O homem e sua origem confusa

O texto, a seguir, de autoria de Yves Coppens, escritor, paleontólogo e professor do Collège de France, autor de “Prémbules”, foi recortado por mim do jornal O Estado de São Paulo, edição de 10 de setembro de 1995. A sinceridade do autor em relação as dificuldades para se entender a origem do homem, chama atenção pelo fato de ser ele um darwinista, pois como é notório, grande parte dos defensores da Teoria da Evolução são incapazes de admitir sequer uma única falha em seus postulados, que parecem estar à prova de qualquer refutação. No darwinismo as "certezas" costumam ser tão “óbvias”, tão “verdadeiras” e tão "reais" que a atitude deste paleontólogo, pelo menos neste caso específico, é um exemplo que merece ser divulgado. Eis o texto:

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O homem e sua origem confusa

Por: Yves Coppens

"A origem do ser humano é uma verdadeira confusão. Graças às descobertas da paleontologia, hoje se sabe que os ancestrais do homem são os australopithecus, um tipo de “primata” hominídeo que já se comporta em alguns aspectos como humano, mas ainda possui características de macaco. Entretanto, quanto mais fósseis são encontrados, mais confrontamos com primatas diferentes: Australopithecus afarensis, ramidus, ethiopicus, boisei, africanus e agora um novo, o mais jovem da família, descoberto graças a uma de nossas escavações, e que data de mais de 3 milhões de anos. Gente demais.

O mesmo acontece com os primeiros homens, os verdadeiros. Em 1964, considerávamos o mais antigo de nossos ancestrais o
Homo habilis. Depois foi encontrado outro, Homo rudolfensis, que não é idêntico ao primeiro. Em seguida ainda outro, Homo ergaster, distinto dos dois precedentes... Hoje estamos diante de uma multidão de personagens e não sabemos como estabelecer a relação entre eles. Já que os prinieiros seres humanos surgiram na mesma região dos australopithecus, deduzimos que são descendentes dos mesmos. Mas qual australopithecus corresponde a qual homem? Quem dá origem a quem? Lancemos uma nova questão: os últimos australopithecus são contemporâneos dos primeiros homens. A árvore genealógica das espécies não pára de se ramificar e nossa filiação torna-se um verdadeiro quebra-cabeça.

E esse mistério que nos leva a investigar o mecanismo da evolução. Constatamos que num ambiente idêntico todas as espécies evoluem no mesmo sentido — precisamente em direção à adaptação a esse meio. Segundo a teoria darwinista — que até hoje é de certa forma aceita — alguns sofreriam mutações genéticas que se produziriam por acaso e muitas delas lhes proporcionariam alguma vantagem para que a sua sobrevivência fosse possível nesse novo ambiente. Com o passar das gerações e gerações, essa nova espécie se imporia, selecionada pelo próprio meio em que vive.

Mutações
— Particularmente, essa teoria não me convence muito. No entanto, o fato de tais mutações vantajosas acontecerem sempre no momento mais oportuno chama a atenção. Correndo o risco de causar controvérsias entre os biólogos, e sem retornar à teoria de Lamarck, acho que é preciso levantar algumas questões sobre o mecanismo de registro genético de algumas transformações ambientais.

De qualquer forma, o acaso é responsável por transformações oportunas demais para se acreditar...

Grande mistério — O surgimento de um primata que utiliza as pedras para fabricar utensílios, primeiro ocasionalmente, depois com mais freqüência, até formar uma cultura própria, ou melhor, desenvolver a consciência que termina por criar um ambiente cultural, também é, a meu ver, um grande mistério. Partimos de um ser instintivo, sem liberdade individual, e obtemos um homem que conquista a liberdade de ação e um livre arbítrio graças ao conhecimento adquirido e transmitido... O desenvolvimento técnico e cultural ultrapassa o desenvolvimento biológico... Como é possível? Por quê? Os artistas da arte parietal utilizavam linhas sutis para que as pinturas pudessem durar, o que significa que eles eram dotados, por exemplo, da capacldade de pensar no futuro.

Ao observarmos a história da vida no decorrer de milhares de anos, essa organização do mundo que se torna a cada dia mais complexa, com o homem habitando seu planeta no meio de uma pequena galáxia, é difícil imaginar que tudo isso seja vazio de significado. E isso deveria nos estimular a olhar o mundo a uma certa distância, se é que podemos nos pôr assim, no espaço, no tempo e na mente."


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É isso!


Fonte
:
Jornal O Estado de São Paulo: 10/09/1995.

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