamava como realidade. Contudo, foram incapazes de tirar dos fatos conhecidos, ainda muito escassos, provas para sacudir a inércia dos séculos e a quase unânime oposição dos teólogos, cujas premissas, não sendo científicas, não oferecem nenhum interêsse para a história da ciência da evolução. Também não conseguiram elaborar uma teoria geral e consistente a respeito de como a evolução funciona (o que, evidentemente, não é a mesma coisa que saber se ela funciona) embora tivessem sobre o assunto idéias que muitas vêzes — conforme depois se verificou se aproximavam bastante da verdade” (p. 263, 264).
"Na história da teoria evolucionista, Lamarck (1744-1828) ocupa um lugar apenas inferior ao de Darwin, porquanto explicitamente concluiu que a evolução é um fato universal que abrange todas as formas de vida num único processo histórico, e propôs uma teoria global sobre a maneira pela qual esse processo funciona. Acontece que sua teoria ruiu por terra à luz do conhecimento ulterior e ninguém a adota hoje, nem mesmo os raros estudiosos remanescentes que se intitulam de “neolamarckistas”. Contudo, foi uma tentativa corajosa, e mais que isto, porquanto abriu caminho para futuros estudos e apontou as linhas cruciais de ataque que finalmente conduziram ao êxito. Lamarck adotou, como era praticamente inevitável, a velha idéia segundo a qual todas as formas de vida representam uma progressão que tem o homem como sua expressão mais elevada. Tinha, porém, grande conhecimento das plantas e animais atuais e era muito pouco obscurecido pela tradição para não se dar conta de que as coisas não se passavam exatamente desta maneira. Por isso, concluiu que embora esta progressão fosse o aspecto essencial da evolução e sua principal causa (mas a causa da progressão não especificada), ela era perturbada e não funcionava regularmente devido à adaptação local a uma infinidtde de modos de vida diferentes. Ele supunha que a adaptação fosse causada pelos hábitos dos animais. O ambiente exigiria hábitos adequados a ele, os habitos produziriam mudanças estruturais pelo uso e desuso los vários órgãos e essas mudanças seriam herditarias” (p. 164).
4. Charles Darwin:
“Não é de admirar, portanto, que o tema principal da obra de Charles Darwin (1809 - 1882) tivesse sido não a demonstração da verdade da evolução, embora ele tenha feito isto também, mas a tentativa de explicar a adaptação e de erigir uma teoria geral da evolução à base desta explicação. A teoria de Darwin, na formulação final que ele próprio lhe deu, envolve quatro fatores que são, a seu ver, em ordem decrescente e importancia: a seleção natural, os efeitos hereditários do uso e desuso (como foi sugerido por Lamarck), os efeitos hereditários da ação direta das condições externas sobre o organismo (fator negado por Lamarck, mas ressaltado por seu sucessor, também pré-darwiniano, Saint-Hilaire) e, finalmente, as “variações que nos parecem, em nossa ignorância, surgir espontâneamente”. Desses, a seleção natural é particularmente associada com o nome de Darwin, a ponto de ser comumente considerada como toda a teoria darwiniana, da qual é o elemento mais importante, mas não o único. A adaptação foi explicada principalmente pela seleção natural, como ainda o é.
Darwin foi um dos maiores gênios que a história já produziu e se situa entre os expoentes máximos do progresso intelectual do homem. Merece este lugar, antes do mais, por ter estabelecido, de maneira cabal e definitiva, a evolução como um fato e não mais como uma especulação ou como uma hipótese alternativa para a investigação científica. Sua segunda grande realização foi a correta identificação de um elemento importante da adaptação; a seleção natural. Contudo, deve-se notar que o conceito moderno de seleção natural foi consideravelmente ampliado e purificado e não é exatamente o mesmo de Darwin. Ele reconheceu o fato de que a seleção natural age por reprodução diferencial, mas não equiparou as duas coisas” (p. 265, 266).
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Bom. A falta de coerência (honestidade?) do autor é simplesmente escandalosa. Ora, todo mundo sabe que Darwin não foi o primeiro que fez uso da expressão “seleção natural”, nem também foi o primeiro que a utilizou com o sentido que lhe fora atribuído em “A Origem das Espécies”. Fica claro, portanto, que a não menção direta de Alfred Wallace como um dos idealizadores de tal conceito, é uma clara tentativa de elevação de Charles Darwin ao grau pleno de “pai supremo da evolução”.
É isso!
Fonte:
George Gaylord Simpson: "O Significado da Evolução: um estudo da História da Vida e do seu Sentido Humano". Tradução: Gioconda Mussolini. Livraria Pioneira Editora. São Paulo, 1962.
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