Propaganda, estereótipos e diversidade

“Para Freitas (2005), a consagração estética do corpo feminino não alterou as relações hierárquicas de subordinação do feminino ao masculino, pelo contrário, as imagens femininas disseminadas pela mídia, em sua maioria, reforçaram a concepção de que as mulheres são mais biológicas, mais corporais e mais naturais que os homens. A autora analisou anúncios publicitários apresentados em revistas femininas, dirigidas para os segmentos adulto e adolescente, tendo por base a sua interferência na constituição das identidades de gênero. O resultado da pesquisa mostrou que a feminilidade é ensinada, e exatamente por isso, as mulheres estão sujeitas às coerções estéticas e sociais, pois, de acordo com a autora, a feminilidade não é natural, argumento que pode ser confirmado pelos anúncios analisados que defendem um discurso próprio em que é preciso aprender a ser mulher. A autora destaca:

Nesse caso, ser mulher implica em possuir características estáveis, essenciais à condição feminina, as quais podem se desenvolvidas e aperfeiçoadas com o auxílio das revistas, o que constitui uma forma de ensinar a mulher a ser natural, a pensar e agir de acordo com suas características natas. De qualquer forma, toda essa discussão está centrada no que é social e historicamente construído sobre o feminino e sua (não) suposta naturalidade (FREITAS, 2005, p. 17).

Desta forma, a representação do feminino na publicidade tende a incorporar esse discurso cultural e social que constrói e naturaliza concepções sobre ser mulher. Assim, a mensagem publicitária tenta expressar a feminilidade através dos estereótipos que podem englobar valores e ideologias significativas.

Para Crochík (1997), é importante pontuar a diferença entre estereótipo e preconceito. O primeiro é considerado uma reação individual, enquanto o segundo é, predominantemente, um produto cultural. A criação dos estereótipos, na visão do autor, remete às instâncias sociais e culturais que alimentam esses paradigmas. De acordo com o autor:

os estereótipos são produzidos e fomentados por uma cultura, que pede por definições precisas através de suas diversas agências: família, escola, meios de comunicação etc., nas quais a dúvida, como inimiga da ação, deve ser eliminada do pensamento e a certeza, perante a eficácia da ação, deve tomar o lugar da verdade que aquela ação aponta: o controle, quer o da natureza, quer o dos homens, para melhor administrá-los... A obrigatoriedade da certeza traz a necessidade de respostas rápidas, calcadas em esquemas anteriores, que se repetem independentemente das tarefas às quais se destinam, gerando uma estereotipia nas ações e procedimentos (1997, p. 19).

Através da explicação de Crochík (1997), pode-se inferir que a cultura da mídia fornece os clichês que permitem ao indivíduo utilizar suas experiências já categorizadas evitando a reflexão crítica. Todavia, é preciso considerar que os conteúdos transmitidos via estereótipos são frutos de um mecanismo social que objetiva a manutenção do status quo. Para o autor, as imagens estereotipadas da mídia transmitem segurança, pois quanto mais o indivíduo vê confirmado o seu modo de pensar, mais seguro ele se sente.

Neste sentido, as representações sociais são construídas tendo como referencial o sistema de valores próprio de cada cultura. A representação, para Garboggini (2003), funciona como filtro que processa toda informação nova adequando-a aos esquemas mentais preexistentes, isto significa dizer, para a autora, que as características previstas como femininas são determinadas pela cultura efetuada pela socialização.

A disseminação de aspectos envolvendo beleza, sensualidade e feminilidade na cultura da mídia, exemplifica o que foi dito acima, pois esta é uma concepção estreita e socialmente construída. Conseqüentemente, a sensualidade e a feminilidade concebidas pela mídia são um mecanismo para controlar o comportamento da mulher mantendo a desigualdade de gênero.

Para Sabat (1999), a representação é um dos processos sociais pelo qual ordens específicas de diferença sexual podem ser construídas, modificadas, ou ainda, reconstituídas. As representações são muito mais que sintomas de causas externas a elas próprias, isto é, as representações são produzidas a partir de características específicas a cada grupo social. De acordo com Sabat:

As representações têm um papel ativo na produção de categorias sociais, tais como raça/etnia, classe, gênero, sexualidade, geração. São elas que transformam estes diferentes eixos em marcadores culturais construindo desigualdades. Seria equivocado pensar que representações estão carregadas de sexismo ou racismo, por exemplo, pois, são precisamente as representações que produzem esses marcadoresculturais. Não estou dizendo aqui que essas categorias sociais não existem concretamente, mas sim que, ao representá-las, através da enunciação do sentido, é que elas se constituem como marcas de um grupo (SABAT, 1999, p. 94).

Na perspectiva apresentada por Sabat (1999), os discursos midiáticos que nos cercam acabam por contribuir para a constituição das identidades de gênero, bem como para marcar as diferenças. Assim, diferenças e igualdades afirmam-se por meio de representações. Neste espaço imerso por códigos visuais que é a publicidade foi possível observar como a representação atua para constituir as imagens referentes ao universo feminino. Essas narrativas apresentam formas determinadas sobre o que é ser e como ser mulher, pois tem como referentes o modo como as relações sociais estão organizadas.

Nas propagandas da campanha pela real beleza Dove, aqui analisadas, pude observar alguns pontos em comum que podem ser considerados como mecanismos culturais pelos quais opera a publicidade: as representações de corpo feminino segundo um modelo hegemônico que mantém como referente de beleza a raça branca; a associação da imagem da mulher com padrões que envolvem feminilidade e atratividade física, a figura feminina mostrada com freqüência usando roupas íntimas e seu corpo ocupando o espaço da sensualidade."

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É isso!


Fonte:
MARCIA REGINA SANTOS BRISOLLA: “REPRESENTAÇÃO DA MULHER NA CAMPANHA PELA REAL BELEZA DOVE: UM ESTUDO DOS PROCESSOS DE SIGNIFICAÇÃO EM MENSAGENS PUBLICITÁRIAS”. (Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Cultura Visual da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás, para obtenção do título de Mestre em Cultura Visual. Área de Concentração: Processos e Sistemas Visuais Linha de Pesquisa: Construção do Sentido nas Imagens VisuaisOrientadora: Profª. Drª Rosana Horio Monteiro). Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 2006.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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