“A interseção do campo midiático e religioso evidencia um duplo exercício do fascínio nos tele-espectadores. O primeiro, por conta das especificidades do próprio meio televisivo que é capaz de mobilizar as pessoas pelo número estonteante de imagens apresentadas sucessivamente despertando impacto sensorial e emoções e o segundo, pelo fato de se tratar da busca de uma relação com o transcendente que é revestido de mistério. Isso nos leva a concordar com Machado (2004, p. 45), quando diz que “o movimento que rege a estética televisiva é o mesmo que alimenta a religião: o da fascinação”. Observa-se, no entanto, que tal sobreposição dos campos tem aproximado as religiões midiatizadas mais com o espetáculo do que com o rito.
A des-territorialização proporcionada pelos meios de comunicação de massa permite que um grande contingente de pessoas/fiéis esteja junto mesmo que em locais diferentes. Ou seja, a experiência religiosa midiatizada prescinde um território físico de igrejas e comunidades. Passa a existir, entretanto, no ambiente virtual em que as pessoas estão “conectadas” umas com as outras - na medida em que sintonizam a mesma emissora de televisão - e experimentam o sagrado a partir das sensações causadas pelas mensagens audiovisuais e religiosas. A televisão une os apelos religiosos e estéticos por meio da imagem, exercitando a capacidade de juntar multidões sem que ninguém precise sair de suas casas. Neto (2004, p. 164) declara que
Hoje, desponta uma diferença: os protocolos midiáticos desenvolvem progressivamente a experiência fundada na tecno-interação, promovendo a religação entre os membros da “multidão solitária” e gerindo novas formas de contatos entre os membros desta nova forma de comunidade e/ou aglomeração.
Na mídia televisiva a percepção do tempo está marcada pelas experiências da simultaneidade e do instantâneo, pois sua tarefa-chave é fabricar presente. Neste contexto, a religião midiatizada ganha novos contornos e mostra-se como terreno fértil para o crescimento de teologias que preguem a resolução, hoje, de todos os males cotidianos da humanidade em detrimento de um futuro longínquo como a eternidade. É o caso da explosão de Igrejas fundamentadas pela teologia da prosperidade. As estratégias midiáticas tiram a religião dos horizontes do transcendente, submetendo-a um modelo de experiência do “aqui e agora”, que “[...] troca o antigo Bem ético pelo estar individualista, associando salvação e consumo” (SODRÉ, 2002 apud NETO, 2004, p. 166).
Outro componente da religião midiatizada refere-se ao fato de que sua abordagem enfoca um conhecimento do sagrado que é experimentado pelo impacto emocional que a mensagem imagética é capaz de provocar nos telespectadores ou público de fiéis. A experiência religiosa vivida é pessoal e é expressa através das emoções e sensações. Trata-se de uma experiência onde os sentidos triunfam sobre a mente, a emoção sobre a razão, o id sobre o superego. A profundidade da fé passa a ser medida pela intensidade dos sentimentos do indivíduo que se abandona no fervor religioso. Tal como a mídia televisiva constrói sua grade de programação com vistas a explorar ao máximo as emoções e sensações dos telespectadores apresentando enredo que façam as pessoas rirem, chorarem, se enfurecerem, etc. a religião midiatizada se adapta a lógica midiática e passa a oferecer ritos que favoreçam uma catarse como shows de música religiosa, reuniões ou encontros que estimulam a efusão do espírito, testemunhos de neófitos, acampamentos, entre outros eventos.
A grande variedade de programas de televisão e a pluralidade de discursos religiosos oferecidos aos consumidores/fiéis lhes dão o poder de escolha o que ressalta duas atitudes fundamentais do atual contexto sócio-cultural: de um lado, a individualização (cada um elabora com autonomia seu sistema de crenças); de outro, a subjetivação (valorização da experiência pessoal). Para Ribeiro, a confluência dessas duas atitudes “- traduzida pela equação elaboro-minhas-convicções-a-partir-da-minha-vida- possibilita investir energia “naquilo que se passa comigo”, privilegia a moral da realização pessoal e reduz a autoridade institucional do clero” (RIBEIRO, 2009, p. 87).
Evidencia-se, portanto, o que se costuma chamar de bricolagem que, no contexto religioso, designa a tendência pós-moderna de cada um elaborar seu sistema de crenças à la carte e fazer suas experimentações com autonomia. A bricolagem aponta, porém, para o desmoronamento do saber religioso devido ao fato de cada pessoa compor seu relato crente servindo-se de expressões oriundas de diferentes sistemas.
A midiatização dos mitos, ritos e símbolos religiosos se configura como uma criação dos homens, embora se apresente como algo diferente do humano, ao proporcionar a experiência do sagrado. Neste sentido, pode-se dizer que há duas dimensões que a compõem: a dimensão de ser uma construção social objetivada de produção coletiva e a dimensão subjetiva da experiência humana do sagrado de consumo individual.
Dito de outra maneira, a midiatização da religião é uma atividade fundamentalmente coletiva, no plano das condições econômicas de sua produção e difusão e por outro lado, apresenta um caráter essencialmente privado do plano do consumo. Ao analisar o fenômeno da midiatização da religião faz-se necessário indagar: quem é o sujeito que vivencia esse fenômeno?”
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É isso!
Fonte:
MARIA PIEDADE COUTINHO MARÇAL AZEVEDO: “A CONSTRUÇÃO PSICOSSOCIAL DO SAGRADO E MÍDIA TELEVISIVA”. (Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco, sob orientação do Prof. Dr. Luiz Alencar Libório). Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. Recife, 2010.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
A experiência religiosa midiatizada
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