Lamarck e o lamarckismo

"A idéia de geração espontânea em Lamarck é bastante interessante, pois apresenta elementos novos em relação ao que se tinha na época. Ao contrário de Georges Cuvier (1769-1832) que aceitava uma criação divina de espécies já adaptadas ao ambiente, Lamarck procura explicar a origem da vida, bem como a própria vida, por meio de fenômenos físico-naturais. A idéia de que a vida possa aparecer da matéria inanimada, através de fenômenos naturais, pressupõe uma noção especial de vida, diferente daquela aceita na época de Lamarck. Em sua última obra Lamarck expõe a concepção de vida, que segue:

Mostramos em nossas diferentes obras que a vida não era um ser nem a propriedade particular de nenhuma matéria, qualquer que seja, nem é alguma parte de um corpo – fazendo ver que ela é apenas um fenômeno físico20 resultante de duas causas essenciais, a saber 1º) uma ordem e um estado de coisas que existem nas partes do corpo que se observa; 2º) uma causa motriz ou provocadora de movimentos sucessivos no interior deste corpo. Assim, a vida subsiste nesse corpo enquanto o estado de suas partes e a ordem de coisas necessárias à execução dos movimentos vitais não forem destruídos e enquanto a causa provocadora dos movimentos continuar a agir
(LAMARCK, Systeme analytique dês connaissances de lhomme. Paris: Chez lAuteur, aujardin du Roi, 1820, p. 117 apud MARTINS, 1994, p. 58).

Segundo esta visão, o que caracteriza os seres vivos para Lamarck, é uma determinada estrutura físico-química adequada e a existência de certas forças físicas em seu interior, que possibilitam o dinamismo próprio da vida. Em contrapartida, ao buscar fundamentos para formular uma hipótese quanto ao surgimento dos seres vivos, utiliza-se dos conceitos de geração espontânea, propostos, ainda, na Grécia Antiga. No entanto, Lamarck não acredita como Buffon, que formas vivas complexas possam surgir por geração espontânea. Para ele, o processo de geração espontânea está constantemente criando seres vivos primitivos, no início da escala animal ou vegetal. Esses seres naturalmente tenderiam a aumentar sua complexidade, geração após geração (MEYER, EL-HANI, 2005).

Na Philosophie Zoologique (vol. 2, p. 83 apud MARTINS, 1994), Lamarck esclarece que a natureza continua a formar as gerações diretas no início das escalas animal e vegetal, como os seres gelatinosos e transparentes (denominados atualmente de unicelulares) embora também possa fazê-lo em diversos pontos da primeira metade da escala, dando como exemplo os vermes intestinais. Como evidência favorável à geração espontânea, Lamarck utiliza a aparente inexistência de órgãos internos, inclusive os destinados à reprodução, o fato de os organismos de massa gelatinosa, infusórios, não produzirem ovo e de desaparecerem na estação fria, reaparecendo na estação quente, bem como sua aparente fragilidade.

A escala animal se inicia em dois ramos separados, produzidos por geração direta ou espontânea. Um deles se inicia com os infusórios, que dão origem aos pólipos e esses aos radiários. O outro, menos importante, se inicia com os vermes (LAMARCK, Histoire naturalle dês animaux sans vertèbres, vol. 1, p. 455 apud MARTINS, 1994, p. 59).

Meyer e El-Hani (2005) consideram que as hipóteses de Lamarck para a complexidade de certos seres vivos, não explicam a existência de muitos seres vivos pouco complexos e também não responde o porquê deles permanecerem estacionados no estágio inicial.

Na concepção de Lamarck as formas de vida mais complexas surgem por transmutação, uma lenta progressão na qual o fluido nervoso abre canais cada vez mais complexos de uma geração para a seguinte. Ao utilizar-se do processo de geração espontânea para justificar os diferentes graus de complexidade entre os seres vivos, propõe que quanto mais avançado seja um organismo em sua época atual, mais antigo seria seu primeiro ancestral, que por sua vez teve mais tempo para mudar e aperfeiçoar-se. (HENIG, 2001; MEYER e EL-HANI, 2005; BLANC, 1994).

Para fundamentar sua teoria, Lamarck formula algumas leis, dentre essas as mais conhecidas são a “Lei do Uso e Desuso” e a “Herança dos Caracteres Adquiridos”, porém Martins (1997) relata que, nas obras de Lamarck, principalmente a última versão, contida na Histoire naturalle des animaux sans vertèbres, aparecem explicitamente quatro leis. As duas primeiras leis demonstram ser a resposta aos seus questionamentos quanto aos diferentes graus de complexidade entre os seres vivos e o surgimento de possíveis órgãos de encontro às necessidades dos indivíduos.

Primeira Lei: A vida, pelas suas próprias forças, tende continuamente a aumentar o volume de todo o corpo que a possui, e a estender as dimensões de suas partes, até um limite que lhe é próprio (LAMARCK, Histoire naturalle des animaux sans vertèbres, vol. 1, p. 151 apud MARTINS, 1997, p. 35). Segunda Lei: A produção de um novo órgão em um corpo animal, resulta de uma nova necessidade que surgiu e que continua a se fazer sentir e de um novo movimento que essa necessidade faz nascer e mantém (LAMARCK, Histoire naturalle des animaux sans vertèbres, vol. 1, p. 152 e 155 apud MARTINS, 1997, p. 37)."

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É isso!

Fonte:
FERNANDA PERES RAMOS: “O CONCEITO DE GENE EM DISCURSOS DE PROFESSORES-PESQUISADORES: evolução em andamento ou revolução permanente?” (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação para a Ciência e a Matemática do Centro de Ciências Exatas da Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação para a Ciência e a Matemática Área de concentração: Ensino de Ciências e Matemática. Orientadora: Profª.Drª. Maria Júlia Corazza Co-orientador: Prof. Dr. Marcos Cesar Danhoni Neves). MARINGÁ 2010.

Nota:
O título e a imagem em destaques no texto não se incluem na referida tese.

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