"Em seu trabalho As Ilusões da Liberdade ... Mariza Corrêa aponta a necessidade de fazer um estudo da história de um outro conceito, o conceito de periculosidade, que se desenvolve nos trabalhos internacionais da chamada antropologia criminal, assim como nos desenvolvidos por Nina Rodrigues, conceito que se alonga até ser incorporado no código penal brasileiro de 1940, código que está até hoje em vigor. Esta proposição é bastante interessante porque, este conceito que aparece nos trabalhos científicos nacionais a partir do estudo da criminalidade tal como se desenvolvia na Europa, ganha através da medicina, passando pelo direito e indo até às leis caráter de verdade e paradigma, porque ele consegue sintetizar várias práticas se tomando instrumento.
O conceito de periculosidade teve por veículo os trabalhos realizados pela medicina legal. em seu desenvolvimento articulado com técnicas internacionais admitidas aqui no Brasil. A idéia fundamental que orientava estes estudos era a de que havia a necessidade de se manter a ordem social. Na defesa da ordem social, estes cientistas desenvolviam estudos objetivando o entendimento das cousas naturais da criminalidade em nosso Pais . Nas décadas de 1920 e 1930 os envolvidos com a questão da criminalidade partem para uma série de pesquisas, objetivando encontrar nos criminosos características fisicas, psíquicas e sociais que pudessem fornecer a sociedade um entendimento mais seguro das cousas da criminalidade e consequentemente, planos mais eficientes de defesa social, ou seja, a ciência em função da sociedade, através dos grupos sociais que continuam sendo postos em função da ciência.
Na execução do projeto de defesa social e de manutenção da ordem, se lança mão de vários instrumentos científicos internacionais, construídos a partir do desenvolvimento da própria ciência em seus estudos sobre criminalidade. Um destes instrumentos que foi utilizado no Brasil, foi a chamada biotipologia, que segundo Corrêa é apresentada no 1º Congresso Latino Americano de criminologia (Buenos Aires - 1938), por Leonídio Ribeiro médico brasileiro.. na época, diretor do Instituto de Identificação do rio de Janeiro. A biotipologia é apresentada através da exposiçao de dois trabalhos realizados no Rio de Janeiro. Segundo Leonídio esta ciência era capaz de “...estudar o homem classificando os numerosos tipos humanos, num método rigoroso de estudo integral dos fenômenos morfológicos, funcionais, morais, afetivos, evolutivos e intelectuais.”
Como já dissemos estas pesquisas objetivavam à prevenção do crime que segundo estes pesquisadores seria possível dominar.
“... desde que se lograsse classificar blotipologicamente, desde a primeira Infância, todos os indivíduos, especialmente aqueles que, pela sua constituição e tendências, pudessem ser considerados como pré-delinqüentes e, por isso, passíveis de medidas especiais de tratamento e educação, capazes de corrigir ou atenuar suas anomalias e conseqüentes reações anti-sociais”.
Leonídio Ribeiro, desenvolve na década de 30, uma enorme batalha no sentido de tomar obrigatória a identificação civil, que se legitimava através dos resultados apresentados das várias pesquisas que ele desenvolvia sobre criminalidade, pesquisas que tinham determinações práticas que deveriam ser adotas pela sociedade. Numa articulação entre criminalidade e trabalho Leonídio acaba definindo melhor suas intenções e o dimensionamento da defesa.
“É preciso, ao meu ver, tomar obrigatório a Identificação civil de todos os trabalhadores pelo método científico da dactiloscopia, afim de defender a sociedade e de proteger os patrões”.
Este autor deixa bastante nítido em seu trabalho, a importância da incorporação por parte do estado de uma perspectiva orientada pelo desenvolvimento científico, tanto que a idéia de identificação civil deveria, segundo ele ser articulada a outras formas de controle por parte do estado na. população em defesa da ordem social. Neste sentido, as pesquisas deveriam desenvolver estudos que pudessem dar conta não só daqueles que estavam envolvidos pelos controles institucionais definidos, como as escolas, as igrejas. as prisões e os outros vários mecanismos do estado, mas também dos outros indivíduos que de alguma forma fugiam aos espaços de controle e poder. O Estado deveria criar, a partir dos resultados das pesquisas, “os abrigos para menores”. A cidade do Rio de Janeiro devei-ia se espelhar, novamente, em outros modelos municipais, que haviam construído formas de controle das questões que impunham perigo a ordem social, e de fato foi isso que se realizou.
A idéia do controle por parte do Estado através do isolamento dos elementos que apresentavam perigos à ordem social, se articulava no entendimento do crime como doença. O conceito de periculosidade, matéria dos estudos e dos cursos na cadeira de Medicina Legal, permitia que se fizesse tal articulação, na medida em que a criminalidade. como algo que se realiza a partir de características naturais hereditárias, ou seja, adscritas, se ligava aos estudos científicos sobre a doença de uma forma geral. É de Afrânio Peixoto, outro médico que se auto intitulava seguidor dos esforços de Nina Rodrigues, o pensamento que melhor define esta articulação.
