"Spencer era inglês, mas foi na América que encontra eco para suas idéias, que não eram novas, mas que tinham uma nova roupagem e embasadas no cientificismo, tão ao gosto do naturalismo do século XIX. Incluia em seu pensamento as idéias da economia clássica, os avanços da ciência e o tom piedoso calvinista. Deus era o grande desconhecido e pertencia a um espaço próprio, distinto da ciência. Desta forma, criava um conceito-ônibus, onde o misticismo tinha lugar e não ofendia totalmente o puritanismo em voga.
Proteger o desafortunado era um desperdício, mais do que isso, um erro pelo qual a espécie humana pagaria no longo prazo. Deixar o mais fraco sobreviver seria comprometer o vigor da raça e desestímulo para os mais dotados. A livre iniciativa e a competição eram forças naturais, que deveriam seguir o seu curso na criação da perfeição . Deixar o processo lento e inexorável da evolução seguir o seu curso era, para Spencer, o caminho certo. Qualquer atuação do Estado que desviasse a sociedade desse caminho natural seria inaceitável .
Justifica a diferença através da biologia e das leis da física da conservação de energia. A homogeneidade criava um sistema inerentemente instável, em um processo de evolução e dissolução.
Thus the homogeneous is inherently unstable, since different effects of persistent force [conservation of the energy] upon its various parts must cause differences to arise in their future development. Thus the homogeneous will inevitably develop into the heterogeneous. Here is the key to universal evolution. (Hofstadter, 1992, p. 37)
Sua defesa desse caminho era messiânica. A humanidade caminharia para a perfeição através da evolução, e no final, a mais completa felicidade seria encontrada. É evidente que qualquer instituição ou força que atuasse para impedir uma jornada certa para a glória de Deus, deveria ser impedida com vigor. Nesse sentido, dedicou sua vida a um combate sem quartel aos poderes do Estado. Mas, curiosamente, aceitava o papel dos sindicatos, como elemento de teste das condições do mercado de trabalho; e a caridade, pois ela advinha da liberdade de escolha do altruísmo de cada um, que não poderia ser cerceada. A livre iniciativa do assistencialismo. O indivíduo poderia corrigir a miséria alheia, mas não o Estado.
Estabelece fases de evolução da sociedade, a fase militante, que descreve com atributos do absolutismo, que é despótico, que submete o indivíduo, estabelece meios compulsórios de cooperação social e é orientado para a guerra e; a fase industrial, onde o contrato substitui o status e a cooperação voluntária no lugar da imposição pela violência. É uma sociedade mais pacífica, onde a segurança, a liberdade e a propriedade imperam.
Seria risível, se não fosse tão sério. Suas idéias invadiram a mentalidade das elites norte-americanas, que nelas encontraram a justificativa para suas riquezas. O seu caráter torpe e rapace é coberto por um véu de grandeza, até de transcendência. Os homens fortes, mesmo que sacrificando os fracos, estariam contribuindo para um futuro grandioso, ao qual todos deveriam se submeter. Não proteger o mais fraco seria fundamental para criar uma sociedade forte e mais perfeita.
Os Barões Ladrões, que faziam jantares grandiosos, onde gastavam milhares de dólares e queimavam notas de cem dólares para acender seus charutos, não podiam encontrar justificativa mais conveniente do que as idéias de Spencer. Melhor ainda que seus descendentes receberiam a graça da hereditariedade de seus atributos, conforme Lamarck. O riquinho seria o ricaço de amanhã, com as habilidades especiais de seus pais. Coisa rídicula, pois a decadência de muitos impérios pessoais está muitas vezes associada aos processos de sucessão familiar e a um herdeiro medíocre ou inapto; ou ao colapso dos tempos.
“It is here; we cannot evade it; no substitutes for it have been found; and while the law may sometimes be hard for individual, it is best for the race, because it ensures the survival of the fittest in every department.” (Andrew Carnegie apud Hofstadter, 1992, p. 46)
A batuta de Spencer foi posteriormente recebida por um sociólogo americano, William Graham Sumner, que defendia com ardor ainda maior as idéias do evolucionismo e que foi o expoente local do Darwnismo Social. Seu horror ao Estado se mesclava à repulsa às idéias socialistas. Desses monstros, surgiria apenas a morte da liberdade.
“Let it be understood that we cannot go outside of this alternative: liberty, inequality, survival of the fittest; not-liberty, equality, survival of the unfittest. The former carries society forward and favors all its best members; the latter carries society downwards and favors all its worst members.” (W. Graham Sumner In: Hofstadter, 1992, p. 51).
As contribuições de Sumner são na defesa da superioridade da competição como elemento central para o processo de evolução da sociedade e avançam ainda mais como justificativa moral dos barões ladrões.
“Their huge fortunes are legitimate wages of superintendence; in the struggle for existence, money is the token of success […]. They get high wages and live in luxury, but the bargain is a good one for society. Millionaires are the bloom of a competitive civilization:” (W. Graham Sumner apud Hofstadter, 1992, p. 58).
O Darwnismo social retorna à idéia de que a desigualdade é elemento fundamental do processo de competição. Não é mais apenas uma questão das leis da conservação de energia, mas de motivação e resultado da competição na sociedade, ‘without inequality the law of survival of the fittest would have no meaning’. Idéia essa que será resgatada com força pelos neoliberais nos anos 1980 em diante.
“If liberty prevails, so that all may exert themselves freely in the struggle, the results will certainly not be everywhere alike; those ‘courage, enterprise, good training, intelligence, perseverance’ will come out at the top.” (W. Graham Sumner apud Hofstadter, 1992, p. 59).
A metáfora da American Beauty prospera e enleva os barões ladrões, perdoados em seu assalto ao Estado Americano no século XIX, suas fraudes contra os concorrentes, pela venda de produtos defeituosos, sua exploração cruel dos trabalhadores e pela traição à pátria. Sumner e outros se apropriaram apenas daquilo que interessava na teoria da evolução de Darwin e desconheceram alguns alertas. O principal deles é que a seleção feita pelos homens gera raças mais fracas que aquelas geradas pela própria natureza, pois submetem a natureza à suas finalidades, que não são necessariamente as mais adequadas.
“A natureza deixa viver um animal até que, segundo as provas atuais, este se torne incapaz de executar o trabalho requerido para um determinado fim; o homem, ao contrário, julga somente com seus olhos e não sabe que os nervos, os músculos, as artérias são desenvolvidos em proporção às mudanças da forma externa.” (Darwin, 1996, p. 27).
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É isso!
Fonte:
Antônio José Corrêa do Prado: “Neoliberalismo e Desenvolvimento: a desconexão trágica”. (Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Economia da Unicamp, para a obtenção do título de Doutor em Ciências Econômicas, sob orientação do Prof. Dr. Jorge Eduardo Levi Mattoso). UNICAMP. Campinas, 2007.
Nota:
O evolucionismo de Spencer na América
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
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