O darwinismo social

“O divisor de águas é a publicação do livro “A origem das espécies”, por Charles Darwin, em 1859. Schwarcz explica que a obra se transforma em paradigma científico, unindo monogenistas e poligenistas. Os primeiros mantiveram os critérios de raça por níveis mentais e morais, enquanto os poligenistas reconheciam uma origem única, mas argumentavam que o tempo era suficiente para separações e a solidificação de diferentes heranças.

É neste cenário que ambas as correntes se afastam da biologia e o conceito de raça passou a ser conectado a elementos políticos e sociais. O impacto das idéias de Darwin alcançaram a antropologia, história, teoria política, economia e sociologia, gerando o conceito de “darwinismo social.” Adotaram-se conceitos, nas ciências sociais, como “competição”, “seleção natural” e “hereditariedade”.

O mestiço, com base na aplicação desta perspectiva, virou sinônimo de ser degenerado e inferior.

Enquanto Broca defendia a idéia de que o mestiço, à semelhança da mula, não era fértil, teóricos deterministas como Gobineau e Le Bom advogavam interpretações opostas, lastimando a extrema fertilidade dessas populações que herdavam sempre as características mais negativas das raças em cruzamento. O certo, porém, é que a miscigenação, com a sua novidade, parecia fortalecer a tese poligenista, revelando novos desdobramentos da reflexão. As raças humanas, enquanto “espécies diversas”, deveriam ver na hibridação um fenômeno a ser evitado. (2003;57)

Respaldado pela antropologia de caráter biológico, os teóricos da raça chegaram a três conclusões:

1) A divisão da humanidade em raças era uma realidade, comparável à distância entre animais de uma mesma família. Desta forma, a miscigenação era reprovável.
2) A divisão por raças representava a diferenciação de culturas, pois a reprodução assegurava a “continuidade entre caracteres físicos e morais” . (2003;50)
3) As raças tinham peso na manifestação de comportamentos coletivos, o que reduzia a importância da liberdade de ação individual.

O fortalecimento das conclusões acima levou a um conjunto de idéias que ainda permeia as relações político-ideológicas em torno da racialização humana. Trata-se da eugenia (eu, boa; genus, geração), conceito que significa interferir na reprodução das populações. O termo foi utilizado pela primeira vez pelo cientista inglês Francis Galton em 1883. Naturalista e geógrafo, Galton ficou impressionado com “A origem das espécies” e publicou em 1869 o texto Hereditary genius, no qual defendia que a competência humana se consolidava pela hereditariedade, e não pelos processos educacionais.

Assim, as proibições aos casamentos inter-raciais, as restrições que incidiam sobre ‘alcoólatras, epilépticos e alienados’ visavam, segundo essa ótica, a um maior equilíbrio genético, ‘um aprimoramento das populações’, ou a identificação precisa ‘ das características físicas que apresentavam grupos sociais indesejáveis’. (Galton 1869/1979) In: Schwartz (2003;60)

O discurso racialista apareceu de forma enviesada no Brasil no final do século XIX. Foi um momento em o país, em vias transição do Império para o modelo republicano, recebia visitas constantes de naturalistas, que descreviam o Brasil como uma nação mestiça. No entanto, classificavam a sociedade como um país em transição. Ou seja: que os sucessivos cruzamentos embraqueceriam a população. A mestiçagem era símbolo do atraso e significaria o fracasso do Brasil como nação.

E os números serviam para ratificar os temores dos teóricos, deslumbrados com a chegada, com atraso, das teorias raciais.

Enquanto o número de cativos reduzia-se drasticamente – em 1798, a população escrava representava 48,7%, ao passo que em 1872 passava a 15,2% -, a população negra e mestiça tendia a progressivamente aumentar, correspondendo, segundo o censo de 1872, a 55% do total. Nessa mesma ótica, os dados de 1890 tornavam-se ainda mais aterradores. Ou seja, se na Região Sudeste (devido, sobretudo, ao movimento imigratório europeu) a população branca predominava – 61% - já no resto país a situação se invertia, chegando os mestiços a totalizar 46% da população local. (Schwartz, 1993; 13)

Segundo Schwarcz, a partir de 1870, a intelectualidade brasileira passou a conhecer de forma simultânea doutrinas européias como o positivismo, o evolucionismo e o darwinismo. Isso auxiliou na construção de um modelo próprio de leitura das relações brasileiras, que corriam em paralelo com alterações na legislação. Em 1871, é assinada a Lei do Ventre Livre, que punha ponto final no sistema de produção escravocrata ao libertar o filho de negros cativos. Mesmo contida, a lei do Ventre Livre casava com a postura de muitos países, que condenavam a prática escravagista.