“Porque não considerar o criminoso doente social da mesma maneira? A noção de pericolosidade acorre a isso, assimilado o perigoso social ao perigoso sanitário ou perigoso psicopático, declarado alienado. Mas a disparidade começa porque só se isola ao doente social declarado depois do crime, quando a prevenção social obriga, sanitariamente, a segregar o possivelmente infectado, perigoso higiênico, infectante, antes de infectador. Porque não corrigido pelo cárcere, com trinta anos nossos, ou nos anos soviéticos, entrega-se à sociedade o irresponsável o irresponsável, como não faríamos, com igual critério, ao pestoso de mais de dez dias, ao várioloso ainda doente além de vinte, ao tifico que está longe de são aos trinta? Prazos de cura ou refontia serão tio absurdos sanitariamente quanto absurdos sanitariamente, quanto penalmente.”
Peixoto trabalha com o pensamento de que existem na sociedade vários focos, que podem a qualquer momento infectar os que não estilo doente. Segundo ele a idéia de periculosidade aparece como um grande progresso nas leis penais porque incorpora a perspectiva de “prevenir antes de curar’. Prevenir significa extinguir os focos, numa. política mais ampla de higienização, politica que incorpore a criminalidade como doença.
Desse jeito, a questão da criminalidade se desenvolve através do conceito de pericuiosida.de. recebendo no totalitarismo do Estado varguista elementos necessários a sua realização. É neste período que, a medicina investe também mais efetivamente na popularização de seus argumentos. Como exemplo disso vemos os textos que são apresentados no Boletim Eugênio, veiculo de divulgação das proposições médicas da época, criado em 1929. O Boletim Eugênio, defendia as proposições mais fundamentais do movimento eugenista internacional definidas assim:
“A eugênia estuda as leis da hereditariedade no que diz respeito a conservação e ao progresso do gênero humano: 1° ) Fomentando a Reprodução dos melhores elementos. 2° ) Restringindo a fertilidade dos Inferiores e incapazes. A eugenia aplica as leis biológicas para o aperfeiçoamento integral da humanidade”.
Segundo os eugenistas a tarefa era proteger a sociedade contra o que eles chamavam de medíocres, que representam à maioria no mundo e que eram a ameaça mais terrível a toda humanidade. O Boletim Eugênio tinha um caráter panfletário. Os objetivos dos módicos através dele era o de contemplar toda sociedade, neste sentido os textos apresentados eram curtos, numa linguagem que não se estreitava no discurso exclusivamente técnico, os artigos eram curtos e ftindamentalmente informativos com a intenção de convencimento.
Neste boletim circulavam artigos científicos, pesquisas e depoimentos de pessoas de vários países que defendiam os ideais eugênicos como dever a ser seguido por todos, na luta contra os medíocres que aumentavam, segundo eles, diante do desenvolvimento dos instrumentos tecnológicos no mundo. Para os eugenistas, “Com o advento das maquinas e dos aparelhos automáticos, os medíocres foram aos poucos deixando à margem como inúteis, aumentando, assustadoramente, o mundo de indigentes”.
Aqui vemos o discurso eugenista interpretar a marginalidade, não como um lugar definitivo, mas como um locus jogado no tempo. A marginalidade assim como a criminalidade advém do espaço das possibilidades onde se criam os criminosos, medíocres e indesejáveis.
Os classificados, pelos etLgenistas, como medíocres cresciam ainda mais com o aumento da miséria. Eles argumentavam sobre uni problema histórico e social a partir dos parâmetros biológicos. Para eles só “um sério programa de profilaxia da procriação poderá reduzir. progressivamente, essa avalanche de infelizes que constituem grave perigo para a comunidade’.
Com títulos extremamente apelativos. investiam através de valores morais em defesa de suas proposição que passavam pelas instituição mais sagras. como casamento. Em um artigo do Boletim, que tinha como titulo, ‘QUEM AMA O POVO BRASILEIRO, DEVE NOS AJUDAR NA CAMPANHA EM PRO DA EUGÊNIA”. Renato Kehl afirmava:
“Enquanto não se estabelecer a proibição matrimonial para os inaptos para a procriação rígida ou sua esterilização, a educação e a higiene não conseguirão diminuir as anomalias, os vicies e os crimes, em suma, não levantaram o nível da coletividade.”
Os eugenistas se colocavam também contrários às práticas filantrópicas que ao ajudarem os chamados medíocres, depunham contra a seletividade social. A filantropia deveria se voltar para os “NORMAIS”, e não somente para os “doentes” e “degenerados”. A filantropia mal direcionada, segundo os eugenistas, era um fator de indigência e de degradação social. Neste sentido a sociedade, como eles propunha deveria esta voltada para o incentivo ao casamento mais cedo dos chamados normais, para que eles pudessem procriar mais, fomentar incentivos a educação e ia profissionalização, para que eles pudessem vencer a batalha social.”
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É isso!
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