O diabo e o poder simbólico

"Nas iconografias, o Diabo é representado na maioria das vezes de aparência ou cor preta e nu, como uma criatura que não participa da vida civilizada (Link, 1998, p. 63-68).

Nos séculos XIII – XVI, o Diabo era representado na iconografia, literatura e teatro, como um ser lúdico, cheio de emoções e muito próximo do homem, nos pactos que fazia, era enganado pelos humanos e outras vezes, pela intervenção de Maria seu pacto era anulado (Muchembled, 2001, p. 25-45).

No Período das Reformas (séc. XVI e XVII) o Diabo no imaginário passou a ser representado com um ser todo poderoso, com poderes tão e às vezes maior que os de Deus ou um instrumento de vingança do mesmo, Lutero, Calvino, Cismas religiosos, deram ao Diabo grande ação.

“Em terras protestantes, em que reinava o servil arbítrio de Lutero ou a predestinação calvinista, bem como no mundo da Contra Reforma católica o ser humano parecia bem pequeno, bem fraco diante do poder desencadeado de Satã, mensageiro de uma divindade impiedosa. A visão do universo tornava-se, por toda
parte trágica e dolorosa” (Muchembled, 2001, p. 153).

Os textos dos porta-vozes dos pentecostais estudados nessa pesquisa utilizam esse imaginário, ligam a realidade e o mundo ao poder do Diabo que deve constantemente ser combatido, e para os pentecostais a única arma, ou a arma
eficaz contra esse inimigo seria a Igreja pentecostal.

O Diabo utilizado no imaginário não é novo, e os pentecostais não são os únicos a utilizarem essa estratégia. Lutero e o Papa Leão I são exemplos que se direcionam nessa perspectiva. As ofertas simbólicas concorrentes são ligadas ao
Diabo.

Lutero garante: “Somos prisioneiros do Diabo como de nosso príncipe e deus”. Ele diz ainda: “Somos, corpos e sujeitos ao Diabo, e estrangeiros, hóspedes, no mundo no qual o Diabo é o príncipe e o deus. O pão que comemos, a bebida que bebemos, as roupas que usamos, ainda mais o ar que respiramos e tudo o que pertence à nossa vida na carne é, portanto seu
império (Delumeau, 2002, p. 151).

Leão I descreve os quatro componentes da molécula do Kabo: magia negra, judeus, hereges, pagãos. Todos eles vêm do Diabo e a ele pertencem... Em 1975, líderes iranianos seguiram os passos de Leão I, entoando junto com manifestantes “América é Satã”. E em 1982, falando sobre a União Soviética, o presidente dos Estados Unidos alertou o mundo acerca do “império do mal”. Se o papa Leão I a Ronalde Reagan, o Diabo é um modo de macular qualquer um que discorde dos que estão no poder. Mas se o Diabo às vezes é meramente um expediente retórico, isto não significa que o mal o seja (...) o Diabo torna-se uma justificativa para o verdadeiro mal por parte de quem emprega esse expediente
(Link, 1998, p. 70).

O Diabo não é uma representação construída só pela elite, suas representações no imaginário são uma junção da cultura erudita com a popular (Ginzburg, 1998, p. 15-34). Na cultura popular (Idade Média) o Diabo era representado com um corpo deformado, isso devido a um ferimento que recebeu quando foi expulso do céu, e em outras ocasiões ele era retratado como uma mosca ou com formado de animais (Nogueira, 2000, p. 68-69).

No séc. XIX o Diabo foi identificado como o deus dos pobres, dos oprimidos, dos excluídos. Assim como o Diabo, esses são excluídos da sociedade ou do ‘paraíso’ (Muchembled, 2001, p. 154). No séc. XX o Diabo foi incorporado nos quadrinhos e nos filmes, vampiros, máquinas que destroem e dominam o ser humano, etc. Na psicologia o Diabo é individualizado, todos carregam o seu, uma onda na cultura ocidental pelo prazer, pela liberdade, faz com que cada vez mais o culto ou recusa do Diabo tenha espaço (Muchembled, 2001, p. 289).

Surge à primeira igreja que adora Satã, esse não é visto como inimigo de Deus, mas como forças ocultas da natureza, “nossas forças psicológicas interiores cela livre admissão e aceitação de nossas paixões. Os sete pecados capitais do cristianismo, nesse sentido, devem ser encorajados, pois, são virtudes que levam à consumação de nossos desejos” (Nogueira, 2000, p. 112).

Então a origem do Diabo está na tradição judaico-cristã? Não, essa tradição herdou do Zoroastrismo a dualidade, do bem contra o mal, o imaginário do apocalipse e nela teve e tem características próprias (Cohn, 2001, p. 153-294). O poder simbólico possibilita para aquele que o controla, exercer grande influência no coletivo a que pertence. O Diabo, demônio... são representações simbólicas que foram utilizadas para legitimar o poder simbólico de muitos (Lutero, Leão I, Calvino...). Esses viam nos inimigos, o outro, aquele que deveria ser combatido.

No imaginário pentecostal o Diabo e a guerra santa, são segundo os textos estudados meios importantes para a expansão dos mesmos.

Essas atitudes foram transmitidas de geração para geração, “desde o principio” e, portanto, são arquétipos utilizados pelos porta-vozes dos pentecostais. Ambos foram utilizados para legitimar o poder simbólico de muitos na história da formação da cultura ocidental, e são utilizados pelos pentecostais de maneira própria (como foi exposto no primeiro capitulo nos textos estudados), para legitimar o poder simbólico dos mesmos.

Para tanto, os pentecostais criam um imaginário que deslegitima as ofertas simbólicas concorrentes e em contrapartida legitimam as suas ofertas simbólicas. Nessa atitude os pentecostais combatem o Diabo numa guerra santa. As ofertas simbólicas concorrentes são ou estão ligadas ao Diabo. Nesse trabalho foi escolhida uma das ofertas concorrentes, para ser estudada e logo em seguida discutir como essa oferta em especifico é simbolizada no imaginário pentecostal.

Será exposta a característica do Espiritismo Kardecista na sociedade brasileira, e será feita uma discussão das obras de Kardec com esse Espiritismo presente na cultura brasileira, e logo em seguida voltaremos para os textos arquétipos dos porta-vozes e como o Kardecismo é combatido nos mesmos.

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É isso!

Fonte:
Jean Veríssimo: “O Diabo e a Guerra Santa no Imaginário dos Pentecostais: Espiritismo em confronto”. (Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Ciências da Religião como requisito para obtenção de grau de mestre. Orientador: Prof. Dr. J. C. Avelino da Silva). Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2005.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.

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