De qualquer modo, as teorias estrangeiras não se encaixavam de maneira tão simples ao contexto brasileiro. A quantidade de mestiços era cada vez maior no quadro populacional e as idéias de controle de reprodução e de grupo homogêneo não ganhavam sustentabilidade prática, embora fossem operadas pela classe intelectual consumidora de conteúdo especializado no campo da retórica. No entanto, o Brasil como “laboratório de raças” absorveu, em suas relações cotidianas, conceitos como superioridade racial e nebulosidade no desenvolvimento futuro por causa da miscigenação. Os negros e mulatos herdeiros de um modelo escravocrata decadente, pagariam o preço do racismo, posteriormente camuflado e negado pelas classes dominantes. Nas ciências humanas, por exemplo, praticadas em Institutos Históricos, justificava-se, por exemplo, a perpetuação de posicionamentos sociais a partir de variações do conceito de “darwinismo social”.

O uso da raça virou pecha, elemento qualificatório, manipulado de acordo com os interesses de quem o utilizava. A comunidade jurídica, por exemplo, entendia que raça era uma característica particular da sociedade brasileira e que a elaboração de leis deveria se sobrepor à adjetivação racial. A classe médica, por sua vez, acreditava que raça era um elemento biológico, preponderante na diferenciação de grupos. Tratava-se de um fator relevante para a criação e implementação de políticas sanitaristas e de higiene pública.

A perspectiva eugênica perdeu força no Brasil, embora tenha colaborado na construção de posturas discriminatórias, na primeira metade do século XX. Na Europa e nos Estados Unidos, a via é oposta. Os alemães adotaram o arianismo, a busca pela raça pura, um dos pilares da doutrina nazista, enquanto os norte-americanos cristalizaram a ideologia do segregacionismo, tanto para negros como para indígenas.

Barbujani, no livro A Invenção das Raças,
descarta qualquer método científico que seja capaz de levantar possibilidades genéticas de diferença racial. Ele busca apoio, inclusive, em operações matemáticas.

Cada um de nós tem pais, quatro avós e oito bisavós. É raro que alguém conheça seus trisavôs, mas sabemos que foram 16, e assim por diante. Isso significa que, há dez gerações, isto é, cerca de 250 anos, cada um de nós teve cerca de mil antepassados (1024 para sermos exatos). (...) Douglas Rohde, do Massachussets Institute of Technology, calculou que quaisquer duas pessoas do nosso tempo têm um antepassado comum que viveu há pouco mais de três anos. (2007; 15)

Os resquícios desta prática podem ser vistos até hoje. Um exemplo são as inúmeras denominações presentes em pesquisas demográficos. Termos que – de alguma forma – servem para se evitar o peso histórico e cultural das palavras negro e preto. Era possível perceber dezenas de nomenclaturas quando a resposta era auto-declaratório. Expressões como moreno, mulato, pardo, pé na cozinha e outras demonstravam o imaginário popular brasileiro.

Na África do Sul, por exemplo, em tempos de apartheid, chineses eram chamados de asiáticos e japoneses, de brancos.”

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É isso!

Fonte:
Marcus Vinicius O.A. Batista: “Giz de cor: um olhar de professores negros sobre as relações raciais nas escolas públicas”. (Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação da Universidade Católica de Santos, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação, sob a orientação da Prof. Dra. Maria Helena Bittencourt Granjo). Universidade Católica de Santos. Santos – SP, 2008.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

2 comentários:

  1. Excelente post!
    Só uma correção em relação à Douglas Rohde. Este pesquisador do MIT afirmou que todos as pessoas vivendo atualmente na Terra, teriam um ancestral comum por volta de 300 DC. Portanto, há pouco mais que 1700 anos!!!
    Posteriormente, seria interessante comentar as teorias antagônicas em relação ao Darwinismo Social, como aquelas levantadas por Kropotkin. Ou, na mesma linha, a antropologia criminal de Lombroso, desmistificada já no início do séc. XX, pelas observações experimentais do médico brasileiro Sebastião Leão.
    Saudações!

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  2. amei a matéria para mim como futuro professor de arte educação é de grande valia.

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